"Descer o IRS não é prioritário"
João Galamba, deputado e porta-voz do PS, é o convidado desta semana do programa A Vida do Dinheiro.
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Foi na economia que todos duvidaram dela e acabou por ser através da economia que ela, a geringonça, ganhou a confiança do país. Dois anos depois, Portugal conseguiu o défice mais baixo da história da democracia, a economia está a crescer mais do que se esperava, o desemprego a cair e as taxas de juro a que se financia são as mais baixas dos últimos anos. Reversões, devoluções e reposições foram as conjugações de um Governo do PS apoiado por BE, PCP e PEV, tudo orquestrado pelo maestro António Costa. O deputado João Galamba é o nosso convidado. Fez parte do grupo de economistas que ajudou o primeiro-ministro a fazer o programa do Governo. É deputado e porta-voz do PS, uma voz crítica e desalinhada quando acha que tem de ser. Já confessou o sonho de uma dia ser secretário de Estado ou, quem sabe, ministro.
Que prioridades deve ter o Governo na segunda metade da legislatura? Diminuir a carga fiscal às famílias? Aumentar o investimento público?
Na minha opinião, depois deste desdobramento dos escalões e de todas as medidas que já foram tomadas a nível do IRS, deveria manter-se como está. Preferia que os recursos fossem canalizados para reforço dos serviços públicos. Já muito foi feito, o investimento público neste ano deve crescer 40%, mas é preciso mais. Se tivesse de escolher entre novas reduções de impostos ou reforço de serviços e investimento público, optaria pelo segundo.
O tema das reformas estruturais voltou depois dos incêndios e das falhas do Estado. Este Governo, apoiado politicamente da forma que é apoiado, tem condições para implementar as reformas estruturais, nomeadamente uma reforma do Estado?
Confesso que não faço a mais pequena ideia do que é a reforma do Estado.
Houve vários governos do PS a defendê-la.
O PS fez reformas no Estado, a reforma do Estado é uma coisa diferente. Reformar a Segurança Social, como se fez em 2006, dando-lhe sustentabilidade ao longo do tempo, a revisão das carreiras que também foi feita, a introdução da avaliação, investimentos importantes na área das qualificações... isso são reformas estruturais. Agora a reforma do Estado... as pessoas que mais falam da reforma do Estado o que na verdade querem é desmantelar o Estado: privatizar a Segurança Social, acabar com o monopólio da escola pública no ensino financiado pelo Estado, ou acabar com o SNS e abrir mais a privados. Quem fala dessa reforma do Estado o que quer é o que a direita liberal sempre quis: desregular, privatizar e reduzir o peso do Estado. Não tenho essa visão, nem o PS. Não há nenhuma reforma do Estado, há políticas reformistas, há políticas públicas que devem é reforçar e melhorar a atuação do Estado. E o Estado não deve sair das atividades que hoje desempenha, nem na saúde, nem na educação, nem nas outras áreas em que tem um peso importante. Reduzir o peso do Estado não faz sentido, melhorar, tornar mais eficaz as respostas que existem, isso sim.
Há alguma área prioritária? A Segurança Social é prioritária?
Não é prioritária. Neste momento o que é prioritário é continuar a trajetória de criação de emprego e de aumento da massa salarial, essa é a principal reforma da Segurança Social que o país precisa. Diversificar as fontes de financiamento é uma reforma que faz todo o sentido, porque temos muitas atividades pouco intensivas em termos de trabalho, e com os avanços tecnológicos o peso desses setores tenderá forçosamente a aumentar. Não faz sentido ter cada vez menos empresas a contribuir para a Segurança Social. Tirando os afinamentos que terão de se ir fazendo, uma grande reforma, isso não. E nunca jamais em tempo algum a ideia de plafonamento defendida por PSD e CDS, que é a privatização parcial e que quebra o contrato de solidariedade intergeracional que existe e que caracteriza o modelo de Segurança Social que temos. Aí, não. A reforma mais importante é continuar a apostar nas condições que permitem alterar estruturalmente o nosso tecido económico. Precisamos de empresas e produtos de valor acrescentado, de qualificar a nossa mão-de-obra, de infraestruturas importantes para garantir a competitividade do país. Temos é de ter um Estado social forte e eficaz e políticas públicas de promoção da competitividade e de investimento nos nosso recursos humanos e de apoio às empresas na transformação estrutural que têm de operar.
Foi criado um grupo de trabalho para a dívida pública e entre as conclusões estava uma negociação com as instituições europeias para rever as condições dos empréstimos dos fundos de resgate. Faltará coragem ao Governo para o fazer?
O que diz o relatório é que o Governo deve rever as condições para pôr em cima da mesa a necessidade de encontrar uma solução para a dívida e rever os prazos dos empréstimos e os juros. O governo deve procurar bater-se por transformações que permitam tornar a zona euro mais sustentável. O que torna a zona euro instável é não ter mecanismos ou de mutualização da dívida ou mecanismos para tornar a dívida de alguns países mais sustentável.
O Governo português devia defender as eurobonds?
Devia defender todos os mecanismos que defendam a gestão coletiva da dívida. Temos um mecanismo europeu de estabilidade que já é uma forma de eurobond porque financia os Estados emitindo títulos "coletivamente" garantidos por todos os países da zona euro, mas é preciso apostar no aprofundamento e na consolidação desse mecanismo para, por exemplo, em situação de pânico nos mercados permitir garantir custos de financiamento mais baixos com emissão de títulos comuns, que é hoje como o veículo funciona. Se quisermos isto é uma forma de eurobond, tinha é de ser permanente e não poderiam ser as condições punitivas em que foi acionado em 2011. Se isso acontecesse, acho que já teríamos dado passos muito importantes em tornar a zona euro mais funcional.
A entrevista a João Galamba vai para o ar este sábado, às 13h, na TSF. É também publicada na edição em papel do Dinheiro Vivo deste sábado, que sai com o Diário de Notícias e com o Jornal de Notícias.