Carris recebe primeiros 100 de 250 autocarros novos até dezembro. Até março de 2019 chegam 15 veículos elétricos. Presidente da empresa faz balanço positivo do primeiro ano sob gestão camarária.
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Foi a 1 de fevereiro de 2017 que a gestão da Carris passou para as mãos da Câmara Municipal de Lisboa.
Na véspera da passagem do primeiro ano sob novo modelo, o presidente da empresa faz, em entrevista à TSF e Dinheiro Vivo, um balanço positivo da medida e antecipa o futuro imediato da empresa, incluindo o recebimento, até ao final de 2018, dos primeiros 100 de um total de 250 autocarros novos. Em março de 2019 chegam mais 15 autocarros, mas elétricos.
Tiago Farias é, desde o início de 2017, presidente do Conselho de Administração da Carris, empresa que se viu livre do peso da dívida, que foi assumida pelo Estado.
O que mudou nestes 12 meses?
Já mudou muito e contamos vir a mudar bastante mais nos próximos três anos. A empresa que passou para o município em 1 de fevereiro de 2017 tinha vivido um período de cinco anos de grande desinvestimento: houve uma redução muito apreciável do número de autocarros disponível - foram cortados cerca de 100 autocarros - perdeu mais de 600 colaboradores - a grande maioria motoristas e guarda-freios nos nossos elétricos, mas também quadros de grande valor técnico - e houve também um aumento muito acentuado dos tarifários. Isso levou a uma redução muito grande do serviço: perdeu-se 25% das linhas e houve uma transferência de passageiros que utilizavam transporte público na cidade de Lisboa para o transporte individual, que é hoje um dos grandes desafios que a cidade tem. O desequilíbrio entre o transporte individual e o transporte público. Em 2017, foi necessária uma visão ímpar do presidente da câmara e a noção do que se pretende da cidade em termos de operadores de transporte público: mais serviço, mais qualidade, mais oferta e mais acessibilidade, não só em termos físicos mas também de preço. 2017 foi o primeiro grande ano nesse aspeto. A empresa, por um lado, fez um investimento muito grande em lançar todas as pedras para a renovação da sua frota, foram lançados concursos para a criação de mais de 200 autocarros - numa frota de 600.
Os 200 autocarros serão para adicionar à frota ou substituir veículos antigos?
A maioria é, nesta fase, para substituir veículos antigos - desde 2010 não havia qualquer compra de autocarros - mas alguns também são para fazer a frota crescer. Grande parte da nova frota que estamos a comprar é a gás natural, por causa de problemas ambientais, e com grande apoio do programa comunitário PO SEUR - Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos. Também estamos a prepararmo-nos para ainda este trimestre lançar um concurso para compra de veículos totalmente elétricos. Mais do que renovar a frota, também foi necessário contratar novos quadros para a empresa: em 2017, contratámos mais de 120 novos colaboradores, dos quais 100 são motoristas e guarda-freios. Além destas medidas, retomámos os tarifários orientados para aqueles que queremos que venham para o mundo dos transportes públicos: a juventude, com o passe gratuito para crianças até aos 12 anos, e retomámos a terceira idade, que sempre preferiu a Carris a outros operadores, com um passe especial, com 60% de desconto.
A Comissão de utentes da Carris afirmou que não há "mudanças visíveis" na Carris. Essas alterações ainda não tiveram reflexo prático para os clientes?
Já tiveram e são alterações pequenas, progressivas, e que se notam todos os meses. Aumentámos em 2,5% o número de quilómetros percorridos face a 2016, que serviram para reforçar linhas. Na linha 28, reforçámos com autocarros a oferta de elétricos; reforçámos também a linha 15; lançámos uma extensão ao fim de semana da linha 748. Houve uma tentativa, com sucesso, de repor aquilo que estava em falha e reforçámos a nossa rede. A complementar isso, 2017 foi o ano em que a Carris se lançou cinco linhas de bairro, isto é, complementámos as linhas estruturantes com um conjunto de linhas de bairro que tentam fazer a conexão entre o mercado, a escolha, o centro de saúde e os interfaces especiais. Nos primeiros meses de funcionamento, já transportou mais de meio milhão de viajantes. Estas medidas são um começo muito forte e indicativo daquilo que se pretende fazer para este ano.
A Carris hoje é gerida sem o peso da dívida. Em 2016, a dívida ultrapassava os 600 milhões de euros. Não ter de se preocupar com o serviço da dívida não é um desincentivo à gestão da empresa?
Diria que é contrário: é uma preocupação acrescida, de garantir que a nova gestão que vamos fazer nos próximos anos e ao abrigo do contrato de concessão com o município não nos leve a que haja de novo dívida acumulada.
A empresa já está a endividar-se para fazer face aos investimentos dos próximos anos. A compra de autocarros implica financiamento.
Implica, sim, mas esse financiamento é de curto/médio-prazo e que, em casos pontuais, será necessário para renovação de frota e de elétricos. Isto será compensado com outros anos, em que, fruto de maiores amortizações nas nossas contas, poderemos recuperar esse investimento.
Até 2019, a Carris vai financiar-se em 63,8 milhões de euros para compra de autocarros e elétricos. Este empréstimo já está negociado e, em parte, garantido, sobretudo em relação à banca?
O valor de financiamento é de 16,4 milhões de euros, porque até 2019 vamos ter investimentos fortes na renovação de autocarros e só depois teremos investimento na renovação de elétricos. Os dois investimentos correspondem a 60 milhões de euros.
Daí os 60 milhões de euros.
Não gostaria de cruzar esses valores, que são uma coincidência. A frota de autocarros que queremos comprar é um investimento de 60 milhões de euros, tal como nos elétricos. Estão desfasados no tempo.
O Banco Europeu de Investimento (BEI) anunciou há dias que tem uma linha dedicada ao financiamento da mobilidade elétrica nos transportes públicos. A Carris vai aproveitar esta linha?
Vamos analisar, mas o conceito de mobilidade elétrica é bastante variado, porque pode ir dos autocarros elétricos aos veículos elétricos sobre carril. Temos uma aposta muito forte nos dois caminhos e pretendemos, de forma progressiva, transformar a nossa frota em emissões zero. A mobilidade elétrica é incontornável, por isso, é que ainda este trimestre vamos lançar um concurso para comprar 15 autocarros standard (52 lugares) 100% elétricos e queremos revitalizar o mundo dos elétricos sobre carril.
Quando é que os 100 novos autocarros e os 15 autocarros elétricos vão começar a circular?
A compra de autocarros é feita de forma a que as suas entregas sejam faseadas. Prevemos que a partir do segundo semestre de 2018 comecem a chegar autocarros e que até ao fim deste anos a Carris receba 100 autocarros novos, alguns articulados, a gás natural, standard e outros mais pequenos (linhas de bairro). Os autocarros elétricos devem chegar no primeiro trimestre de 2019.
São duas fases de chegada da nova frota da Carris?
São várias fases contínuas: vamos receber os autocarros no início do segundo semestre de 2018 e depois este processo irá prolongar-se pelo início de 2019.
Como evoluiu o número de viagens sem bilhete detetadas pela fiscalização?
A fraude detetada no terreno não traduz muitas vezes a realidade, difícil de estimar. A fraude detetada ronda os 5% e, depois, consoante metodologias diferentes, pode ser corrigida.
Tem havido reforço da fiscalização?
Vamos aumentar em 50% as equipas que estão no terreno, numa ótica pedagógica e de fiscalização. Este reforço vai ter início no final do mês de fevereiro.
Há um ano foi apresentado o projeto em que poderia validar o bilhete de autocarro com a Via Verde. Quando é que esta solução poderá entrar em vigor?
Pretendemos desmaterializar muito daquilo que fazemos no nosso dia a dia. Somos um operador aberta, que disponibiliza a sua informação e meios para que possam ser absorvidos por entidades que queiram liderar o processo de integração. Não depende da Carris a decisão estratégica de implementar este sistema de validação. A Carris está a participar ativamente em iniciativas de desmaterialização da bilhética através do smartphone.
Quando é que algumas destas iniciativas poderá entrar em prática?
Gostaríamos que entrasse em prática o mais depressa possível, porque queremos facilitar aos nossos clientes um meio de pagamento, seja um cartão sem contacto, seja outros meios ainda mais avançados. Não podemos dar uma resposta, porque o promotor dessa solução não é a Carris. É apenas um parceiro.
Há sistemas de transportes, como em Londres, que em nome do desempenho de rede não vendem bilhetes dentro dos veículos, para evitar demoras. Esta opção poderá ser tida em conta pela Carris?
Uma das coisas que estamos a tentar fazer em alguns espaços de grande procura é a possibilidade de ter um meio de pagamento dentro da estação. Isto está a ser estudado e analisado. Isso ainda não foi decidido.
Que estações poderiam participar neste sistema?
Sobretudo nas linhas de grande densidade e de procura, onde pretendemos aumentar a sua velocidade comercial. O aumento do escoamento do trânsito é uma das soluções; outra é a forma como os passageiros entram nos autocarros.
Como vai funcionar o sistema em que se o autocarro estiver atrasado o sinal passa a verde?
Esta iniciativa não é exclusiva da Carris e mostra uma das vantagens de ter passado para a gestão da câmara. Esse projeto cruza o sistema Gertrude - sistema inteligente de semáforos para, sabendo o comprimento das filas de trânsito, otimizar a temporização do sinal verde e vermelho - com a informação que a nossa sala de controlo tem sobre o posicionamento dos autocarros que se aproximam dos semáforos. A informação que se tenta transmitir à gestão dos semáforos é, se um autocarro se aproxima, se o sinal se deve estender por mais uns segundos o sinal verde ou antecipar o sinal vermelho.
Trata-se de partilhar informação que a Carris já tem, porque os autocarros estão equipados com GPS.
É partilha de informação que a Carris já tinha com a informação que a câmara municipal de Lisboa já tinha. Finalmente, começa a haver sinergias entre as duas instituições.
Quando e onde o sistema vai funcionar?
O projeto é liderado pelo município e está a ser testado no Eixo Central, entre o viaduto do Campo Grande e o Marquês de Pombal. Conforme o sucesso desta solução, será implementada noutras áreas, dentro do perímetro do sistema Gertrudes.
A Carris perdeu mais de 600 pessoas no período da troika. Nesta altura, está a recrutar e conta que em 2021 tenha os mesmos números de 2011. Não é um caminho perigoso, que pode trazer dificuldades financeiras à Carris no futuro?
Não é perigoso; é um desafio. A Carris tem de voltar a ser capaz de oferecer à cidade de Lisboa o que merece e aquilo de que necessita. Falamos em termos de rede, frequência e horário, fins de semana e noturnos. Só pode fazer isso se tiver os meios. Teremos de ter cuidado na forma de construir o projeto para que a sua sustentabilidade não seja posta em risco. Essa visão de que a cidade tem de ter outra rede só se faz com recursos humanos e meios. É um desafio mas é o único caminho que se pode traçar para uma empresa se pretende servir a cidade com outro nível de qualidade.
É possível ter um serviço de transporte público que responda às necessidades da cidade e tenha resultados positivos? Concorda que os sistemas de transporte público são, por natureza, deficitários?
Tenho de concordar, porque não conheço nenhum sistema de transporte público no mundo ocidental que faça serviço público e consiga cobrir todos os seus custos com receitas operacionais dos bilhetes. A lei europeia que entra em 2019 prevê que qualquer operador de transportes públicos tem de contratualizar com a sua autoridade, com definição de obrigações de serviço público, que têm de ser compensadas pela entidade que concede. Se o contrato for bem feito, em princípio não há um desequilíbrio das contas, porque as receitas serão a soma da receita dos bilhetes com a compensação pela obrigação de serviço público.
Já se debateu a gestão da Carris pelos municípios atingidos pela operação, que vão além da cidade. Esta ideia faz sentido?
Não faz sentido, do ponto de vista prático. É preciso uma entidade que regule e oriente a empresa para os objetivos e que depois tenha capacidade de garantir financiamento dentro do conceito de contrato de concessão da orientação de serviço público. É um desafio muito grande quando temos 18 municípios, com necessidades diferentes de transportes, sejam pendulares ou de atravessamento. Lisboa tem uma grande necessidade de transportes dentro do município, pelo que justifica-se um operador interno para a cidade, com algumas ligações a interfaces de outros municípios.
De 2015 para 2016 houve uma quebra no número de passageiros. Qual foi a evolução no ano passado?
Em 2017, aumentámos a oferta dos quilómetros percorridos e oferecidos à população. Isto aumentou a fiabilidade do sistema e mais reforços, além do número de passageiros transportados. Esse aumento foi de cerca de 1,4 milhões de passageiros. No último trimestre, o aumento foi próximo dos 5%. Já se nota uma recuperação dos passageiros.
Quais são os fatores que terão contribuído para este crescimento?
Foi uma conjugação de fatores: mais fiabilidade no serviço, reforço em áreas com muito impacto turístico, a abertura dos passes para os jovens e a terceira idade.
Durante o resgate, muitas pessoas voltaram-se para o transporte individual em vez do transporte público. De que forma o aumento de rendimento das famílias pode influenciar o número de passageiros transportados?
Quando há uma retoma económica, há tendência para voltar ao transporte individual. Só uma política muito integrada entre estacionamento, a forma como se gere o espaço público e a oferta que pretendemos colocar de transporte público é que pode combater essa dinâmica. Em 2018, queremos aumentar muito a qualidade do serviço: vamos colocar wifi gratuito em toda a rede (600 autocarros e 70 elétricos), com o regresso às aulas. Ainda este trimestre, vamos lançar uma aplicação móvel muito robusta, com a informação em tempo real dos autocarros e mostrar como as pessoas podem valorizar o seu tempo dentro dos transportes.
Que funcionalidades esta aplicação poderá ter?
Prefiro guardar a surpresa. Esta aplicação deve ser capaz de nos ajudar a escolher a melhor opção e informar-nos a que tempo está o próximo autocarro.
Quais foram os resultados da Carris em 2017? Apresentaram lucros?
Diria que foi um ano com lucro. A partir do momento em que tivemos o contrato de concessão com a câmara, ele é feito para que as compensações de obrigações de serviço público complementem o que não é possível fazer com as receitas tarifárias. Apontamos para que as receitas operacionais e os lucros sejam positivos nos próximos anos.
Poderá haver algum pacote em que o utilizador tem acesso aos autocarros da Carris, ao metro e depois aos sistemas de partilha de veículos?
Temos todo o interesse em caminhar para que os nossos tarifários sejam cada vez mais integrados. Essa integração foi feita até agora com os operadores tradicionais, mas queremos dar esse salto e ter produtos cada vez mais integrados, com os modos ativos (carros e bicicletas) e o estacionamento.
De que depende para implementar essas soluções?
Essas soluções devem ser desenhadas e lideradas pela câmara de Lisboa, que tutela a Carris e a EMEL, e que planeia e gere a visão integrada da mobilidade.