
Lisboa, 15/03/2018 - Henrique Manuel Gil Martins Presidente do Conselho de Administração da SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE. Henrique Martins (Gerardo Santos / Global Imagens)
Gerardo Santos / Global Imagens
Licenciado em Medicina e formação em gestão, Henrique Martins é professor convidado na UBI e na Universidade Católica. É o convidado desta semana de A Vida do Dinheiro.
Corpo do artigo
Henrique Martins é há cinco anos o presidente dos serviços partilhados do ministério da saúde, uma empresa pública criada em 2010 para reduzir a fatura do SNS com a compra de bens e serviços. A empresa líder também em transformação digital da saúde em Portugal.
2018/03/avd_henrique_martins_integra_20180330141511
Os serviços partilhados do Ministério da Saúde é uma empresa criada para poupar despesa ao SNS... tem conseguido fazê-lo?
Os serviços partilhados são uma realidade no Ministério da Saúde desde 2010 mas diria que a expressão máxima em que se vão manifestando estão ainda por explorar. Estamos num caminho que começa sobretudo em 2011 com a acentuação da necessidade da poupança. Nessa altura estávamos num período de grande contração financeira e foi aí que se começou a ensaiar a compra centralizada de vacinas, a compra centralizada de alguns medicamentos.
Nos últimos dois anos isso acelerou muito, este governo deu um grande impulso à compra do medicamento. Em 2017 já comprámos mais de 1 bilião de euros de bens e serviços em nome das instituições do SNS e só em medicamentos e alguns bens como tecnologias de informação, papel, eletricidade, estamos a falar de uma poupança de 47 milhões de euros em 2017. Já são números muito expressivos e números que a própria indústria reconhece, ou seja o processo foi gradual e curiosamente fica-se com a ideia de que a indústria estará contra e isso não é bem verdade porque uma das coisas que acontece quando centralizamos a compra é a antecipação, a previsão e o planeamento.
Começamos a trabalhar nas compras de 2018 em maio de 2017, isto significa que para muitos medicamentos o nós prevermos exatamente o que é preciso vai permitir também às empresas fornecer a mais baixo preço porque têm uma expectativa de venda estabilizada muitos meses antes da entrega efetiva. Isto para deixar a ideia de que é possível poupar sem haver uma perda para todos os lados. Outro exemplo disto: também temos muitos projetos tecnológicos, desde 2018 que a SPMS tem a parte dos sistemas de informação da saúde e muitos desses sistemas têm-se traduzido em poupança.
O melhor exemplo é a receita sem papel. As pessoas não têm ideia mas a conferência para pagamento custava ao Estado mais de 5 milhões de euros por ano. Porque estas receitas em papel que as pessoas deixavam nas mais de 3 mil farmácias do país eram recolhidas em contentores e camiões e eram depois verificadas folha a folha. Estamos a falar de 7 milhões de folhas por mês. Quando pusemos tudo no digital baixamos a fatura do chamado centro de conferência de faturas para menos de 1 milhão de euros por ano.
2018/03/avd5_exemplo_de_poupanca_receita_sem_papel__20180330134653
Ainda em relação às compras partilhadas: quais são os objetivos para este ano em termos de poupança?
Para 2018 queremos manter a fasquia da poupança, queremos garantir que entre o preço-base e o preço final de adjudicação conseguimos, nas categorias novas, uma poupança equivalente... estamos a falar dos 3% a 5%. Nos bens que já comprámos o ano passado e que já baixámos o preço é difícil continuar a baixar. Por exemplo nas telecomunicações conseguimos, ano após ano, há mais de 3 anos, ainda assim baixar o preço.
O que fazemos é no ano seguinte utilizamos o preço que se conseguiu no ano anterior como preço base e depois pedimos ao mercado para concorrencialmente oferecer um preço melhor. Claro que isto tem um limite, não se pode sistematicamente fazer isto mas ainda há espaço para o fazer porque nem todos os bens e serviços que o Ministério da Saúde e as suas entidades estão ainda dentro da atuação dos serviços partilhados.
Tivemos agora o mandato em resolução de conselho de ministros para aquisição de helicópteros para o INEM, é uma novidade. Segue-se na senda de termos comprado viaturas para o INEM, portanto estão ainda a ser postos no nosso cabaz produtos que acreditamos que através do nosso modelo de negociação ainda é possível fazer de facto bons negócios.
2018/03/avd6_poupanca_futura_com_helicopteros_do_inem_20180330134652
Um relatório recente à situação financeira da empresa, o TC sublinhava o passivo da empresa e recomendava aos ministros da saúde e das finanças de um modelo de financiamento específico. Também reivindica esse modelo específico?
Os serviços partilhados herdaram uma situação financeira de uma outra entidade, a SOMOS, e foi por essa via e apenas por essa via que ficou com essa situação de passivo. O que deve ser feito é a correção contabilística desse passivo. Do ponto de vista do que são os gastos operacionais e o volume de faturação e a atividade da empresa, esses indicadores económico-financeiros estão estáveis e têm vindo, todos os anos, a melhorar.
Mas esta relação do TC não fará sentido ou na sua opinião justifica-se um modelo de financiamento específico?
A recomendação faz sentido para resolver essa situação em concreto, que é pontual. Resultou de um decreto-lei de 25 de setembro de 2015 em que é de facto transferida essa dívida de outra entidade para os serviços partilhados. Resolvida essa situação, essa questão fica resolvida. Coisa distinta é encontrarmos formas inteligente de financiar uma atividade que ainda é muito estranha no setor público.
Os serviços partilhados é algo que existe na banca, no retalho há vários anos mas na função pública os serviços partilhados foram a primeira entidade de serviços partilhados pública em 2010. Só anos mais tarde é que foi criada a ESPAP, a entidade de serviços partilhados do Estado e não tem sequer o mesmo grau de atuação que nós temos em termos de volume de negócios e atividades.
Porque é que o TC sugere um modelo de financiamento que possa ter aspetos peculiares? É porque é sempre difícil financiar aquilo que é de todos. Normalmente cada um quer beneficiar... às vezes temos até uma expressão que é os "serviços espartilhados" em que toda a gente quer um bocadinho... um software novo, um site, um processo de aquisição mas isso custa dinheiro. Financiar o que é de todos é sempre mais difícil do que financiar o que é de cada um.
2018/03/avd1_dificuldade_em_contratar_impede_maior_internacionalizacao_20180330134820
A SPEMS é uma empresa relativamente recente que tem vindo a ter as suas competências alargadas. Quais são os maiores constrangimentos à atividade da empresa?
Neste momento os serviços partilhados do Ministério da Saúde têm como maior constrangimento a dificuldade de contratação de pessoas. Já tiveram essa facilidade mas em virtude de terem sido incluídos todos os EPE da saúde em 2012/013 no perímetro de consolidação orçamental há um conjunto de dificuldades administrativas acrescidas para a contratação. Porque é que isto é crítico no caso dos serviços partilhados do Ministério da Saúde? Porque temos clientes, inclusivamente fora de Portugal, que querem os nossos serviços, nomeadamente softwares que temos vindo a desenvolver nos últimos anos e que em alguns casos são únicos, como o certificado de óbito digital.
Já tivemos gregos, brasileiros, espanhóis porque é que não nos vendem esta solução? E nós não conseguimos vender porque para vender em grande escala temos de fabricar em grande escala. Para mim, neste momento, a empresa está numa situação em que pode, ou não, tornar-se numa empresa pública com a capacidade de produzir riqueza vendendo serviços, sobretudo fora do perímetro da administração pública e até fora de Portugal.
Mas para isso tem de se internacionalizar - temos feito esse esforço, temos muitos contactos em virtude de muitos países europeus com os quais fazemos projetos de colaboração mas para podermos dar o salto e prometermos um serviço como nos pediram do Ministério da Saúde grego que queria informatizar os cuidados de saúde primários (os portugueses não têm ideia mas Portugal é um dos países com os cuidados de saúde primários mais informatizados da Europa, já fomos visitados por holandeses, finlandeses, alemães)... mas para isso não posso pedir à equipa que já é pequena para cuidar do SNS e dizer-lhe para se desfocarem do SNS para se meterem num avião para irem informatizar a Grécia.
2018/03/avd2_esforco_de_internacionalizacao_em_marcha_20180330134719
Vê perspetivas de que esse problema se resolva?
Tem havido abertura para analisar esta empresa, que ainda é muito jovem, e a administração pública não é muito rápida na perceção da evolução das entidades. As entidades do estado na área da saúde , nos últimos anos, não evoluíram muito, não mudaram. O ritmo da perceção do papel de uma entidade na administração pública é um ritmo de 5 em 5 anos... de 5 em 5 anos revisita-se o papel de uma entidade. Penso que podemos estar perto desse momento. Claramente a SPMS que temos hoje não tem nada que ver com aquela que conheci quando cheguei e estamos a falar de abril de 2013.
Recentemente realizou-se a E- Health Summit, uma montra informática aplicada à saúde, organizada pelos serviços partilhados do Ministério da Saúde. O que se pode esperar desta área? Portugal pode dar cartas nesta área?
Portugal já está a dar cartas na área do e-health, diria que algum tempo nalgumas áreas e de uma forma consolidada noutras. Fomos escolhidos pelos 27 estados membros para liderar a estratégia de e-health ao nível daquilo que é uma rede que existe formalmente estabelecida em Bruxelas, em que se reúnem os representantes dos ministérios da saúde dos estados membros para discutir as matérias do e-health de 6 em 6 meses.
Fomos escolhidos o ano passado em Maio para liderar este trabalho de 2018 até 2021. E fomos escolhidos não porque o representante português fosse mais ou menos simpático ou mais ou menos competente. Foi porque nos último 3 anos os nossos parceiros europeus viram uma evolução muito significativa, de um país onde alguns softwares eram muito antigos para um país que tem receitas sem papel no telemóvel, quando a Alemanha e França não têm; que tem a notificação eletrónica nos casos da legionela e sarampo.
Já não falamos de outra coisa que não seja eletrónica mas nos outros países não é assim. O boletim de vacinas que temos eletrónico nos outros países é em papel e isso deu-nos autoridade para podermos falar do que será o futuro nesta área.
Há outros projetos em curso. Quer falar deles?
Neste momento estamos empenhados em fazer várias coisas ao mesmo tempo, como é o nosso apanágio. Uma das coisas de que falamos pouco e que gosto de salientar é a harmonização da presença online. Temos neste momento um trabalho de grande envergadura em fazer com que todos os sites do Ministério da saúde, dos hospitais e regiões de saúde sejam harmonizados para que haja uma presença homogénea a coerente da mensagem da informação em saúde. Isso enquadra-se numa iniciativa governamental, que é o SNS Mais Proximidade, porque claramente a informação online tem de estar consolidada.
Também temos a APP SNS carteira, que é uma app gratuita e que permite as pessoas andarem com as suas receitas no smartphone mas também o testamento vital e mais recentemente contarem os passos e partilharem essa informação com o seu médico de família.
2018/03/avd7_as_novidades_para_smartphone_certificado_de_obito_e_prescricao_medica_20180330134937
Temos na área do mobile duas novidades este semestre: o certificado de óbito mobile, o que significa que vamos resolver algumas situações em que o médico não conseguia passar a certidão porque tinha de passar digital mas não tinha à mão um computador e agora pode fazê-lo no telemóvel - já começou o piloto este mês. E o que é para mim uma das minha pérolas, que é a prescrição médica mobile. Faz uso de uma novidade que é a chave móvel digital e a assinatura com chave móvel digital com o cartão do cidadão e vai permitir que eu telefone ao meu médico e que ele no telemóvel faça a receita e assine no telemóvel.
Até aqui não podíamos fazer isto porque ele tinha de utilizar um cartão do cidadão e introduzir um PIN, tinha de ter um leitor de cartão. Isto parece muito tecnológico mas não é, é uma revolução. Eu posso ligar ao meu médico, ele atende-me o telefone e faz-me logo ali a receita. Eu recebo a receita por SMS, que já hoje recebo, e vou à farmácia. Estamos a falar de um cenário de mobilidade total. Podem estar os dois na praia, um no Porto Santo e outro nos Açores...
Qual é a aceitação da comunidade médica de todas estas inovações?
Tenho o privilégio de dizer que assinamos um protocolo com a Ordem dos Médicos que vai beneficiar a prescrição eletrónica médica e que vai fazer com que sejam os serviços partilhados a fazer o trabalho de infoinclusão. Ainda temos alguns médicos considerados incapacitados para usar sistemas de informação - eu acredito muito pouco nisso - mas para os que têm dificuldades vamos ter este ano um projeto de formação muito agressiva para os que estiverem interessados nisso.
Esta passagem para o digital pode trazer alguns riscos. Reconhece que pode nalgumas circunstâncias dificultar a vida de algumas camadas da população, como idosos e utentes com poucos recursos financeiros ou essas questões estão salvaguardadas?
Neste momento as questões estão salvaguardadas no sentido em que a maior parte das transações de saúde não são obrigatoriamente digitais. Obviamente existe muito trabalho de infoinclusão a fazer até se poder fazer na saúde aquilo que se fez este ano com o IRS, tornar absolutamente obrigatório.
O cenário é diferente e o tipo de utilizador é diferente. Dito isto, recuso-me a aceitar que temos pessoas com 70 anos e que vão viver mais 15 e achar que elas já não devem ser informatizadas e que é só esperar e termos uma solução analógica em papel. 15 anos é demasiado tempo. Para ter uma ideia gastamos mais de 4 milhões em cartas de correio... se conseguirmos comunicar com metade da população por e-mail vamos poupar 2 milhões de euros em cartas de correio. Precisamos de poupar esse dinheiro para poder fazer outro tipo de investimentos mais interessantes.
2018/03/avd4_mais_de_4_milhoes_de_euros_gastos_em_cartas_no_sns_20180330134836
Em relação às questões de privacidade, os cidadãos podem ficar descansados? O que está a ser feito na área da cibersegurança?
Os cidadãos podem ficar descansados q.b. E não posso dizer outra coisa. Os serviços partilhados têm feito um trabalho interno grande de preparação não só das equipas técnicas mas também jurídicas e de informação... mas não podemos ficar tranquilos.
A questão da privacidade é uma matéria de todos. O ano passado fizemos uma grande conferência sobre cibersegurança, trouxemos a agência europeia de cibersegurança a Lisboa, tivemos mais de 500 pessoas em sala e 400 em live streaming, e conseguimos passar a mensagem de que a cibersegurança é uma matéria de todos.
A cibersegurança é uma boa prática, guardar password, utilizar bem o mail, não acreditar em mails a dizer que ganhamos a lotaria... isto tem de ser ensinado às pessoas. Temos de pensar que a privacidade das folhas de papel que davam às vezes na maca dos corredores dos hospitais era muito pouca. O digital tem outros desafios mas o papel também não é muito privado.
O que é a serviços partilhados está a fazer para garantir a proteção desses dados?
Temos já um conjunto de sistemas que auditamos e que revimos daquilo que sabíamos ser o regulamento geral da proteção de dados. Não temos ainda tudo feito - nenhuma entidade pode dizer que tem o trabalho acabado até porque há aspetos da regulamentação que ainda não são conhecidos.
Há uma área em que apostamos forte dentro da empresa que foi a revisão das notificações à comissão nacional de proteção de dados e a constituição dentro do departamento jurídico de uma unidade específica para proteção de dados, temos feitos muita formação aos técnicos mas sobretudo às pessoas que trabalham nos hospitais públicos, em que temos muita informação que não está à guarda dos serviços partilhados, que tem não mais de 10% daquilo que é informação da saúde dos portugueses no setor público. Grande parte dela está nos hospitais. Temos uma política de cibersegurança que está trabalhada com essas entidades e processos de auditoria que estamos a fazer aos hospitais.
Que avaliação é que faz da qualidade de gestão do SNS. o ministro das finanças sugeriu recentemente que poderá haver alguns casos de má gestão no SNS.
Não me cabe opinar sobre a prestação de gestão dos meus colegas de conselhos de administração dos hospitais público mas é importante pensarmos que não fácil gerir a saúde. E não é fácil por uma razão que importa sempre recordar: é porque, e sobretudo no mundo hospitalar, as pessoas têm doenças e as doenças são, por definição, incertas. Veja-se o caso do sarampo. Portanto o planeamento, que é um muito importante instrumento de gestão, é muito exigente e vais ver cada vez mais exigente porque as pessoas estão mais velhas, mais doentes, e é por isso que temos de apostar nas ferramentas digitais e partilha das boas práticas de gestão.
As ferramentas digitais ajudam-nos muito no benchmarking, fizemos um trabalho muito grande com este ministério na colocação de dados online para ajudar todas as entidades a gerir.
As dívidas aos fornecedores são um problema crónico na saúde. Em sua opinião trata-se de falta de financiamento ou má gestão?
Se as dívidas são má gestão... bom, se eu encomendei um bem deverei pagá-lo, o problema é se eu controlo a origem da encomenda. Os hospitais públicos nunca fecham as portas a ninguém. Trabalhei 6 anos numa urgência e nunca me lembro de ter tido um doente :"olhe este ano não podemos receber mais ninguém porque acabou o dinheiro". Esse é o grande desafio. Quando é que se gera a dívida? Quando se encomenda ou quando o SNS aceitar cuidar alguém que precisa de ser cuidado? Esse é o debate que tem de se ter - obviamente não comigo.