"Estamos a tratar da entrada de duas grandes redes de apoio ao empreendedorismo"

Jorge Amaral / Global Imagens
No encerramento da Web Summit, a secretária de Estado da Indústria, Ana Lehmann, fez um balanço da convenção e revelou que vão entrar em Portugal duas redes internacionais de apoio ao empreendedorismo
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Licenciada em Gestão, doutorada em economia e pós-doutorada em políticas públicas, Ana Lehmann tem feito carreira na academia. É professora na Universidade do Porto, especializou-se em Investimento Direto Estrangeiro e internacionalização de empresas, mas também em inovação, empreendedorismo e desenvolvimento de indústrias. Exerceu ainda funções nos órgãos sociais de várias entidades, fez consultoria para organizações internacionais, empresas e governos. Assumiu este ano a secretaria de Estado da Indústria.
Que balanço faz da Web Summit?
Foi uma edição deveras estimulante. Aliás, esta atmosfera que se respira, esta energia positiva, é fantástica. Teve imenso sucesso. No ano passado teve sucesso, mas neste adquiriu dimensões adicionais, quantitativas e qualitativas, estiveram aqui quase 60 mil participantes, milhares de empresas, 2500 jornalistas, 1500 investidores, só startups portuguesas tivemos uma delegação apreciável com 270, grandes grupos nacionais e internacionais, promovendo um espaço de convergência único do ponto de vista de captação de investimento, apresentação de produtos, serviços e inovação das nossas startups, e um conjunto também de eventos paralelos muito importantes, como o Venture Summit, em que tivemos 500 investidores de capital de risco, representando cem mil milhões de euros de capital. E ainda o evento Founders, a decorrer até este sábado, com fundadores de grandes empresas.
Que impacto a cimeira pode ter no tecido empresarial português?
Tem a vários níveis, dos grandes grupos, das startups, das PME. Vou dar exemplos do que fizemos: uma das prioridades das nossas políticas é fomentar ligações entre grandes grupos, nacionais e investidores internacionais com startups, nomeadamente na área fashion tech do retalho, e fizemos com a Farfetch uma apresentação de startups a essa empresa, que é o nosso unicórnio e é global. Também nas tecnologias ligadas à área financeira, as fintech, tivemos a atribuição de um prémio, em que um conjunto de startups portuguesas se apresentaram a uma entidade global aqui presente, ou seja, a um grande investidor internacional. E outra iniciativa levando ao stand da EDP um conjunto de startups de referência na área das energias renováveis, e trouxemos um grande investidor líder mundial na área das torres eólicas, que é dinamarquês e acabou de criar um grande centro de design em Portugal. Trouxemos o CEO e ainda uma grande investidora em capital de risco e empreendedora americana que apresentou uma estação solar num contentor, e fizemo-los convergir. Isto para dizer que este espaço de convergência da Web Summit permite o contacto entre empresas e vimos já intenções de transações.
Há negócios feitos à boleia da Web Summit?
É muito prematuro podermos avançar. Até mesmo da primeira edição o impacto só pode ser avaliado no médio prazo. Na indústria 4.0 levamos startups e grandes empresas a apresentar tecnologias nessa área. O que vi foi reuniões a acontecer, cartões a serem trocados e vi intenção de se fazerem negócios. Neste momento não é possível fazer esse balanço e ainda bem que não é possível porque são reuniões que estão a ocorrer e carecem, para crescer, de algum tempo. Do ponto de vista de avaliação de impacto quantitativo, a organização tem calculado o impacto do ano passado em 200 milhões de euros e neste em 300 milhões. Para mim, o mais importante é o impacto na imagem do país, um Portugal moderno e inovador que queremos promover e que hoje corresponde à realidade, capitalizando o nosso ecossistema vibrante de empreendedores, mas parte do ecossistema são também as grandes empresas, os grandes investidores internacionais e as grandes entidades de capital de risco. Sendo ainda prematuro fazer anúncio, estamos a tratar da entrada de duas grandes redes de apoio ao empreendedorismo e à escalabilidade das empresas, redes de referência internacional que congregam centenas de investidores em capital de risco. Tivemos reuniões, vêm para Portugal. Agora temos de montar, mas eu só gosto de anunciar as coisas quando elas estão mais maduras.
De onde vêm essas redes internacionais?
Uma vem de todo o mundo e a outra dos EUA, e Portugal será a base na Europa.
Está em marcha um fundo de 200 milhões de euros para empresas em fase de aceleração. As candidaturas para escolha da entidade gestora do fundo decorrem neste mês. Que resultados espera?
O 200M é um importantíssimo instrumento. Está a ser operacionalizado. Nesta fase, em meados de novembro acaba o prazo de candidaturas para a entidade gestora. Até ao final do ano queremos ter essa seleção realizada, porque há um júri independente e um processo transparente para a sua seleção. No primeiro trimestre de 2018 estaremos aptos a receber candidaturas através da entidade eleita para o efeito.
Quando é que o dinheiro chegará às empresas?
Em poucos meses.
Em 2018?
Na primeira metade de 2018.
Que impacto poderá ter?
O que é importante salientar é que há um fundo de coinvestimento em que metade das verbas vêm dos apoios disponibilizados por Portugal e metade é captação de investimento internacional, ou seja, de verbas provenientes de capital de risco internacional. E, mais do que os 200 milhões, o que está em causa é ser capital inteligente, ou seja, a entrada em Portugal de investidores de reconhecido mérito e experiência que poderão ajudar a alavancar a atividade das nossas startups no mundo global. O que nos preocupa agora é a questão de ganhar escala, de as nossas startups se afirmarem no mercado internacional. Naturalmente que preservamos o apoio a fases mais preliminares do ciclo de vida das startups, mas agora preocupa-nos a escalabilidade. Este fundo está já em marcha e estamos a desenhar novos instrumentos para esta fase mais robusta de expansão.
Já passámos a fase em que o capital era um problema em Portugal ou estamos longe disso?
O capital é sempre importante, mas importante também é o pacote de recursos e inteligência que vem com o capital. Neste momento já temos um vasto conjunto de apoios, desde o startup voucher ao vale de incubação para as fases preliminares, temos incentivos fiscais via programa Semente, recentemente implementado para apoiar quem investe nas startups. Temos o Startup Visa, anunciado há uns dias, que é um mecanismo de agilização de vistos de residência para empreendedores internacionais de fora da UE que queiram vir cá domiciliar-se, que vai facilitar a atividade e tornar mais cosmopolita o ecossistema. O 200M é para fases posteriores. E agora estamos a tratar da vinda de outras redes para apoiar. Neste momento já temos uma boa cobertura e para as fases seguintes também já estamos a fortalecer o sistema. Hoje Portugal é um case study muito interessante a esse nível.
Há projetos de qualidade suficiente para esse capital?
Trabalhamos nessa área, no fluxo de geração de novos projetos. É de referir a questão do capital de risco público, os chamados pequenos tickets, estamos a trabalhar também nisso. A Portugal Ventures vai lançar um fundo de dez milhões que visa apoiar essas fases preliminares. É um fundo já apresentado à comunicação social e atua numa fase mais preliminar do que o 200M. Estamos bem dotados, mas naturalmente queremos sempre mais, e é isso que estamos a falar aqui na Venture Summit, em que estamos a negociar com vários operadores de referência. Não é só questão de capital, é também a questão da experiência, que é muito importante para abrir mercados aos investidores e aos nossos empreendedores.
A burocracia, no entender de vários empresários, continua a ser um grande entrave. O que é que falta melhorar neste aspeto?
No âmbito das startups não creio que a burocracia seja citada como um entrave. Do ponto de vista da entrada de investidores estrangeiros estamos a fazer o nosso trabalho. O Startup Visa é uma importante medida de agilização. Hoje é facílimo criar uma empresa. Estamos a trabalhar noutras medidas, como no Espaço Empresa, para que os empreendedores nacionais e estrangeiros tenham a possibilidade de ter um espaço que lhes dê um conjunto de informações em português e inglês.
Na crise, com o aumento do desemprego, surgiu uma vaga empreendedora, mas agora que o desemprego volta a níveis de 2008 o ímpeto é mais fraco?
Não sinto isso, porque também a função do empreendedor tem uma legitimação social muito mais forte. O que vejo nas novas gerações é maior apetência para o empreendedorismo. É positivo ver que há muitas oportunidades de emprego altamente qualificado e muito bem remunerado para os jovens também para atrair profissionais do exterior, como engenheiros de Londres, como já está a acontecer. Há mais jovens a sair das universidades e a quererem ser empreendedores, e é muito interessante ver que há muitos dos nossos empreendedores que já estão a entrar no capital de risco e a estimular outros para serem empreendedores.
A indústria 4.0 está aí, com a integração digital das diferentes fases de produção, o que pode permitir poupanças às empresas. Já há uma evolução palpável da indústria 4.0?
A indústria 4.0 é um dos grandes eixos das nossas políticas porque a Secretaria de Estado da Indústria não se dedica só aos empreendedores e às startups, mas dedica-se a toda a indústria. Gosto de dizer que o nosso grande mote é a indústria de futuro. Como já disse, a indústria é sexy. A 4.0 convoca os grandes grupos, as PME e as startups. Há um movimento grande de digitalização da economia e temos contactos com os clusters e as associações. Na Web Summit realizámos iniciativas relacionadas com a indústria 4.0, com referências como a Siemens, com a qual fizemos um fórum.
Até onde esta política 4.0 nos pode levar em cinco anos?
Daqui a cinco anos queremos que o máximo de empresas estejam digitalizadas, tenham uma presença externa através de sites qualificados, tenham a integração do processo produtivo integrando os ativos tangíveis com todo o software que isso congrega com a questão da conectividade, que é a grande questão do mundo global. Podemos ter uma empresa que não tem lojas no exterior mas que está conectada. Outro aspeto a referir é o programa Interface, que liga centros de conhecimento, universidades, empresas de toda a dimensão e que está presente na criação de tecnologias, plataformas, clubes de fornecedores, marketplaces. Interessa-nos toda a cadeia do valor, do design, à integração da produção com mecanismos próprios de digitalização, da internacionalização e das vendas através de plataformas...
E em que ponto é que estamos na indústria 4.0?
Até 2020 teremos cerca de 4,5 mil milhões de euros lançados através de vários concursos. Estamos ainda no início do processo, nos próximos dois anos esperamos concretizar muitas dessas medidas. Há vários exemplos, só a indústria do calçado tem mais de 200 projetos. Neste momento não é possível ainda quantificar.
As indústrias tradicionais esperam manter máximos históricos de exportações neste ano, com destaque para a metalurgia e a metalomecânica. Até agosto tem um aumento de cerca de 12%. É momentâneo, à boleia de países como a Alemanha, ou há condições para manter este nível de crescimento a dois dígitos?
Tenho esperança de que seja duradouro. Estamos a falar de têxtil, calçado, metalomecânica, por exemplo, com máximos históricos de produção e exportação neste ano e eu creio que é sustentado. Estas indústrias sofreram com a crise e estão a ter uma retoma impressionante. Vejo essas indústrias mais robustas, a crescer, e um apoio coletivo cada vez mais relevante, vejo as lideranças a rejuvenescer e a adotar tecnologias modernas. Outro dos meus grandes motes é inovação na tradição. Temos de ter muito orgulho dos setores ditos tradicionais. Eu prefiro dizer que há indústria orgulhosa da sua tradição porque tem motivos para ter orgulho.
O que é que as empresas tradicionais podem aprender com as startups?
Muito. Aliás uma das minhas próximas iniciativas é fazer um conjunto de visitas a startups em setores ditos tradicionais.
Há uns anos era detetado um forte problema de ligação entre universidades e empresas. Considera que hoje esse problema é mais esbatido ou ainda continua a ser uma forte dificuldade?
Há uma evolução positiva, mas há sempre mais e melhor a fazer. Na última década, temos cada vez mais universidades e institutos de interface que se relacionam com as empresas e a gerar grandes negócios. Mesmo nos casos das próprias escolas de negócios, e não são só as faculdades de engenharia, em que metade das receitas são próprias e já não dependem do Orçamento do Estado, há cada vez mais abertura e isso vai intensificar-se. Há uma área que considero muito promissora em Portugal, a biotecnologia e ciências da vida e saúde são uma grande oportunidade.
Como é que vê o papel das mulheres, até a propósito do movimento Women in Tech, em tudo isto a que se está a referir: capacidade de inovação, empreendedorismo, ecossistema das startups?
Está a aumentar o peso das mulheres na tecnologia e há várias redes. Mas de facto temos ainda muito trabalho a fazer a esse nível porque até aqui nas Engenharias havia muito menos procura por mulheres, mas essa presença está a aumentar. Há uma área importantíssima que é a das ciências da vida, e nessa quase todas as fundadoras de startups são mulheres. Essa é uma grande área de desenvolvimento para o nosso país e neste ano vi uma abertura como nunca tinha visto para estes temas. Há uma grande excelência do ponto de vista científico e cada vez mais aplicada em ganhar mais relevância. Vejo um futuro brilhante e cada vez mais diversificado. Vamos também continuar com os temas do software e da cibersegurança. Vejo um futuro muito positivo nas fintech, nas ciências da vida, no agroindustrial e nas indústrias orgulhosas da sua tradição e que representam grande parte da nossa produção, das nossas exportações e que também elas próprias geram muito dinamismo empreendedor.