Corpo do artigo
Jaime Rocha, partner da EY, especialista em consultoria e fiscalidade, ajuda a perceber o que vai sair, ou entrar no bolso dos portugueses e que rumo pode o país seguir com o novo governo.
O consultor aceitou o desafio de fazer um exercício sobre o que será exequível, no atual quadro parlamentar, do que foi apresentado no programa eleitoral e depois de uma semana em que o Presidente da República ouviu partidos, mas ainda não anunciou quem convidou para a formação de governo.
Sem a apresentação oficial de um programa de governo, resta a análise às promessas eleitorais da AD, que passam por um choque fiscal no valor de 5 mil milhões de euros, até ao final da legislatura.
Para este consultor, esse é o ponto de partida para a governação, que numa primeira fase pode passar apenas pela aprovação de algumas medidas ad hoc, considerando existir pouca margem para fazer aprovar um orçamento retificativo que responda a questões estruturais, como as reivindicações de classes profissionais, como policias, professores e médicos.
Aponta as mudanças no quadro fiscal para 2025, incluindo baixa de IRS, IRC e IMT entre outras alterações aos restantes impostos, ou taxas.
Jaime Rocha adianta que é expectável que seja revogada a contribuição extraordinária sobre o Alojamento Local e revertidas as medidas do programa + Habitação e espera regresso dos vistos GOLD, ou redesenho de benefícios para o regime de Residentes Não Habituais, como algo de estímulo ao investimento.
Apesar do otimismo dos atores políticos que reclamaram vitória nas eleições, recorda que qualquer que seja o programa do novo governo, ficará sempre à mercê da conjuntura internacional.
Considera ainda que o país não está em condições de perder oportunidades dadas pelo PRR cuja execução deve ser acelerada para aproveitar ao máximo o Plano de Recuperação e Resiliência dentro do prazo que termina em 2026.
A Aliança Democrática venceu as legislativas do passado domingo, mas não tem garantido o apoio maioritário no Parlamento. Em sua opinião, qual será o impacto na economia, ou poderá ser o impacto na economia, desta frágil situação política?
No fundo, já se previa para 2024 alguma desaceleração da economia portuguesa, antes mesmo de sabermos. O que aconteceu, no fundo, com a demissão do antigo primeiro-ministro António Costa e, portanto, antes de toda esta dúvida em torno da eleição, diria que já havia alguma expectativa de desaceleração em 2024, quer por todo o elevado grau de incerteza geopolítico, como por alguma desaceleração de exportações. Portanto, alguns fatores que já nos estavam a fazer prever alguma desaceleração. No fundo, com a marcação de eleições antecipadas, acabou por existir alguma dúvida ou esperança, como queiram classificar, de que mudanças é que poderíamos ter no sistema político que pudessem influenciar naturalmente toda a economia portuguesa, seja pela vertente fiscal, seja pela vertente de investimento. Penso que agora que conhecemos o resultado das eleições do passado domingo, acho que já houve uma primeira reação que foi naturalmente de choque, ou pelo menos foi a perceção que existiu, obviamente pelo resultado político que o Chega obteve, mas também pela margem mínima pela qual a AD acabou por vencer o PS. A AD no seu programa, e podemos depois falar um bocadinho mais detalhadamente, acaba por ter, ou tinha, no programa eleitoral, um cenário mais de otimismo do que o próprio PS, baseado num maior crescimento constantemente até ao final de 2028, portanto, até ao fim da legislatura. Ou seja, uma perspetiva de constantes excedentes orçamentais, o que é bom para investimento na própria sociedade portuguesa. Portanto, a expectativa que existe, penso eu, após um primeiro grau de incerteza e de choque pelas eleições, é que neste momento está-se a começar a ter alguma normalidade no sentido de que vamos agora em frente. Já começa a ser mais ou menos evidente que a AD terá um governo minoritário e, portanto, terá de se construir a partir daí.
Mas isso contraria um bocadinho o quadro internacional que traçou. Seja qual for a decisão do Presidente da República, após as audições aos partidos para a formação do governo, é um facto que o executivo cessante do PS deixa os cofres do país cheios, com um excedente orçamental superior a 4.33 mil milhões de euros em 2023, e cerca de um terço do PRR executado. Com esta herança, onde é que encaixa, eventualmente, um orçamento retificativo já admitido pela AD?
Muito sinceramente, acho que é difícil, até pelos prazos que temos, existir um orçamento retificativo Portanto, estamos neste momento em março, todo o processo de auscultação dos partidos, decisão, toda a parte de nomeação do governo, formá-lo, constituição dos vários ministérios, secretarias de Estado, portanto, todo esse processo toma tempo. E depois, estou a ver complicado um orçamento retificativo ao nível de timings, portanto, do ponto de vista legal, os prazos que são necessários observar para que em tempo útil tenhamos um orçamento retificativo. Muito sinceramente, estou a ver mais medidas ad hoc, portanto, diplomas que a AD queira elencar, nomeadamente, para medidas principalmente do ponto de vista fiscal e de investimento, não aquelas mais estruturantes como saúde ou educação.
Não a resposta, por exemplo, a polícias, professores e médicos?
Aí, sem um orçamento retificativo, penso que será difícil, porque tudo o que o novo governo poderá ter liberdade de fazer não será para essas questões estruturantes sem o tal orçamento retificativo.
E esse orçamento teria de ser apresentado quando para que fosse viável?
Para que seja ainda uma realidade em 2024, teria de ser imediatamente apresentado logo após as nomeações, portanto, diria que até ao verão teria de ser apresentado para ainda que tivesse um efeito prático e efetivo no ano de 2024. Mas depois começamos a entrar no timing do próprio orçamento de 2025, que começa a ser elaborado em setembro ou outubro para que seja aprovado até dezembro. Portanto, toda a parte da discussão na generalidade, na especialidade, portanto, diria que já teríamos um orçamento retificativo quase em cima do Orçamento do Estado para 2025. Daí achar que deveremos ter mais normas ad hoc, diplomas ad hoc, do propriamente um orçamento retificativo.
Nessas medidas ad hoc, estará certamente a pensar em algumas na área fiscal. A Aliança Democrática prometeu um choque fiscal no valor de cinco mil milhões de euros até ao final da legislatura. Na sua opinião, o que é que seria possível fazer no IRS, por exemplo, ainda este ano?
Do ponto de vista de medidas fiscais, penso que todos nos recordamos, por exemplo, do pacote Mais Habitação que foi apresentado também fora do Orçamento do Estado e que acabou por ser um diploma à parte e que veio reger uma série de medidas na habitação. Portanto, o programa da AD tem, efetivamente, várias alterações do ponto de vista fiscal. Destaco, logo a começar, a descida da taxa de IRC. Isto é, atualmente a taxa de IRC em Portugal para as empresas é de 21%, só que depois temos ainda uma herança dos tempos da Troika, várias taxinhas, ou seja, a derrama municipal que acaba por ser 1,5% na maioria dos municípios. E depois, a derrama estadual que vai por intervalos de lucro tributável, portanto, do resultado positivo das empresas, em que escala, de tal forma, que começa no patamar inferior que são 3% e depois pode ser de 5% ou 7,5%.
Acredita que essas taxas e taxinhas acabem?
Na altura em que foi lançado pela Troika, foram várias as taxas extraordinárias, como muitas que existiram, que se prolongaram no tempo e já vão mais de 10 anos e continuamos com elas. Essa já é uma das medidas que a AD lançou, tanto a redução da taxa de IRC dos 21% para os 17% - na altura em que existiu uma reforma de IRC em 2014, ainda no governo do Dr. Pedro Passos Coelho, já estava prevista –, sendo que há 10 anos a taxa de IRC era de 25%, reduziu para 23%, depois para 21% e, por fim, houve uma alteração do Governo, mas o plano era descer até aos 17%. Mas a promessa da AD é reduzir em dois pontos percentuais anualmente.
Acredita que seja possível e que essa medida avance já em 2024, essa redução em dois pontos percentuais do IRC?
Acredito que em 2025 sim. Portanto, acredito que não será algo de uma medida agora à parte, mas que terá de ser algo mais estrutural no sentido de um Orçamento do Estado. Portanto, merece claramente uma alteração nesse sentido. Até porque parte do otimismo a mais que a AD tem no programa, que reflete programa face ao PS, vem precisamente do aumento do investimento. E o aumento do investimento é baseado em quê? Numa descida de impostos. Daí, a expectativa de um maior crescimento do PIB e também um maior excedente orçamental vem exatamente da descida de impostos para atrair um maior investimento. E isso é essencial.
Mas qual é que será a expressão ou o impacto real para as famílias? A proposta de redução da carga fiscal em 1.5 pontos percentuais, de que forma é que pode, de facto, ter impacto, uma vez que outra promessa é o aumento do salário mínimo para os mil euros e uma evolução do salário médio para os 1750 com base na inflação?
No final de 2028, sim.
E a taxa de desemprego estrutural próxima dos 5%. Isto será exequível?
A ideia da AD, pelo que vi no programa e pelo que entendo na prática, assenta-se nos seguintes fatores. Primeiro, descida de impostos. Para quê? Para permitir, e descida de impostos não só de IRC para as empresas, como de IRS para as pessoas, que as empresas tenham uma maior capacidade de investimento e daí voltem a colocar dinheiro na economia e colocar a economia a funcionar. Da perspetiva pessoal, da descida do IRS, é exatamente aumentar a capacidade financeira das pessoas para que tenham também maior capacidade de consumo. Portanto, não tanto de poupança, mas de consumo.
Mesmo à taxa de inflação atual?
Mesmo assim. A expectativa é que o aumento do poder de compra seja sempre superior à subida da inflação anualmente. Este é outro dos vetores que está no programa, essa é a expectativa, portanto, que andem naturalmente a subir. Acredito que a taxa de inflação poderá continuar a subir, mas não da forma galopante como aconteceu, mas continuará a subir. Agora, um dos pressupostos da AD é exatamente que o poder de compra das famílias aumente de forma superior à inflação. Isso resultaria.
No IRS, a AD promete também uma redução das taxas até ao oitavo escalão. Portanto, um desagravamento fiscal para as famílias, nomeadamente para a classe média. Acredita que poderá ser tomada ainda este ano alguma mudança a esse nível ou dificilmente em 2024?
Dificilmente, no sentido em que as taxas, por norma, os escalões de IRS e as respetivas taxas, são acertadas sempre no início do ano, porque não é só o próprio IRS a pagar, mas também toda a preparação que as empresas têm de fazer que permitem ter os sistemas prontos para fazer essa aplicação. Novas taxas, novas retenções na fonte, novos procedimentos. E, portanto, pode haver algum ajustamento, mas, novamente, tudo o que seja mais estruturado, mudanças de escalões, atualizações de escalões, acredito que deverão ser sempre em sede de Orçamento do Estado. Agora, o que a AD tem realmente no programa é a descida do IRS na chamada classe média, até rendimentos anuais de cerca de 82 mil euros, são 81 200 euros. E, no fundo, reflete uma taxa entre 0.5% e 3%, é a expectativa ou pelo menos o que estava indicado no programa. Isso vai permitir, obviamente, uma descida de alguma importância, mas como temos em Portugal uma taxa progressiva, acabará por afetar todas as pessoas independentemente do nível de rendimentos. Obviamente concentrado até rendimentos até esse nível.
E os jovens, nesse capítulo, também terão aí um regime diferente.
Sim. Na prática, temos já em vigor o IRS jovem. Portanto, já foi uma medida do governo do PS. Agora, no fundo, o que o AD pretende é, por um lado, prolongar esse IRS jovem e até eventualmente colocar uma taxa fixa inferior aos jovens até 35 anos. Portanto, falava-se de uma taxa de 15%, desde que os rendimentos não ultrapassem o tal limite. E depois, em simultâneo, um apoio do ponto de vista de impostos de património na aquisição de habitação, que também é outro dos problemas. Portanto, diria que do ponto de vista de classes mais jovens, não só se traduz na diminuição do IRS, como também em apoios para a habitação.
E em matéria de arrendamento, o que é que podem esperar inquilinos e proprietários?
Não se prevê nenhuma alteração ao nível das taxas que estão previstas. Tem havido claramente um incentivo para que os proprietários passem as suas habitações, principalmente de negócio e não habitação própria, para o sistema, para o mercado tradicional de arrendamento e não para o chamado alojamento local. Portanto, tem havido esse incentivo para que existam mais casas disponíveis e, consequentemente, ver se os preços médios das casas baixam em Portugal, principalmente nos grandes centros urbanos. E a política do anterior governo vinha nesse sentido de tentar estimular essa mudança das casas do alojamento local para o arrendamento tradicional. E colocou vários incentivos nesse sentido. O que a AD se propõe a fazer é, primeiro, eliminar algumas das medidas que o Governo colocou como, por exemplo, passar a existir no pacote Mais Habitação uma contribuição extraordinária no alojamento local. Portanto, a AD indica que vai eliminar essa taxa que foi alvo de muita polémica.
E fá-lo-á no âmbito de um orçamento ou poderá ser uma das tais medidas ad hoc?
Poderá, claramente. E aqui é uma dúvida que realmente existe, ou seja, o que é que significa anular uma grande parte das medidas do pacote Mais Habitação? E isso claramente poderá ser feito à parte, sem necessidade de um orçamento retificativo. E a contribuição sobre o setor do alojamento local é claramente uma das que se pretende eliminar.
E que outras medidas fiscais prometidas pela AD podem, digamos, reunir consenso para serem implementadas?
Se calhar dividindo um bocadinho por impostos, no que diz respeito ao IRC, diria que tudo o que envolve redução da taxa de IRC, que pode ir dos 21% para os 17%, obviamente não em um ano, mas gradualmente. Depois, como próxima medida, claramente, a descida das derramas ou a própria eliminação destas derramas e isto vai criar logo uma diminuição de imposto efetivo para as empresas que é absolutamente relevante. Tem o seu impacto naturalmente do lado da receita, mas do ponto de vista das empresas terem essa poupança direta para fazer isso, um maior investimento em Portugal, diria que destacava claramente essas do ponto de vista corporativo e, portanto, do ponto de vista de IRC. Existem outras mais teóricas de flexibilização da comunicação entre empresas e tribunais, a Autoridade Tributária, mas destacava claramente estas. Do ponto de vista de IMT, existe a tal isenção dos impostos de IMT e do imposto de selo na compra da primeira habitação para os jovens até aos 35 anos, mas obviamente deverão ser estabelecidos limites. Ainda assim, acabam logo por ter um grande impacto do ponto de vista dos jovens. Depois, do ponto de vista de IVA e também associado ao investimento, uma descida da taxa do IVA de 6% na construção. Até agora, o que acontece é que existiam esses 6% na reabilitação urbana e tem existido muito em Lisboa e no Porto, que é em todos aqueles imóveis em que se faz uma reabilitação pura, aí já haveria esses 6%. Mas agora o que se pode dizer? Que foi esse alargamento para que, no fundo, seja uma medida no caminho de diminuir o custo de construção direto e com isso também a esperança de que os valores das casas acabem por descer. Do ponto de vista do IRS e de Segurança Social, destacaria a tal descida do IRS até ao oitavo escalão, até aos rendimentos totais de 81 200 euros e também o reforço do IRS jovem. Depois, aqui há algumas medidas de poupança, ou seja, atualmente, qualquer rendimento que seja entregue das empresas às pessoas é tributado, a maioria em sede de IRS, ou melhor, praticamente a totalidade em sede de IRS e uma grande maioria em Segurança Social. Portanto, não existem propriamente muitas recompensas remuneratórias que uma empresa atualmente possa atribuir aos colaboradores que não venham logo a ter esta tributação imediata, o que é bastante gravoso. Uma das medidas acaba por ser criar uma espécie de conta poupança das pessoas, com certos limites, em que esse rendimento bruto possa ser canalizado para essas contas de poupança e que assim, no fundo, transformam o rendimento bruto em líquido. Portanto, um aumento do rendimento líquido. E depois, claro, o fim da contribuição do alojamento local também tem impacto.
E em relação ao regime dos vistos gold, ao regime dos residentes não habituais e ao regime dos investidores pessoais, que terminaram este ano, haverá aqui alguma reversão destas medidas?
Foi um dos grandes temas altamente criticados entre as últimas medidas do PS. É um tema que nós na EY, onde trabalho bastante com investidores estrangeiros, vamos ouvindo queixas. E uma das queixas que mais ouvimos é sobre a instabilidade fiscal em Portugal, que é uma coisa em que, ano após ano, existem alterações. Estava ali há bocadinho em off, a dizer que o melhor amigo dos consultores fiscais são os vários governos, porque estão constantemente a alterar a legislação fiscal e isso faz com que continuemos a ter bastante trabalho. Mas, no fundo, toda esta instabilidade prejudica sempre o investimento direto em Portugal e mesmo o planeamento de empresas e pessoas. Portanto, nunca é bom. E os regimes do residente não habitual e dos vistos gold, foi algo que surgiu ainda no governo PS, que foi provado e que teve bastante sucesso, criando socialmente aquele sentimento de desigualdade. E isso é compreensível, portanto, alguém que vem de fora e tem um regime preferencial a uma pessoa portuguesa que está cá, claro que socialmente criou essa desigualdade, mas do ponto de vista do investimento e da criação de blocos de trabalho, resultou bastante. E existem números que comprovam que realmente o fim do regime do residente não habitual, e principalmente dos vistos gold, não é bom do ponto de vista da economia portuguesa. Não é bom e realmente é uma das medidas que se espera que, se não for totalmente revertida pela AD, que seja reelaborado o seu alcance. Porque o residente não habitual acabou em 2023, mas ficou uma espécie de regime transitório para aqueles que ainda conseguiram ser residente ou obter um contrato de trabalho em 2023, poderem ainda ter acesso a esse regime fiscal durante o ano de 2024. Mas, na prática, o objetivo foi eliminado. Essa realmente é uma medida que penso que vai ser reintroduzida.
Ainda este ano?
Este ano provavelmente não. Porquê? Porque este ano teremos aqui um gap em que ainda há possibilidade de aderir ao regime, para quem ainda obteve rendimentos, um contrato ou a residência fiscal em Portugal em 2023. Portanto, esta é uma daquelas medidas que acho que se não for reintroduzida de forma muito similar, terá algumas adaptações, mas penso que teremos um regime destes.
Falou no investimento estrangeiro, mas nesta situação de alguma instabilidade governativa, como é que as empresas estão a lidar com a situação? É possível que estejam a congelar intenções de investimento neste momento e esperem até que a situação política fique mais clara, mais para o final do ano? O que é que vai acontecer nos próximos seis meses a esse nível?
Claramente. Estamos a falar tanto de grandes empresas multinacionais como do tecido empresarial PME em Portugal. Portanto, notamos esse receio, essa preocupação constante de nos perguntarem se existem novidades. O que é que vai ser a orientação do ponto de vista fiscal das políticas agora da AD? E a esse título, a EY faz anualmente um estudo de atratividade do investimento em Portugal. O último saiu no final de 2023 e, no fundo, é um estudo a nível global que tenta medir a atratividade de cada país para o investimento estrangeiro. E Portugal tem vindo constantemente a subir e atualmente somos a sexta economia com maior atratividade de investimento em Portugal. Além disso, tenta também perceber o sentido no próximo ano e nos próximos anos, e ainda continua a existir uma grande percentagem de vontade em continuar a investir no mercado português. Isto deve-se a quê? Por um lado, o talento que é reconhecido, o talento português, a mão de obra portuguesa é realmente acima da média, claramente, face a outros países e isso atrai bastante. Portanto, as empresas estrangeiras sentem-se bastante motivadas em apostar no talento português. Mas também todas as condições que Portugal tem de resultados e de rentabilidade, acabam por fazer esse grande crescimento que tem existido de investimento estrangeiro em Portugal. Portanto, acho que existe uma grande vontade em investir e os dados que temos continuam-nos a indicar que existe essa atratividade. Portugal continua a ser uma economia bastante atrativa, mas existe esse receio de que haja alguma paragem do investimento. No entanto, pelos dados que temos, não é a perspetiva.
O feedback que têm dos vossos clientes...
É que continua a existir essa vontade. Obviamente, sempre com um pé atrás na instabilidade fiscal, como falámos, e nesta inconstância. Depois, acabou por se traduzir em eleições, mas penso que no fim do dia temos muitos outros fatores que superam essa instabilidade.
Voltando aqui um bocadinho à despesa do Estado, a AD quer reduzir a carga fiscal dos atuais 38% para 36% até ao final da legislatura, sensivelmente. E, ao mesmo tempo, promete o choque fiscal e excedentes orçamentais todos os anos. E como é que ficamos aqui a nível de despesa, por exemplo, para a resposta aos polícias, aos professores e à saúde?
Atualmente, existe claramente excedente orçamental. Portanto, penso que a AD vai aproveitar este momento para investir e para compensar todas estas questões. No fundo, os pilares essenciais de uma sociedade, que acabam por ser a habitação, saúde, educação e, depois também a segurança, naturalmente. Penso que isto são quatro áreas de prioridade que a AD vai ter e que consta do programa.
Mas não vai precisar do tal orçamento retificativo?
Pode precisar, mas é como falámos, portanto, pode existir um ainda este ano para termos medidas de choque imediato e por isso é que pode existir esse orçamento retificativo para termos medidas de atualização, tanto do ponto de vista das forças de segurança, como atualizações no nosso Sistema Nacional de Saúde. Portanto, todos estes investimentos têm de ser, sem margem de dúvida, por via de um orçamento retificativo. São alterações estruturais. Portanto, agora é uma questão de correr contra o tempo, ver se realmente é possível apresentar esse orçamento retificativo.
Acredita que há condições políticas para isso?
Essa é outra situação, não é? Porque todas as forças políticas estão de acordo que isto são áreas essenciais em que têm de se investir. Depois, a questão acaba sempre por ser de que forma? E é aí que acabam por se refugiar as forças políticas, que nunca estão de acordo na forma como devem ser efetuadas. Com esta minoria que o Governo da AD tem, penso que vai ter sempre de passar por uma abstenção do PS e, naturalmente, pela proteção do Chega e pela negociação. Acho que vai ter de ser sempre por via de negociação.
E para ter o apoio da Iniciativa Liberal? Que cedências é que poderão ser feitas por parte da AD para ir ao encontro da Iniciativa Liberal?
No programa eleitoral existem muitos pontos que se tocam, tanto de otimismo futuro, como de crescimento de orçamento, de excedente orçamental, como de medidas fiscais. Acabam por haver vários pontos que se tocam. Portanto, penso que será relativamente fácil um entendimento de medidas que a AD possa querer lançar e com a concordância da Iniciativa Liberal. Penso que existem muitas semelhanças nos próprios programas.
Há alguma medida em particular que destaque?
Por exemplo, um dos pontos que a Iniciativa Liberal tem é claramente também a descida de impostos. No IRS tem uma teoria já há bastante tempo, que é uma flat rate de 15% independentemente da Iniciativa Liberal. Isso não vai ser acolhido pela AD, mas do ponto de vista do IRC têm uma perspetiva parecida, que é chegar a uma taxa de IRC claramente mais baixa. E também ao nível de incentivos ou investimento na economia local na economia portuguesa. E de que forma? Criando benefícios fiscais às empresas que torna atrativo esse reinvestimento dos lucros que as empresas têm na própria empresa. Portanto, aí, claramente, penso que têm pontos em comum e em que acho que será relativamente fácil chegar a entendimento.
E quanto ao PRR, há riscos para a execução deste Plano de Recuperação e Resiliência?
A execução que foi efetuada até ao momento é ainda muito reduzida face ao potencial que podemos ter. Na EY temos diariamente conversas com vários players, no sentido de perceber qual é o ponto de situação, quando é que chegam os fundos, quando é que existe a concretização. E a verdade é que este já foi um dos argumentos para, na altura, o Governo não cair imediatamente. Portanto, dar aquela passagem do Orçamento do Estado, para ser aprovado, e só depois é que houve a dissolução formal da Assembleia por parte do Presidente da República. E aí, um dos argumentos foi claramente que era preciso estender o tempo e ter o orçamento aprovado para que fosse possível executar o máximo do PRR. Mas houve esta instabilidade e isto é algo em que temos vários países europeus a avançar e temos, claramente, de avançar também nós e de tornar efetivas as políticas de adesão a esses incentivos. Porque, no fundo, estamos a falar de valores que são absolutamente essenciais na economia portuguesa – em qualquer uma, na verdade –, e que convém criar rapidamente essas condições para que possamos executar o PRR. Porque, caso contrário, arriscamo-nos a perder uma oportunidade de ouro de fundos a que poderíamos ter acesso.
E de que forma é que se podem agilizar processos? Porque essa é outra das propostas no programa eleitoral da AD.
Todo o PRR acaba por estar concentrado em projetos que são apresentados e que depois são sujeitos a aprovação. Depois, é todo um canal burocrático e formalista a entupir e a parar esta execução. Espero que uma das medidas mais claras da AD seja arranjar o mecanismo de adesão, o mecanismo de libertação destes fundos. Ou seja, fazer a aprovação, terminar essa negociação, aprovar e canalizar. O caminho tem de passar pela flexibilização dessas aprovações.
E considera que haverá entendimento, como tem havido até agora durante este período de governo de gestão, para que a execução do PRR não seja posta em causa?
Espero bem que sim. Obviamente vai exigir aqui bastante jogo de cintura e de negociação, mas espero que numa área tão importante como é esta para Portugal, que não coloquem em causa, por questões políticas, a concretização do PRR.
Há aqui uma outra questão, que é a derrama. No que diz respeito à água, o Algarve ressentiu-se deste agravamento das taxas. Será possível reverter essa decisão que foi tomada pelo anterior ministro do Ambiente, para, digamos, aligeirar o orçamento das famílias algarvias?
É uma das medidas que pode perfeitamente ser reversível. Agora, não é fazer futurologia dos novos ministros que forem nomeados, mas depende se há vontade política ou não, porque é essencialmente política.
Luís Montenegro conseguirá responder ao Chega, que reclama ao Estado ir buscar os mais de 18 mil milhões de euros que fogem do sistema fiscal todos os anos? Como é que o Estado poderia, de facto, recuperar esse dinheiro?
Uma das medidas é, e pode não ser exatamente da forma como estou a dizer, mas acredito que o objetivo é, claramente, que exista uma maior comunicação entre os sujeitos passivos, empresas individuais, a Autoridade Tributária e toda a máquina tributária. Para quê? Atualmente, em Portugal, existe uma grande litigância entre empresas e a Autoridade Tributária, em que, na fase administrativa, são relevantes as correções, mas que depois acabam por não se concretizar mais à frente, seja no Tribunal Arbitral, nos Tribunais Comuns ou mesmo ainda em fase administrativa. Portanto, estamos a falar de correções a serem efetuadas às empresas ou às pessoas, em que depois é pago, mas essa decisão acaba por ser revertida. Ora, isto cria, obviamente, maiores custos para a Autoridade Tributária, para o governo e para as empresas também. Isto é algo que acho que é uma das medidas, o melhorar esta comunicação entre sujeitos passivos e a Autoridade Tributária, no sentido de evitar esta litigância. Mas mediante o quê? Uma maior cooperação entre empresas e a Autoridade Tributária. Ter, no fundo, uma maior automatização dos processos e maior comunicação entre informação financeira e fiscal a que a Autoridade Tributária tem acesso. Acho que acaba por ser possível essa recuperação de, por um lado, impostos que estão atualmente em tribunais e que o objetivo é recuperá-los, no sentido de que seja feito o pagamento da Autoridade Tributária, ou seja, decidido a favor das empresas. E também por via desta diminuição de litigância, porque existindo cooperação entre a Autoridade Tributária e as empresas – e isto está provado em vários países –, os impostos acabam por subir. Isto está provado noutros países europeus e acredito que seja o caminho também em Portugal.