Se o ministro das Finanças fosse uma personagem da literatura infantil tudo seria mais fácil.
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O Orçamento do Estado previa um crescimento de 40% em termos de investimento público, mas afinal não chegou aos 10%.
Explica Mário Centeno, que é normal o investimento ficar abaixo do previsto. Afinal, "não é como o 'Anita vai às compras', não vamos com o [cão] Pantufa, com um cesto, comprar investimento."
Em entrevista ao jornal Público , o ministro das Finanças lembra que "o Governo só pode gastar aquilo que o Parlamento autoriza" e que o investimento está sujeito a concursos que "às vezes ficam desertos".
"Tem acontecido durante este ano, porque ninguém faz propostas abaixo do preço que a Administração Pública coloca como valor máximo de licitação. A questão é que, mesmo nestes casos, tem de haver uma autorização de despesa", justifica.
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Mário Centeno explica ainda porque ficou a carga fiscal um ponto percentual acima do Orçamento em 2018: "É um desvio", não um erro, diz.
"O consumo no território acelerou, a sua composição mudou e os salários cresceram muito mais do que o PIB, o que significa que estes dois impostos, mas também o IRS, cuja incidência caiu através da subida do mínimo de subsistência e da revisão dos escalões, aumentaram mais do que a economia."
Mais liberdade
Já em relação ao saldo estrutural, o ministro das Finanças confirma que o objetivo de médio prazo vai baixar para zero em 2020, mas já em 2019 fica perto desse valor devido a dois fatores: "a redução do objetivo de 0,25% para zero e o muito bom desempenho orçamental de Portugal nos últimos anos".
Isto significa que Portugal vai ganhar "graus de liberdade na política orçamental" que "não tinha até aqui".
"Podemos fazer um programa que é pela primeira vez um programa de estabilidade, ou seja, vai demonstrar que a economia portuguesa atingiu uma posição de equilíbrio nas contas públicas que lhe permite encarar os próximos quatro anos numa noção de estabilidade no seu quadro orçamental", destaca.
O Programa de Estabilidade será apresentado dentro de duas semanas, mas "isto não quer dizer que possamos esquecer que temos uma dívida pública superior a 120% do PIB ainda hoje", ressalva.
Com o casaco do meu pai...
Questionado sobre se endureceu o discurso nos últimos tempos como alerta para os partidos mais à esquerda, Centeno garante que no papel de ministro das Finanças os seus discursos "têm sido sempre muito cautelosos, tentando passar essa cautela para outros".
Não foram os partidos mais à esquerda que insistiram em projetos de caráter social que de outra forma não tinham avançado, garante: "No programa de governo, do ponto de vista dos impostos, tínhamos exatamente as mesmas medidas que acabámos por aplicar".
Costuma dizer-se,'com o casaco do meu pai, pareço um homem' e para Mário Centeno "muita gente a querer vestir este casaco de estabilidade e de enorme sucesso da economia portuguesa."
Quem quer ser pré-reformado?
Nesta entrevista ao Público o ministro das Finanças diz ainda que o Governo não está a abrir a porta às pré-reformas porque "o país não está numa posição económica, financeira e social que se possa dar ao luxo de ter as pessoas a sair do mercado de trabalho", quer do ponto de vista financeiro como do ponto de vista social.
A pré-reforma na função pública está em vigor desde fevereiro, mas há queixas de que os serviços não estão a dar seguimento aos pedidos. Mário Centeno diz desconhecer os pedidos, mas acrescenta que o Governo não quer passar a ideia "de que as pessoas se podem pré-reformar".
Descongelar carreiras
Em termos de carreiras, o Governo está a preparar um diploma que recupera o tempo congelado dos militares, forças de segurança e funcionários da justiça, através uma solução semelhante à dos professores.
"Será uma solução de natureza idêntica. (...) a carreira dos professores é unicategorial, as outras são pluricategoriais e existe um mecanismo de progressão salarial que é a promoção. Numa carreira em que, mesmo não tendo havido progressões, houve promoções não posso usar exatamente o mesmo conceito que usei nos professores, onde quem não progrediu não teve aumentos salariais", explica.
Depois do esforço dos portugueses para recuperarão da economia depois da crise, "não é legítimo" que os benefícios fiquem concentrados apenas num conjunto de trabalhadores, considera.
Mário Centeno não quis antecipar como vai descongelar o tempo das outras carreiras, diz apenas que a solução já foi apresentada aos sindicatos e às associações profissionais.