Na Europa há falta de capital de risco para financiar startups que ganham dimensão.
Corpo do artigo
As boas ideias e os bons empreendedores estão a fugir da Europa para os Estados Unidos à procura de financiamento e é preciso retê-los. Este foi um dos alertas deixados no segundo debate dos Prémios Inovação NOS que juntou, esta semana, aos microfones da TSF, numa parceria com o Dinheiro Vivo, Carlos Moedas, comissário europeu da Investigação, Ciência, e Inovação, Ana Lehmann, secretária de Estado da Indústria, e Carlos Oliveira, ex-secretário de Estado do Empreendedorismo e atual líder da Startup Braga.
"Pessoas com ideias e startups encontro tanto na Europa como nos EUA e na China, agora quando essas startups começam a ter alguma dimensão vão para os Estados Unidos, porque não conseguem encontrar capital de risco de dimensão na Europa. Encontram cinco, dez milhões se a ideia for boa, mas se precisarem de 50 ou 60 milhões vão ter de ir para os EUA e nós temos de conseguir reter essas pessoas na Europa", defendeu Carlos Moedas.
TSF\audio\2018\01\noticias\19\debate_nosinovacao
O problema está nos setores que exigem capital mais intensivo, sublinhou Carlos Oliveira. E depois a consequência é que "quando olhamos para a quantidade de empresas que valem mais de mil milhões de euros, os chamados unicórnios, temos cinco vezes menos do que os americanos. Quando olhamos para o capital de risco, os Estados Unidos já estão a levantar mais ou menos 30 mil milhões, por ano, enquanto a Europa está nos cinco mil milhões", frisou o comissário europeu.
"Temos de mudar esse paradigma", disse Carlos Moedas, adiantando que a Comissão Europeia tem já um grupo de pessoas a trabalhar nas políticas de Bruxelas em matéria de políticas da inovação e uma delas é um fundo europeu de capital de risco, "que estamos a lançar e que terá uma capacidade para, pelo menos, duplicar aquele valor que hoje temos na Europa". O orçamento da Comissão Europeia para inovação é, atualmente, 10 a 11 milhões de euros.
Nos setores de menos capital intensivo, começando pelas tecnologias de informação, o problema está mais ou menos resolvido, tanto em Portugal como na Europa. O problema é que estas empresas não conseguem ganhar escala.
A Europa investe anualmente menos 150 mil milhões de euros por ano do que os EUA, segundo Carlos Moedas. Elon Musk, fundador da Tesla recebeu mais de cinco mil milhões de dólares (cerca de 4,1 mil milhões de euros) em ajudas do governo americano.
"Na Europa, esse capital público está sobretudo nos Estados membros e não na União Europeia. Só o orçamento do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, ao nível federal, são 30 mil milhões por ano e essa é a grande diferença. Não só investimos menos do que os EUA mas também investimos muito menos ao nível da União Europeia. O nosso orçamento é muito pequeno comparado com aquele", frisou o comissário. E há sempre áreas onde o capital privado não vai "porque o risco é de tal ordem excessivo que nenhum acionista está disposto a pagar para isso".
Hoje a inovação precisa de velocidade e de escala no mundo digital. "Se não temos essa escala, não vamos conseguir chegar onde os outros chegam. Vamos estar a inovar país a país, a duplicar e vamos, de vez em quando, ter alguns sucessos", defendeu Carlos Moedas.
O comissário deu o exemplo de Boston, no ano 2000, que tinha as melhores empresas e universidades, mas não tinha o capital de risco. "Só no dia em que o capital de risco foi para Boston é que este se tornou o grande centro do mundo de biotecnologia. Foi o puzzle, o ecossistema que se juntou".
"É verdade que há muitas indústrias em Portugal que conseguiram dar esse salto. Quem diria que a indústria do calçado se transformaria como se transformou, ou a indústria do azeite. Foi quando o ecossistema reuniu todas as peças", defendeu Carlos Moedas.
Ana Lehmann deixou um elogio à indústria com tradição que tem sabido, às vezes mais do que outro tipo de empresas mais inovadoras, dar o salto. "Claro que há um pelotão da frente que será uma minoria, mas é muito importante para dar o exemplo às que vêm atrás. Hoje em dia temos em Portugal um ecossistema industrial reinventado e que emergiu fortalecido do pós-crise, desde a agroindústria, a mobilidade, a utilização do blockchain no rastreio do pescado, etc."
Inovar para competir
Um dos problemas em Portugal, segundo Carlos Oliveira, é que tem havido poucas vendas de empresas a grandes multinacionais. "E isso é um gerador de novas empresas. Ao contrário do que se diz", defendeu o ex-secretário de Estado, lembrando que da empresa que ele fundou, a Mobicomp, que foi vendida à Microsoft, "já resultaram seis ou sete empresas fundadas por pessoas que lá trabalharam".
"A inovação tem um papel central na competitividade da nossa economia e é transversal a todos os setores", frisou Carlos Oliveira. Mas para crescerem, os empresários que ainda não o fizeram têm de pensar não em termos de mercado interno mas global.
"E o que pode o governo fazer para ajudar a inovação em Portugal?", foi a pergunta lançada neste debate a três. Carlos Oliveira destacou a importância de dar um boost à Agenda Digital, que vem da Estratégia 2020, "onde unimos o setor público e privado com um objetivo que pode ter um impacto económico relevante num país".
"É preciso envolver todos os ministérios, porque todos estão a fazer inovação na administração pública, mas é sempre complexo e mais uma vez é preciso liderança nestes processos, porque não está no topo da agenda", defendeu Carlos Oliveira.
Para o líder da Startup Braga, a inovação no setor público "tem muito que ver com agilidade. Comparo um grande setor público como o Estado com um cargueiro. Precisa de encontrar mecanismos ágeis, trabalhar com pequenas empresas, adquirir pequenas empresas mais inovadoras, promover a sua criação" para poder inovar.
Quem tem a ideia?
"Costumo dizer que um bom empreendedor não tem de ter tido a ideia. Tem de a saber executar, ter perseverança, capacidade de sofrimento e de resistência, de passar por dificuldades", defendeu Carlos Oliveira.
Houve uma altura em que se pensou que se iam transformar os professores e investigadores em empreendedores. "Não há nada mais errado do que isso. Eles provavelmente vão continuar a fazer a sua investigação e serão os chief scientists da empresa, dão o conhecimento, mas não querem ter nada que ver com a gestão", adiantou o ex-secretário de Estado.
"Penso que isto da inovação tem muito que ver com liderança: nas empresas, nos governos, nos ministérios, etc.", salientou Carlos Oliveira. Até porque, muitas vezes, não é o líder que tem de ser o inovador, tem é de criar o ecossistema, o ambiente favorável à inovação. "Porque quem vai fazer a inovação, às vezes, é a pessoa que todos os dias passa pelo problema e que tem uma ideia para um processo ou um produto."