Uma cremação, proibida em 1976, levou ao nascimento da Comunidade Hindu de Portugal. Conheça a história do um dos seis mil hindus portugueses. Quase todos vieram de Moçambique.
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Quem chega à fábrica da Dan Cake na Póvoa de Santa Iria, nos arredores de Lisboa, rapidamente sente o cheiro a bolos. Kantilal Jamnadas, o presidente e fundador da empresa, nasceu a meio da década de 1940 em Moçambique e começou a trabalhar com o pai quando tinha 12 anos. Aos 15 anos, contudo, em 1961, o jovem Kantilal ficou sozinho com o irmão mais velho pois o pai e a mãe, de nacionalidade indiana, foram dois dos dois mil repatriados para a Índia depois da anexação de Goa pelo Estado indiano.
Após o 25 de Abril de 1974, Kantilal Jamnadas, nascido em Moçambique e de nacionalidade portuguesa, foi um dos milhares de indianos, hindus, que, com a independência do país africano, optaram por continuar a sua vida em Portugal.
"Bolos e bolachas de Portugal ou não prestam ou são baratos"
Chegado a Portugal, Kantilal continuou a trabalhar na indústria alimentar e em 1978 fundou a Dan Cake, que rapidamente, na década de 80, se assumiu como uma das principais empresas portuguesas de bolos, biscoitos, bolachas, tostas e outros produtos de pastelaria.
O mais difícil, admite Kantilal Jamnadas, não foi a adaptação a Portugal mas sim, depois, a entrada do país na então Comunidade Económica Europeia e a concorrência, nomeadamente a espanhola, que tinha custos muito mais baixos.
Uma das soluções passou pela exportação, mas a receção no estrangeiro nunca foi fácil. "Em qualquer país", conta, "os clientes diziam-nos que 'bolos e bolachas de Portugal ou não prestam ou são baratos'".
Durante anos a Dan Cake vendeu, por isso, os seus produtos no estrangeiro abaixo dos custos de produção, mas hoje o empresário garante que a estratégia foi correta e avança com números: "Estamos em 70 países e em mercados tão exigentes como os EUA, Japão ou Coreia do Sul".
Proibição de cremações fez nascer Comunidade Hindu
Além de industrial dos bolos e bolachas, Kantilal Jamnadas é também um dos principais rostos dos hindus que vivem em Portugal que já foram oito mil mas agora, com a crise, passaram a cerca de seis mil.
Formalmente, a Comunidade Hindu de Portugal, que hoje tem sede em Lisboa, no Lumiar (onde existe a única estátua no Mundo em que Mahatma Gandhi está acompanhado da mulher), nasceu em 1976 por causa da morte de um jovem.
A maior religião da Índia estabelece que os corpos têm de ser cremados e quando os hindus de Moçambique chegaram a Portugal as cremações ainda eram proibidas.
Kantilal explica que, com a tradicional abertura portuguesa, aquele caso resolveu-se, mas a Comunidade ficou organizada e continua, hoje, a tentar manter as suas tradições, "apesar de a grande maioria dos hindus em Portugal serem portugueses e sentirem-se em casa". "Se tivéssemos ido para a Índia", garante, "teríamos tido muito mais dificuldades".
Sobre a visita de António Costa à Índia, o presidente da Comunidade Hindu sublinha que é uma boa oportunidade para Portugal, recordando que a economia indiana cresce a grande velocidade e tem mais de mil milhões de pessoas.
Kantilal Jamnadas recorda que Portugal é visto como um país pequeno, mas tem uma enorme potencialidade e pode ser uma porta para a Índia entrar na Europa.