Deslocar comboios da CP para Fertagus é "destapar os pés para cobrir a cabeça". Solução exige "coragem política"
Em declarações à TSF, Fernando Nunes da Silva, especialista em transportes, sugere que se replique aquilo que se faz "décadas" na linha de Cascais: "Terem várias famílias de comboios. Há comboios que vêm de Setúbal e depois há comboios que partem de Coina. Não fazem o serviço de todas as estações"
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O ex-vereador da mobilidade na Câmara Municipal de Lisboa Fernando Nunes da Silva defende que a solução para o problema da sobrelotação dos comboios da Fertagus na ligação Lisboa-Setúbal não passa por ir buscar comboios à CP. Sugere, por isso, uma alternativa que, apesar de não ser original, exige "coragem política".
As declarações do especialista em transportes surgem após o primeiro-ministro, Luís Montenegro, ter admitido, no debate quinzenal no Parlamento, a possibilidade de desviar comboios da CP para Fertagus. Em reação a estas afirmações, Fernando Nunes da Silva sublinha que esta transição tem de ser estudada "com bastante cautela".
"Se estamos a tirar comboios de serviços que a CP está a fazer, significa que há outras pessoas que vão ser prejudicadas. Temos de ver muito bem se isso é viável ou não. O que diz o velho ditado é: 'Igual a cobertor de pobre – quando cobre a cabeça, destapa os pés.' Não dá para as duas coisas", alerta, em declarações à TSF.
O antigo vereador lisboeta esclarece, por isso, que a Fertagus opera com comboios que são do Estado e o que o problema se coloca porque o concurso para a aquisição de material circulante lançado pelo anterior Executivo está parado, após ter sido impugnado.
"É importante clarificar estes pontos porque, se não, as pessoas julgam que aquilo que está a acontecer é da responsabilidade da Fertagus e não é", ressalva.
Atribuindo a responsabilidade ao Governo, o especialista aponta que, enquanto não existirem mais carruagens, há uma solução para este dilema. Apesar de não ser original, exige coragem política.
"É fazer aquilo que já se faz na linha de Cascais há décadas: terem várias famílias de comboios. Isto é, há comboios que vêm de Setúbal e depois há comboios que partem de Coina. Não vêm todos de uma ponta à outra, não fazem o serviço de todas as estações. Podem fazer comboios rápidos, que só param em certas estações. É repartir a oferta dos comboios, em função das várias estações e da procura que aí existe", sugere, reconhecendo que tal medida tem de ser assumida de uma "forma corajosa do ponto de vista político".
Para Fernando Nunes da Silva, o problema da sobrelotação dos comboios da Fertagus advém do sucesso do serviço, que, na sua opinião, foi subestimado.
"A Fertagus é vítima do seu sucesso. Foram os primeiros que introduziram os parques de estacionamento dissuasores com o bilhete integrado num passe do comboio, que é um sucesso enorme. São mais de 22 mil automóveis que todos os dias estacionam junto a estações - até Coina - da Fertagus e não vêm para Lisboa", salienta.
Com o alargamento da concessão, o serviço, além de abranger uma área maior - chegando até Setúbal -, tem uma maior frequência. O "sucesso é de tal maneira" que os comboios enchem logo nas primeiras paragens e, a partir daí, "já vão cheios".
Defende que, agora, a necessidade passa por reorganizar o serviço até que sejam entregues novos comboios.
Já sobre a sugestão do PCP, que pede o fim da exclusividade da Fertagus na linha Lisboa-Setúbal, o ex-vereador considera que essa proposta "não adianta de nada, porque o problema não é esse".
"Por que é que quando era a CP a operar não houve este aumento enorme da procura? Quando as pessoas fizeram esta proposta de ser um serviço único é porque, do ponto de vista da operação, é mais fácil", entende.
Também em declarações à TSF, a Comissão de Trabalhadores da CP já tinha assegurado que não existem comboios "encostados" e a possibilidade de direcionar algumas carruagens da CP para a Fertagus deixou os trabalhadores da empresa revoltados.