“É urgente que o próximo governo defina uma solução sustentável e estrutural para a seca no Algarve”
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Em vésperas do 34.º Congresso da hotelaria e turismo, Cristina Siza Vieira, vice-presidente da AHP mede o pulso a um sector que traz ao país uma média anual de 30 novas unidades hoteleiras, cada vez mais turistas estrangeiros e continua a lutar por mais mão de obra qualificada. E à espera do novo governo para ajustes fiscais e afinamento da nova lei do alojamento local.
O congresso marcado para 21, 22 e 23 de fevereiro este ano realiza-se no Funchal, virado para o tema de um futuro mais sustentável, mas o sector teme o impacto da falta de água no Algarve, o arrastamento de medidas conjunturais para estancar constrangimentos e pede a um futuro governo, soluções sustentáveis e de longo prazo.
Cristina Siza Vieira admite que com a queda do governo ficou mais por fazer no turismo, para além de grandes obras, como o TGV e o novo aeroporto.
A vice-presidente da Associação de Hotelaria de Portugal reconhece que o problema do emprego continua a ensombrar o sector, mas recorda que os imigrantes já representaram 28% do total de mão de obra na hotelaria e restauração em 2023 e por isso defende mais programas de integração.
Ao nível do investimento, mais do que benefícios em matéria de impostos, considera que a hotelaria deveria ter uma melhor distribuição da carga fiscal porque requer muito investimento inicial só com retorno a longo prazo.
Já sobre nova Lei do alojamento local recorda propostas da AHP para concluir que há muito por fazer a nível de legislação e é preciso que a atual lei seja afinada, porque é genérica e não satisfaz especificidades do sector.
A hotelaria e o turismo vão reunir em congresso este ano no Funchal a 21, 22 e 23 de Fevereiro. Quais são as prioridades do setor que exigem maior reflexão neste momento?
Ora bem, o setor, nestes congressos que agora passam a ser de dois em dois anos, porque de facto a carga anual era muito grande e há muitos eventos e muitas coisas a acontecer nessa altura, estes congressos têm um fio condutor, que é, na verdade, o setor do setor. Existem situações em que temos de não apenas refletir sobre o presente, mas de projetar o futuro, porque, de facto, há que preparar a indústria para aquilo que são os novos desafios, os novos players, novas gerações. E, portanto, há algo que está em cima da nossa cabeça todos os dias que é esta situação das alterações climáticas, do Horizonte 2030, é esse realmente o nome do título do nosso congresso e, portanto, o tema da sustentabilidade, e não há negócio se o negócio não for sustentável, mas também não há sustentabilidade se as empresas não sentirem que têm impacto positivo no negócio. E neste momento, com os desafios do Fit for 55, esta década do make it or break it é realmente decisiva, a regulação europeia está muito pesada, está complexa, não sei se suficientemente densa do ponto de vista de perceber os impactos económicos, estamos a atravessar momentos realmente muito complexos do ponto de vista geopolítico, etc. E, portanto, olhar para o tema da sustentabilidade, que há muito que olhamos, mas na perspetiva de facto de desafios e de negócio é neste momento a nossa maior preocupação, mais do que olhar para a espuma dos dias e para aqueles eventos que já sabemos que nos mordem os calcanhares a toda a hora, a capacidade de carga do aeroporto de Lisboa, alguma contenção na propensão para viajar, de facto este temor do que o futuro mais próximo nos reserva, enfim.
Já iremos abordar um pouco todos esses temas e já iremos também à questão da sustentabilidade, mas primeiro, antes de tudo, 2023 é dado como o melhor ano da história do turismo, com receitas superiores a 25 mil milhões de euros, um aumento de 37% face a 2019. Acredita que em 2024 esse trajeto é para manter, que passa por uma continuação desse crescimento?
Bom, nós costumamos ser um bocadinho confundidos. Nós somos conservadores nestas projeções e quando se vem, como o Bruno dizia, do melhor ano de sempre, maior prudência haverá porque the sky is not the limit, não é? Portanto temos aqui de moderar as expectativas quando há estes perigos no horizonte, chamemos-lhe assim. E, portanto, no último inquérito que fizemos às perspetivas dos nossos associados hoteleiros, e foi um inquérito com uma amostra muito robusta, como dizia, foram muito prudentes nas expectativas. Ainda assim, prevendo que o ano de 2024 seja pelo menos igual ao ano de 2023, ainda temos, obviamente, que recuperar no Algarve. O Algarve ficou aquém dos resultados de 2019. Tivemos um crescimento muito interessante noutras regiões. Os Açores têm uma marca muitíssimo forte de sazonalidade. É pena, de facto, não se conseguir distribuir melhor no tempo esta procura pelos Açores. As questões das condicionantes do transporte aéreo são fortes, quer nos Açores, quer em todo o território nacional. E, de facto, enfim, gostaríamos que pelo menos o ano de 2024 consolidasse 2023, é pelo menos essa a expectativa, digamos assim.
A região do Algarve beneficiaria se o aeroporto de Faro fosse mais utilizado para receber mais turistas?
Não creio que a queda de turismo que aconteceu no Algarve tenha sido por força de menos movimentos de passageiros aéreos. De facto, o Algarve deu alguns sinais de preocupação em 2023. Um deles, por exemplo, foi a redução da estada média, embora ainda não esteja totalmente feito qual é o diagnóstico e a terapêutica. Ainda assim, vamos ver, a performance em termos de receitas foi muito positiva, portanto, onde houve de facto aqui algum desconforto foi na quebra da taxa de ocupação. Não nos parece, ao contrário de outras regiões, como era o caso dos Açores de que falávamos ou da preocupação que se tem revelado com algumas low cost e com a forma como elas estão a jogar com o tema das taxas aeroportuárias, não nos parece que aí seja efetivamente a questão mais crítica do Algarve, digamos assim.
A Associação Portuguesa de Agências de Viagens antecipa uma desaceleração do turismo devido a fatores como a guerra, a inflação, as taxas de juros, sem esquecer a instabilidade política internacional, agora também nacional. Acredita que isso possa causar um travão no turismo já este ano? Como é que caracteriza neste momento o setor?
Essa de facto é uma observação que também tem estado sempre presente nos nossos balanços e perspetivas. Porque de facto há um equilíbrio que gostaríamos que se fosse sempre mantendo, que é obviamente, como setor exportador que é, ter mais turismo internacional do que turismo interno, não é? É isso que, aliás, contribui para o equilíbrio da nossa balança de pagamentos. Mas a verdade é que precisamos muito do turismo interno, porque o turismo interno e, aliás, a Associação de Agências de Viagens vinha sinalizando isto, viajou muito para fora. E, portanto, crescemos, atenção, no turismo interno, mas crescemos mais no turismo internacional. E bem, porque depois da pandemia de facto as fronteiras abriram-se e a vontade de viajar veio com mais força, mas um país de turismo maduro tem de ter uma componente forte de turismo interno. Na nossa hotelaria anda em termos de hóspedes 60-30, em termos de dormidas 60-40. Portanto, com claramente uma propensão para o turismo interno, mas não podemos descurar o turismo interno. E mais ainda, como a Ana Maria dizia agora, quando os sinais no horizonte podem ser de algum fechamento. Por maioria de razão, quem costuma ir para fora prefere ficar, não é? Aliás, o grosso do turismo é intraeuropeu e, no caso, países maduros muito dentro dos próprios países. E, portanto, é algo que foi descoberto, o turismo interno e Portugal pelo turismo interno, residentes, portugueses ou estrangeiros. Atenção: já temos uma comunidade muito importante de estrangeiros a residir em Portugal. Portanto, turismo residente, turismo interno. E era bom puxar por eles, aquilo que dizíamos como um fine-tuning, de conseguir encontrar aqui uma vontade de permanecer no próprio país, de o conhecer, no fundo de também gastar dinheiro no seu próprio país. É evidente que Portugal tem beneficiado do facto de sermos um país muito tranquilo, de sermos um país de paz, com uma boa relação qualidade-preço, com um tempo extraordinário, estamos em janeiro e, enfim, estamos cheios de calor. E, de facto, isso continuará a ser um atrativo, ou vários atrativos, um país extraordinário, muito bonito, de facto, com muito para ver e com, como dizia, esta qualidade de pessoas e de recursos extraordinária. E, portanto, acreditamos ainda assim que conseguiremos estar bem posicionados como país destino de viagens internacionais e com este equilíbrio também do turismo interno.
Há novos hotéis previstos, se calhar também novas formas de alojamento e, atualmente, com campanha política, alguns dos partidos até têm atacado, de facto, que exista demasiada construção e demasiados hotéis em Lisboa. Ao nível do investimento, quer público, quer privado, o que é que se perspetiva para este ano e como é que vê declarações como esta? Sendo o turismo um setor extremamente importante para a economia nacional.
Primeiro é bom que assumamos que o turismo é fundamental para a economia nacional. Em 2023 é preciso não esquecer que a economia portuguesa fechou com um crescimento de 2,3% quando na zona euro fechou a 0,5% e muitíssimo impulsionada pelo turismo. Portanto, não podemos malbaratar um recurso que Deus nos deu, chamemos-lhe assim. Depois temos, de facto, um país muito bem servido de infraestruturas. Podemos e devemos apostar mais noutras, é verdade, de transporte, mas em termos de serviço, encontramos hotéis em qualquer raio de distância onde se viaja e formas de alojamento. Temos muita oferta cultural, temos muita vida e, de facto, vida para várias gerações. E o turismo é uma riqueza em si mesmo. Contribui para a paz, contribui para nos conhecermos melhor uns aos outros, contribui para podermos acolher melhor o outro e a diferença. E acolher a diferença e termos a diferença entre nós é essencial para a inovação. Portanto, o turismo pode ser aqui um motor muito importante para puxar também outras virtudes. E sendo assim, ao nível do investimento, o que é que se perspetiva para este ano? Nós temos desde grupos estrangeiros que têm investido, a fundos internacionais e fundos, de facto, com bastante relevo. E, de facto, temos um posicionamento neste radar destes grandes investidores muito interessante. Aliás, eles andam permanentemente às compras, mais houvesse e mais apostariam. Em pipeline costumam estar sempre muitos projetos hoteleiros, muitos deles não se concretizam depois, são arrastados porque os termos de licenciamento são o que são, porque, efetivamente, há ruturas nas cadeias de abastecimento, há dificuldade em fazer a obra, etc. Portanto, temos 30, 40 hotéis a abrirem por ano, coisa que o valha. Não é uma coisa que se estranhe, muitos são de reabilitação. É preciso ver isto. Não são hotéis novos, são conversões, são reajustes. Por exemplo, tivemos agora muitos que estão encerrados para obras e, portanto, quando se fala em reaberturas, não são hotéis novos que surgem. Surgem, por exemplo, com outras marcas, surgem num outro posicionamento, são reclassificados. Portanto, esta questão às vezes não é muito bem tratada. Há, no entanto, um espaço que não está ainda bem trabalhado, nem em termos legislativos, nem em termos de um enquadramento geral, que são um bocadinho um mix-use. Portanto, termos, de facto, neste momento, hotéis que podem funcionar como residências mais ou menos permanentes de turismo, mais ou menos mais nómada do que outras, que passam períodos de tempo mais longos, que podem ter uma parte habitacional, que podem ter uma parte de serviços. E acho que esta versatilidade no alojamento vai ter de ser encontrada. Também consideramos que há necessidade de investir. É necessário investimento permanente. Esta questão da adaptação às alterações climáticas, da questão da maior eficiência nos consumos, exige refrescamento da oferta que já existe, algumas com as localizações extraordinárias.
Do ponto de vista da construção, numa altura em que os hoteleiros se queixam da subida dos custos da construção, considera que deveriam ser compensados, por exemplo, com uma melhoria da carga fiscal?
Sim, os hotéis são um investimento com um retorno, um payback muito lento, não é? Nós imediatamente, assim que investimos, entramos em despesa. Portanto, temos de pagar aos trabalhadores, ter os quartos abertos, ter os consumos todos e, portanto, ainda se está a amortizar a dívida da construção e dos fornecimentos e já se está a entrar em despesa nova. Aliás, os trabalhadores até são contratados muito tempo antes para conseguir reter e formar os trabalhadores para depois poderem, no dia em que abre a porta, ter logo turistas a entrar. E, portanto, esta situação do equilíbrio da carga fiscal devia ser realmente mais sobre os resultados do que logo nestes investimentos iniciais. Há situações, por exemplo, de cargas sobre o IMI que estão mal distribuídas, há de facto a ideia de que os hotéis devem pagar muito mais do que outro tipo de utilizações e a verdade é que não deveria ser assim, porque como entram, lá está, imediatamente em despesa, deveria haver ali uma outra consideração pelo tipo de investimento com que nos estamos a deparar. Por isso é que existiu um instituto importante que era o Instituto da Utilidade Turística, não é? E, portanto, havia um X tempo ali de adormecimento, digamos assim, de uma série de taxas e de impostos que depois, findo esse período de tempo, entravam a pagar normalmente. E, portanto, esta questão de maior benefício, digamos assim, devia existir neste financiamento e na carga fiscal mais de início, diria, para aliviar a pressão sobre a operação no imediato.
E, apesar da rentabilidade, o problema dos recursos humanos continua a ensombrar o setor. O que é que falta para combater a falta de mão de obra ou o trabalho precário?
Vamos ver, uma coisa é o trabalho precário, outra coisa é o trabalho sazonal e em picos de produção. E isso a nossa indústria precisará sempre, é como a agricultura ou setores extrativos, digamos assim. Nós temos, de facto, sazonalidade, por muito que se diga que não temos, temos. Há muitos hotéis que fecham, uns para férias, outros para recuperações, outros porque não têm capacidade para ter um hotel todo aberto.
E essas pessoas não poderiam ser reaproveitadas, digamos, para programas de especialização, de formação?
É assim, são, mas, por outro lado, há ainda pouco recurso real que eu também queria perceber um bocadinho melhor se, de facto, é só por dificuldade de acesso burocrático. Porque no Código do Trabalho está previsto o chamado contrato de trabalho intermitente, em que é possível, efetivamente, trabalhar-se, a pessoa tem um vínculo a uma determinada empresa, trabalha durante um determinado período de tempo, no outro período de tempo continua a receber uma parte do vencimento pela Segurança Social, outra parte pelo empregador e pode, inclusive, ter outros trabalhos nesse tempo intermédio, deduzindo-se depois a parte que ou o empregador ou a Segurança Social teriam que cobrir nesse diferencial. Não há muito recurso a este tipo de trabalho intermitente. Lá está, creio que as dificuldades que são colocadas a nível do Código do Trabalho e da operacionalidade da coisa tornam o instrumento pouco flexível. Agora, lá está, uma coisa é este trabalho sazonal, outra é um trabalho precário. E acho que é mesmo importante dizer isto, ou seja, trabalhadores precários na hotelaria não se deseja, não se procura e que não se deveria ter, porque é, de facto, um mau princípio, mas, de facto, também é verdade que houve uma fuga grande na altura da Covid, o lay-off também permitiu que as pessoas fossem para outros setores. Neste momento assistiu-se a um retorno muito importante, as pessoas estão a voltar. Em 2022, queixámo-nos imenso de um peso tremendo, de repente o serviço não conseguia ser prestado porque não nos preparámos para aquele pico tão brutal de procura em 2022. De facto, estivemos todos com uma tampa em cima, tirámos a tampa, desatámos todos a ir viajar e a hotelaria não estava preparada. Em 2023, apesar de tudo, não foi tão mau, nem nos queixámos tanto. Ainda assim, é importantíssimo perceber, por exemplo, que os trabalhadores, e são os que estão declarados à segurança social mensalmente, os trabalhadores, os imigrantes, já representam 28% dos trabalhadores na hotelaria e restauração. É empírico, se nós andarmos por aí percebemos, não é? Mas isto significa, respondendo também à sua pergunta, o que é que falta? Por exemplo, acho que faltam bons programas para integração e formação de imigrantes. Acho que era fundamental para a nossa indústria, era fundamental para o nosso país. Temos hotéis em que 40% da força de trabalho é estrangeira, com muitíssimas nacionalidades, com culturas diversas e isto, de facto, criar aqui um ambiente de integração, também há algo que as empresas turísticas podem fazer neste sentido, não é apenas o Estado. O Estado deve também promover esta integração, designadamente esta questão da formação e não condicionar só a formação aos trabalhadores efetivos, por exemplo, e criar aqui, de facto, capacidade para atrairmos pessoas para estas profissões. Portanto, temos de perceber que esta mão de obra que nos procura, primeiro é necessária como pão para a boca, e depois tem todas as competências para fazer um turismo de excelência também.
E quanto à procura externa? Já falámos aqui de a hipótese destes acontecimentos geopolíticos condicionarem um bocadinho as viagens intracomunitárias e extracomunitárias. Quais são os principais mercados emissores potenciais para este ano de 2024?
Primeiro, só dando nota que quando fizemos o nosso inquérito, uma das perguntas que fazíamos era quais eram os principais desafios e constrangimentos para 2024 e, de facto, no top três dos constrangimentos e desafios mencionados por 78% dos hoteleiros, foi a instabilidade geopolítica. Precisamente por isso também é um dos temas fortes do nosso congresso. A capacidade do aeroporto, já agora, é indicada por 36% dos inquiridos, a redução do número de voos por 40%, sendo 90% dos Açores, 73% da Madeira e 58% do Algarve, o que é natural, não é? Aqueles destinos mais, enfim, dependentes, em alguns casos totalmente e em outros maioritariamente do transporte aéreo. E as eleições, por exemplo, em Portugal só por 10% dos inquiridos. Portanto, isto é interessante olhar, porque olhamos realmente para o mundo daqui para fora e percebemos que o que se passa lá fora tem de facto importância também interna. Uma importância muito grande. De qualquer maneira, aqui acho que só podemos olhar um bocadinho para o retrovisor, porque estes constrangimentos são tão complexos que estar a dizer que os mercados são estes e não aqueles, é um bocadinho atrever-nos a pisar o desconhecido. O que nós, olhando para o retrovisor, vimos é que continuamos com uma boa distribuição no cabaz dos mercados emissores. E temos aqui um mercado que cresceu muitíssimo e que acarinhamos muito, que é o mercado norte-americano. Cresceu 70%, mas já vinha crescendo sustentadamente nos últimos anos e tem uma capacidade de compra muito, muito interessante. Obviamente, continuamos a ter o mercado britânico como o nosso principal mercado, mas acho que temos capacidade de crescer no mercado alemão, mas tivemos um crescimento muito tímido, já o mercado holandês quebrou ligeiramente. Há, de facto, também aí esta questão, são mercados muito conservadores e austeros, assim que há sinais de taxa de inflação no horizonte, são os primeiros a retrair-se e de alguma maneira. É evidente que percebemos. Percebemos que é natural que assim seja, mas, de acordo, mais uma vez, com o nosso inquérito, os principais mercados iam ser basicamente aqueles que já tinham sido apontados em 2023, sendo importante salientar que mesmo o mercado interno, portanto o mercado Portugal, é também apontado no top três dos mercados emissores para Portugal. Portanto, isto é algo que nos deve também nortear aqui.
Com muitos países em eleições, aliás, como o nosso próprio país está em eleições também, será possível, por exemplo, aumentar em igual número como aconteceu com o mercado norte-americano para este ano? Será possível duplicar, no fundo, o número de quem nos visita dos Estados Unidos?
É uma boa pergunta, dado que os países vão estar em eleições e no final do ano também temos as eleições norte-americanas que trazem uma ansiedade a todos nós, não é? Portanto, verdadeiramente, dizer que continuará a crescer ao mesmo ritmo não seria tão natural, porque este crescimento galopante já vem de trás, houve um investimento muito forte em promoção por parte do Turismo de Portugal que deu muito bons frutos e está sustentadamente, de facto, um mercado consolidado para Portugal e tem de se continuar a apostar nele, atenção. E, portanto, acreditamos que temos espaço para crescer, acredito que teríamos muito espaço para crescer na Alemanha, a Alemanha são os maiores globetrotters da Europa e também acho que teríamos de diversificar, é um mercado importante para Portugal, mas Portugal é pouco importante para eles, digamos assim. Acho que ainda temos muita capacidade para captar alguns públicos interessantes. Esses públicos, todos eles são endinheirados, muito mais endinheirados do que nós e, portanto, também são consumidores e isso é importante para a nossa economia.
Agora, com a perda de poder de compra dos portugueses e o aumento dos preços de alojamento nos destinos de praia nacionais, especialmente durante o verão, na época alta, haverá espaço ou não para os portugueses continuarem a usufruir de destinos de praia em época alta?
Ora bem, isto levanta várias coisas. Por um lado, esta questão da perda de poder de compra dos portugueses que viajam e que fazem férias, não sei se é exatamente assim, porque a verdade é que a procura de portugueses por destinos no estrangeiro cresceu. Por um lado, temos vontade de conhecer coisas, por outro, se somarmos tudo, desde as viagens de avião às refeições que se fazem fora, etc., não sei se é assim tão mais barato, não é? É evidente que também há outras situações. Eu digo muito este exemplo, um bocadinho caricatural, mas é verdade: dizer assim, nós tentámos não ter o turismo de pé descalço. Éramos acusados que, não, tem de ser um turismo mais seletivo, é um setor exportador, portanto, para poder subir salários temos de subir preços, não há outra maneira. E, de facto, é interessante perceber que a procura acompanhou e, portanto, não estamos já quase na primeira liga, é verdade, mas merecemo-lo bem e o turismo responde. Mas o mercado interno também não procura os hotéis de cinco estrelas ou de quatro na época alta, etc. Não é assim que o turismo interno, de facto, viaja. A época alta, por definição, é sempre uma época mais cara e, portanto, naturalmente as pessoas poupam-se a gastar dinheiro. É nessa altura que vão para fora quando têm dinheiro, etc. Portanto, acho que este fenómeno de dizer que perdemos poder de compra, etc., acho complicado dizer assim. E também nem todos vão para hotéis e, de facto, a nossa oferta turística é muito mais do que hotéis, não é? Além de termos turismo de espaço rural, agroturismo, bons parques de campismo, temos uma outra coisa que sempre dissemos ser absolutamente essencial, que são os apartamentos turísticos. E quando o alojamento local nasceu muito para legalizar uma situação que já pré-existia, que eram, de facto, desde as casas que se alugavam na Nazaré e em Peniche, aos apartamentos que também estavam fora do mercado regulado no Algarve, isso trouxe para o mercado regulado uma série de unidades e trouxe também uma gestão integrada. Há muitos operadores que, de facto, gerem este pacote. Há falta de melhoras, chamou-se-lhe, de facto, alojamento local. E, portanto, a proposta que a Associação da Hotelaria de Portugal fez neste domínio, a propósito da lei – e considero que a lei tem mesmo de ser afinada –, é que era preciso distinguir situações. E uma coisa são as segundas habitações e outra é pressão nas cidades e estão, de facto, aqui a necessitar de algum equilíbrio e deixar que as câmaras municipais regulassem melhor este mercado. Como a escassez de habitação é imensa também nesses locais, porque já sabemos que é difícil deslocar professores para o Algarve ou médicos ou o que seja, foi tudo enfiado no mesmo saco e o risco é muito maior. As pessoas não vão para hotéis, alguns vão, mas passaram de ir uma semana inteira para ir três dias, não é? E, preferencialmente vão para apartamentos, sobretudo em famílias mais numerosas. Esses apartamentos que, de facto, oferecem outro tipo de condições, que é natural, é assim em todo o mundo e, sobretudo, em todo o Ocidente e toda a Europa. E esta situação que está, neste momento, muito pouco regulada e tudo enfiado no mesmo saco, para nós, não estou a dizer como hoteleiros, porque os hoteleiros têm um mercado mais específico, mas também como cidadãos e para que esta relação entre a comunidade residente e os estrangeiros não seja vista como uma relação mais abrasiva, temos de ter essa capacidade.
Mas o Mais Habitação não resolvia essa questão?
Não nessa perspetiva, de todo. Metia tudo no mesmo saco, não é? Porque a escassez de habitação pressionou de tal maneira o legislador que, a certa altura, mesmo quando propusemos atenção em algumas partes, conseguimos, não é? Não olhar, por exemplo, para os hostels que ocupam um prédio inteiro, da mesma maneira que se olham para frações que podem ser colocadas no mercado de rendimento, lá está. Mas nessas outras, distinguir segundas habitações de primeiras, etc., não calibrou bem. E, portanto, acho que aí as câmaras têm de olhar para isto de outra maneira e fazer ali alguma alteração e afinamento.
E é uma tarefa para o próximo governo?
Pois, diria que sim. Enfim, isto foi uma matéria que passou também pela Assembleia da República, como sabemos, e suscitou muita paixão. A nosso ver, devia ter sido tratada um bocadinho mais cedo. Já tínhamos estudos que o indicavam, que isto ia ser um problema grande. Todos os sinais na Europa são estes. Todos. Neste momento, a questão da habitação e esta relação, como digo, abrasiva com este turismo, está na ordem do dia.
Em matéria de sustentabilidade, acha que as empresas portuguesas, desde o início, têm sido neste ramo do turismo, sensibilizadas para esta importância? E, por outro lado, considera que os turistas estarão dispostos a adotar práticas mais sustentáveis, incluindo o pagamento de uma taxa?
As empresas, por um lado é interessante, porque as empresas hoteleiras e turísticas têm o meio ambiente e a comunidade onde se inserem, não é? E, portanto, se não cuidarmos bem daquilo que é este nosso ativo, é evidente que depauperamos também o nosso património e a nossa procura. E, portanto, de alguma maneira, sempre fomos bastante cuidadosos e sustentáveis, também por uma outra razão. Por exemplo, a redução dos caudais de água, a utilização eficiente da energia, é algo que já se fazia muito frequentemente e em grande escala, sobretudo nos grandes operadores, porque ia bater diretamente na tesouraria e no bolso dos empresários. E, portanto, nesse sentido, otimizava-se. Mas dizer que estavam despertos para o tema… O tema da sustentabilidade, do ambiente, da preservação, ficamos um bocadinho ainda longe. Neste momento, não só o quadro regulatório é um quadro pesado e o que vem aí, mesmo para as PME, é mesmo esta questão da obrigação do reporte, a par do reporte financeiro, é uma condição de acesso. A acesso, designadamente, a financiamentos, a promoções, a promoção turística, a financiamento, à procura dos próprios turistas, ao ranking que se vai fazendo. Se virem hoje, mesmo nos grandes motores de busca, já se percebe o que é que cada um faz em prol disto e daquilo. Portanto, é um caminho que se foi trilhando e que agora é mais impulsionado. Temo, apesar de tudo, que o quadro regulatório seja demasiado exigente para PME, mas isso é um tema que está, neste momento, outra vez em discussão na Europa. Ou seja, esta questão da descarbonização da economia, de sermos o primeiro continente livre de carbono até 2050, com estas metas agora de 55% em 2030, estamos todos a assistir ao conflito que isto está a gerar nos setores das indústrias, agrícola, etc. Portanto, da nossa parte, e o próprio Turismo de Portugal tem feito aqui um trabalho – já agora aproveito para dizer que é um trabalho extraordinário –, com uma ferramenta de reporte muito interessante e importante, mas que vai exigir um esforço muito grande das empresas, sem dúvida nenhuma. Outra parte da pergunta, que é, será que os turistas estão disponíveis para isto? Por um lado, essa é uma pergunta realmente interessante, porque há inquéritos que dizem bem, eu já sou sustentável 51 semanas por ano, não me obriguem a ser na minha semana de férias, na 52ª, quando vou de férias, pensem vocês nisso. Só que se todos pensarmos nisso, em certa altura, ninguém é um turista responsável. Mas, por outro lado, também gosto muito de ver lá a folhinha verde e o selo verde, e quais são as políticas de responsabilidade social, e que tem emprego inclusivo. Acho que é diferente de gerações para gerações, é diferente de mercados emissores para mercados emissores, há quem seja disponível para isso. Não tanto para pagar mais, porque presumem que isso é uma obrigação de quem está no negócio. O negócio é sustentável ou, não é? O ponto é esse, é precisamente esse, é que não pode haver mais custos. Ou seja, temos de encontrar forma de que o negócio também seja por si sustentável do ponto de vista económico ou financeiro. E, por exemplo, cada vez menos temos banheiras em casa. Não temos banheiras, ou se temos uma banheira, tomamos um duche em vez de tomar um banho de imersão. Se eu for para um hotel, se tiver uma banheira, claro que uso uma banheira. Pronto. E, de facto, não penso duas ou três vezes, não é? Lá está, eu em casa não uso, uso aqui. Portanto, diria, por exemplo, que um hotel que tem banheira deve cobrar mais por ter uma banheira, porque vai ter mais consumo. Não é preciso pôr contadores nos quartos, queres um quarto com banheira ou queres um quarto com duche? Se queres um quarto com banheira, é mais caro. É mais caro, porque o consumo é maior. Quer dizer, quem diz isto diz algumas outras coisas, não é? Esta situação também pode ser boa para o negócio, esta diversificação, este perceber como é que posso ser mais sustentável sem ter mais custos.
A nível da hospitalidade, que balanço faz do programa Hóspedes?
O programa Hóspedes nasceu já lá vão uns anos valentes. E é algo que temos muito carinho, porque lá está, foi também esta preocupação de perceber, primeiro o que é o desperdício, não é? Portanto, reduzir, reciclar, reutilizar, era algo que deveríamos ter por princípio na nossa vida. E, portanto, esta questão que começou por nascer desta maneira, que é eu tenho bens em bom estado de utilização, mas que já estão um pouco estafados, um bocado gastos para a hotelaria, porque precisamos de refrescamento, de equipamentos, de decoração, de lençóis, de colchões, de não sei o que mais, estão em bom estado, entram na economia social, portanto entram no terceiro setor. Ou seja, reciclamos uma economia realmente de 360. Depois disso, começámos a medir o impacto que efetivamente esta reutilização destes bens também tinha do ponto de vista ambiental. Quantos milhões de litros de água se poupava, fomos alargando para a recolha e reaproveitamento de resíduos, dos óleos alimentares para fazer detergentes, do que os próprios detergentes fossem vendidos às nossas IPSS a uns preços muito mais simpáticos e, portanto, neste momento temos realmente parcerias muito interessantes, muito importantes. A recolha de bens doados por categorias tem subido e depois sobretudo esta questão de ir aprofundando, até ao fim as soluções para os resíduos, e neste momento temos para papel, óleos alimentares usados, equipamentos elétricos e eletrónicos, e agora vamos a um grande programa de recolha de rolhas de cortiça com a Quercus. Também estamos a fazer uma coisa para a recolha de plásticos de uso único e vidro, estamos a desenvolver uma plataforma de medição de consumos com a ENA, que é uma agência de produção energética em Setúbal, mas que neste momento está alargado para todo o país, e vamos agora desenvolver duas vertentes para nós muito importante, que é a do emprego inclusivo e do voluntariado empresarial, com formação no emprego inclusivo. Vamos trabalhar com o IEFP para acomodar, divulgar e promover soluções já existentes e dar também formação aos hoteleiros. Temos um protocolo com a APSA, portanto com a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger e também vamos lançar agora formações de pacotes com a Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21. Vamos agora na Feira do Turismo, no Fórum de Turismo, quer no Porto, quer em Lisboa, abrir este pilar do emprego inclusivo. Portanto, o programa Hóspedes está a evoluir, digamos assim, para fechar este ciclo.
TGV, TAP, o que é que perdeu o turismo com a queda do governo? Mais T's?
Já sabemos que as ruturas estão a acontecer. Sabemos que estas circunstâncias políticas não são boas e, de facto, não são, porque não se consegue ter resposta a determinadas coisas. Estou-me a lembrar de pequenas coisas que estão nos gabinetes, mas que fazem sentido para as empresas e que neste momento não temos resposta. Há algo que acho que ao nível da continuidade das políticas devia ser, se quiserem, acompanhado com mais cuidado que é o que é que se está a preparar a nível europeu, porque muitas coisas têm, de facto, impacto no turismo. E acho que estas situações de novos governos, de novos gabinetes, não conseguem dar o acompanhamento que estes temas, que não são tanto diretos de impacto no negócio, mas indiretos na indústria, fazem. O que perdemos também, além da decisão evidente que é, pelo amor de Deus, era preciso agora a Comissão Técnica Independente tomar uma decisão. Avançar com a decisão, que lá ficou mais uma vez parada. A situação também do TGV, já sabemos que há muita vontade, mas até haver vontade e concretização entre os vários interesses em presença, enfim. Há uma situação para nós gravíssima e que tem de ser encarada com muita seriedade, que é a escassez hídrica no Algarve e também em todo o país. Esta questão do racionamento e da subida de custos não pode ser vista como uma situação estrutural, porque daqui a pouco estamos a racionar, racionar, racionar. Quer dizer, esta situação tem de ter soluções sólidas, sustentáveis. Portanto, isto não vai lá com estas medidas de conjuntura, porque em junho não há água nas torneiras se não fizermos agora um racionamento. Pois é, mas se fizermos agora um racionamento, vamos ter provavelmente de o agravar outra vez em maio ou em abril, e depois chegamos a junho, sim senhora, mas depois em agosto e em setembro, como é? Temos de tomar opções, temos de aproveitar as águas residuais, temos de fazer dessalinização, temos de pensar na situação dos transvases. É uma situação que a agricultura e o turismo e as outras indústrias deviam pensar seriamente. Devia-se pensar em estudos a sério, devia-se aplicar as taxas turísticas para estudar estas matérias e pensar efetivamente que o Algarve não vive sem turismo, e o turismo não vive sem sustentabilidade ambiental, e, portanto, sem água. Esta situação que já está a ser trabalhada noutros destinos, não só para as comunidades locais, como concorrentes no turismo, é essencial que seja pensada. Portanto, o próximo governo tem esta situação, em que este foi apanhado no meio, mas não temos soluções e isso é muito preocupante.
Admirava André Jordan, que nos deixou esta última semana. Tratava-o como um amigo e conselheiro na área do turismo e a ele é atribuído o título de pai do turismo residencial em Portugal, por projetos como a Quinta do Lago, Vila Moura, Belas Clube de Campo. Como é que o caracteriza e como é que o vai recordar?
Realmente, tinha-o por amigo. Privei várias vezes com ele, era visita de casa, gostava muito dele e sei que ele também tinha por mim, desde há muitos, muitos anos que nos conhecemos, um carinho, uma consideração grande, e de facto, vou recordar sempre aqueles olhos muito curiosos do André Jordan, aquela vontade. Ele mais do que ser interessante, era também interessado e isso fazia dele uma pessoa muito querida, e toda a gente de facto que o conhecia melhor, diz que perdemos um grande ser humano, além de um grande empresário. Realmente, há algo que ultimamente falávamos e que era muito interessante, porque o André se sentia também como um refugiado, não é? E ele dizia, de facto, que esta situação dos pais terem fugido da Polónia, etc., lhe tocava fundo perceber agora estes movimentos de refugiados e como é que o mundo e Portugal poderia embarcar numa receita de não abrir a porta aos refugiados. Tinha sido um bocadinho umas reflexões últimas. Portanto, vou recordá-lo como um humanista também. Outra coisa que ele tinha de muito engraçado, é que gostava de mulheres. Não só como bon vivant, porque era, e teve uma vida cheia, ampla e rica, mas de facto dizia mesmo que se as mulheres estivessem no comando –, era muito promotor de termos mulheres em posições de comando –, e algumas coisas até às vezes o entristeciam, quando eu falava na Confederação do Turismo de Portugal e dizia que não há nenhuma mulher. São vinte e tal elementos que compõem e não há nenhuma mulher. E de facto, essa coisa de ser um bocadinho antes do seu tempo, tal como ele olhou para Portugal como um destino extraordinário para se viver e para se fazer turismo, antes de nós olharmos. Portanto, ele era um visionário, era uma pessoa realmente muito, muito querida e teve comigo algumas atenções fantásticas e vou ter muita, muita saudade dele.