O ministro das Finanças, em entrevista ao DN, diz não compreender o debate político que se gerou à volta das cativações. Mário Centeno comenta ainda a tragédia de Pedrógão Grande.
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Mário Centeno mostra-se preocupado com a possibilidade de o debate político sobre as cativações poder ser utilizado para prejudicar a execução orçamental, mas garante que vai manter o controlo apertado na utilização da despesa.
É um instrumento que existe desde sempre mas de que se ouviu falar muito este ano, até porque houve um recorde de cativações em 2016 e, portanto, quando chegámos a 2017 houve uma atenção maior. Agora, o governo obriga-se a si próprio a dar conta trimestralmente das cativações que vai fazer na execução orçamental de 2018. É apenas uma questão de transparência ou vai ser mais benevolente nas autorizações que tem de dar aos diferentes ministérios para gastarem essas verbas?
A transparência no exercício de cargos políticos e na condução da política orçamental é um primado que ninguém pode pôr em causa. É verdade tudo o que disse sobre as cativações, a sua existência, a sua utilização, estamos a aumentar a literacia financeira também nesta dimensão, o que é muito bom - nunca antes se tinha prestado tanta atenção a estas questões. Elas são um instrumento essencial, em particular em anos tão difíceis do ponto de vista orçamental como 2016. Eu recordo que 2016 começou com o crescimento económico muito baixo como consequência da desaceleração da economia no final de 2015, que tínhamos crises bancárias na Europa no início do ano - em fevereiro houve uma que afetou particularmente as taxas de juro portuguesas -, as incertezas que existiam sobre os processos de sanção da saída do procedimento por défice excessivo, a suspensão dos fundos... Foi preciso controlar.
Ficarão cativadas tantas verbas quantas forem necessárias para garantir que o défice fica mesmo em 1% do PIB ou abaixo disso?
Isso é um princípio de cumprimento dos objetivos orçamentais de que não podemos abdicar, para o bem da transparência e para o bem da credibilidade do país. As cativações estão definidas em lei, na lei do Orçamento de Estado e no decreto-lei de execução orçamenta. Só há cativações adicionais quando as verbas orçamentais crescem. As cativações não são cortes no Orçamento, são apenas um mecanismo de libertação gradual dos fundos, à medida que há receita fiscal e que há receita própria. Uma boa parte da despesa do Estado não vem dos impostos, que são o que chamamos receitas gerais, vem de receitas próprias, de taxas, de serviços que a administração pública presta e que portanto se constituem em receitas próprias. Por exemplo, as taxas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nas entradas no país são uma receita própria desse serviço e é onde são encontrados os fundos para um conjunto de despesas da área da administração interna. Quando essas receitas não existem, os serviços não podem gastar o dinheiro, isto já é assim na lei orçamental. Portanto, uma boa parte destas cativações nem sequer têm um efeito prático porque dependem sempre, na sua existência como cativações, de uma receita própria que possa não estar a funcionar.
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O senhor ministro não se deixa condicionar pelo debate sobre as cativações, que gerou alguma polémica, vai continuar a exercer o seu poder de determinar se há verbas ou não que possam ser gastas tendo em conta que o défice tem de ficar pelo menos em 1%?
Eu contribuirei para esse debate com a maior transparência, explicando quando for preciso e sempre que for preciso qual é a estratégia do governo na libertação desses fundos e acharia muito prejudicial para o caminho que fizemos se de repente trocássemos - e eu já referi isso hoje uma vez - a palavra cativação pelas palavras derrapagem orçamental ou orçamento retificativo.
Portanto, vai haver cativações, as necessárias, para garantir o défice.
A execução administrativa do orçamento é uma responsabilidade do governo, a Constituição assim o diz, e nós não devemos fazer nada que prejudique a credibilização dessa execução. Isto inclui, obviamente, transparência. E estamos abertos a que essa transparência seja a que o parlamento deseja para que possa ir acompanhando regularmente o exercício de cativações. Mas vou-lhe revelar mais uma informação: é que os senhores deputados, através da UTAO, sempre tiveram acesso ao sistema de informação da DGO, onde estão registadas as cativações. É totalmente transparente, em particular para a Assembleia da República.
Mas não é correspondência direta, ele não vão lá ver...
Houve muito pouco interesse, e isto é um debate político e os debates políticos devem ter-se e têm toda a legitimidade - e eu estou mais do que disposto a participar nele -, mas não é um problema de falta de transparência do governo nem de que a Assembleia vive sem informação necessária para participar nele. A UTAO existe, tem conhecimento destas cativações, pode, através do sistema da DGO, obtê-las, simplesmente não o fez até agora. Portanto, a pergunta que se põe é: não será isto demasiado um debate político? Eu, como ministro das Finanças, digo-lhe que fico preocupado, e também como português, porque os debates políticos devem existir mas não devem ser usados para prejudicar a execução orçamental. O país viveu demasiados anos num regime em que a restrição orçamental era sempre indicativa.
(...)
Pedrógão Grande: "Em matérias desta natureza e com esta sensibilidade, qualquer tempo é sempre tempo de mais"
Marcelo Rebelo de Sousa, em Pedrógão, convidou o Estado a acelerar a avaliação jurídica, tendo em conta o relatório da comissão independente, num conceito jurídico que é difícil de explicar, que é a culpa funcional não personalizável. O que significa que não é preciso esperar, na ótica de alguns juristas, que o Ministério Público determine a responsabilidade ou não do Estado. O Presidente falava obviamente das indemnizações às vítimas e aos familiares. A esquerda, no Parlamento, tem dito que é preciso que essas responsabilidades sejam apuradas cabalmente. A si, que tem a chave do cofre: não acha que, perante a dimensão da tragédia e o tempo que já passou, não era tempo de avançar rapidamente com a indemnização às vítimas?
É fácil ter respostas rápidas do prisma que colocou a questão.
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Aquilo existe.
É verdade mas a chave do cofre, vou-lhe dizer com toda a franqueza, é o que menos relevância tem. Sem querer participar nesse debate sobre o qual não tenho toda a informação, seguramente que do lado do governo estão criadas todas as condições para que, existindo clareza e transparência no processo, essa celeridade se poder materializar. Isto é uma afirmação de princípios sem estar próxima sequer do processo jurídico que relatou, mas não há ninguém que possa não comungar desse ressarcimento e compensação, que vem sempre depois de um lamento que todos comungamos se possa fazer. O que é preciso é termos condições para que tudo isto se faça em igualdade de circunstâncias e com a preservação do que seja a estabilidade futura destes eventos.
Perante que diz o relatório da comissão independente, que foi aceite por todos os partidos do Parlamento como sendo a chave para determinar responsabilidade, e não estou a falar de responsabilidades individuais... não é devido um pedido de desculpas às pessoas que foram vítimas do incêndio?
O relatório saiu no dia 12, muitos colegas meus estão a ler e a trabalhar nele. Eu não faço parte desse grupo, não tenho informação suficiente para lhe poder responder a essa questão associada ao relatório em si. Se me pergunta se, perante uma evidente e identificada falha de serviços que estão acometidos ao Estado, devesse existir essa reparação, diria que obviamente sim. Não consigo é associar a minha resposta ao relatório em si.
Mas acha, mesmo sem ler, que era um devido um pedido de desculpa à população daquela zona?
Se houve essas falhas, se elas resultaram do deficiente funcionamento de funções que estão acometidas ao Estado, isso pode resultar de questões estruturais que podemos resolver ou de mero erro na condução de um processo... ou nas duas coisas. E portanto a conclusão que daí podemos tirar também é diferente. Todos sabemos como são difíceis as decisões que têm de se tomar naquele contexto. Temos de esperar, já não muitos dias porque o relatório já está disponibilizado, tem de haver um pensamento sobre isso.
O PR diz que já esperámos tempo de mais.
É verdade. Em matérias desta natureza e com esta sensibilidade, qualquer tempo é sempre tempo de mais.