A afirmação é de António Comprido, secretário-geral da EPCOL. À TSF, considera que falta definir uma estratégia europeia e (consequentemente) nacional para uma melhor resposta ao instável contexto geopolítico, agravado pelas tarifas dos EUA, e para manter segurança no abastecimento
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Garantir a segurança do abastecimento e que não faltem combustíveis no dia a dia dos portugueses é a atual prioridade, na leitura de António Comprido, secretário-geral da EPCOL (antiga APETRO), associação que representa as empresas petrolíferas em Portugal. Em entrevista à TSF, adianta que falta definir uma estratégia nacional e europeia para a fileira dos combustíveis, tendo em conta o atual contexto internacional, agravado pela política das tarifas norte-americanas que acaba por trazer mais imprevisibilidade aos mercados.
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Afirma mesmo: “Somos fornecedores de uma parte significativa da energia que é consumida, 95% é particularmente nos transportes e esse é o aspeto mais importante. Depois, obviamente, vem também a questão do preço que os consumidores podem pagar e, aí, as coisas não estão totalmente nas nossas mãos, ou estão muito pouco nas nossas mãos, porque dependem funcionalmente dos mercados internacionais, por um lado, e depende da carga fiscal por outro, que é matéria da responsabilidade dos governos. Neste momento, esse é o principal problema do sector: a segurança do abastecimento. Mas, depois, há um segundo, que nos preocupa bastante, relacionado com a ausência de uma estratégia europeia e nacional exatamente para a cadeia dos combustíveis. Podemos pensar que o futuro está na eletrificação, mas ainda há larguíssimos milhões de veículos ligeiros, pesados, de mercadorias e passageiros que andam a circular nas estradas e que dependem dos nossos combustíveis e toda a infraestrutura que está agarrada. Mesmo que se caminhe nesse sentido, vai demorar algumas décadas a implementar a 100% e, na nossa opinião, nunca será total. Logo, esse aspeto leva-nos a pensar que a Europa, nomeadamente a Comissão Europeia, e por reflexo o Governo português — porque Portugal acaba por ser aplicador de muitas das decisões tomadas em Bruxelas — não tem dado a devida atenção a este sector e, por isso, também concordamos que só o desenvolvimento de uma estratégia, a nível europeu e nacional, garante que há a previsibilidade necessária para que se façam os investimentos que garantam a tal segurança do abastecimento.”
O clima criado com a guerra dos 12 dias — que envolveu ataques dos EUA, Irão e Israel — pouco impacto teve no abastecimento, mais no preço do petróleo, que, mesmo assim, não chegou a bater nos máximos dos 100 dólares o barril nos mercados internacionais. António Comprido considera natural o nervosismo dos mercados, mas, para amortização de eventuais futuras escaladas de preço dos combustíveis, não vê outra solução que não seja a que foi usada no passado para mitigar o impacto da pandemia e que passou pela medida excecional de reduzir tributação do Estado no ISP (Imposto sobre o Petróleo). E deixa uma mensagem de "tranquilidade" aos portugueses: hoje os preços estão mais baixos do que há um ano, apesar do "susto" do mês passado.
Quanto à produção de biocombustíveis, considera que a indústria portuguesa está a fazer avanços ao nível não só do biocombustível, como da transformação de hidrogénio verde e mesmo meios alternativos de produção de energia, desde as ondas até ao eólico ou o solar fotovoltaico, e dá o exemplo da refinaria da Galp, esperando que a partir de 2026 já se possa abastecer a aviação com combustível mais sustentável a partir de Portugal.
Refere igualmente: “A indústria está a evoluir progressivamente e já tem muita coisa feita, mas que nem sempre é visível. Nós continuamos a chegar à bomba e a pôr um líquido dentro do carro, mas esse líquido não é o mesmo que era há cinco, dez ou 15 anos. Hoje já tem uma componente de energia renovável significativa, através da incorporação de biocombustíveis. Até já há biocombustíveis em estado puro. Isto é, que não têm nenhuma origem de matéria-prima fóssil, como no caso do B-100, do biodiesel-100, ou como é o caso do HVO, usado basicamente para transportes pesados."
Recorda que o país está a importar mais combustível do Brasil e de África (nomeadamente da Argélia, da Nigéria e até de Angola) do que de outras partes do mundo em conflito, ao todo mais 9,2 mil toneladas em bruto há 2 anos, boa parte para reutilizar em produção de combustíveis e lubrificantes e apenas 8% usada para outros fins, como indústria química dos plásticos, mas a maior parte é reutilizada para exportar a partir da refinaria da Galp em Sines, sem dizer quais os clientes ou destinos desses produtos. Limita-se a dizer que "a refinaria de Sines faz um co-processamento de gasóleo. Junta matérias que resultam de resíduos animais, de gorduras e outro tipo de resíduos, processados com o crude, para resultar em produtos petrolíferos mais sustentáveis e esse é um caminho a seguir rumo à economia circular".
Questionado sobre o abandono da prospeção de petróleo e gás natural ao largo da costa portuguesa e em território continental, considera isso "um disparate, uma decisão meramente política sem sentido", uma vez que não é autossuficiente, e garante que houve vários estudos que comprovaram a existência dessas matérias-primas no subsolo de território nacional. Dá exemplos: "A Noruega, apontada por todos como o país campeão da descarbonização, financia esses planos com a exploração do gás e do petróleo e continua a fazê-lo. Continua a abrir novas portas de prospeção porque gera cash flow, gera o dinheiro necessário para investir noutras coisas, e Portugal abandonou essa possibilidade (...) criou-se a ideia de que se iam estragar as praias."
Outro dossiê por resolver é a questão da fiscalização e legislação para infratores na chamada guerra de preços dos combustíveis. Depois de várias investigações realizadas nos últimos anos em Portugal, Itália e Espanha sobre incumprimento legal de regras fiscais e preços praticados no consumidor, António Comprido sublinha que mais do que fiscalização deve haver legislação que penalize infratores e proteja os restantes operadores que cumprem regras de mercado. Assume que já sensibilizou a tutela e o secretário de Estado da Energia para a resolução do problema, porque com anteriores governos foi criado um grupo de trabalho que produziu um relatório com recomendações que ficaram na gaveta.
Constata: "Infelizmente, é uma prática corrente. Existem empresas menos escrupulosas ou empresários menos escrupulosos instalados não só em Portugal. Houve um combate feroz feito pelas autoridades italianas, conseguiram reduzir drasticamente essa prática. Agora, Espanha está também a implementar medidas legislativas e Portugal está um bocadinho atrasado. Felizmente, com o atual secretário de Estado de Energia, já o conseguimos sensibilizar."
"Nós não somos contra a concorrência: quanto mais concorrência houver, melhor. No fundo, o consumidor é que é beneficiado com isso. Agora, tem de ser concorrência leal, todos têm de cumprir as regras do jogo e, infelizmente, isso é um dossiê dos mais importantes que ainda temos entre as mãos (…) Há, efetivamente, lacunas na nossa legislação que levam a que esses senhores explorem essas mesmas lacunas e continuem a perpetuar o seu negócio. Não se percebe que, por exemplo, uma empresa ao fim do não cumprimento reiterado de uma certa obrigação não lhe seja, principalmente, retirada a licença e não possa operar mais neste país", prossegue.
Sobre o futuro mais próximo além da segurança do abastecimento, até pela nova aposta europeia na Defesa, espera celeridade de Portugal na transposição de duas diretivas europeias "extremamente importantes" em atraso por causa das eleições e que vão permitir estabelecer objetivos e metas para renováveis (RED3) e estender o atual sistema europeu de licenças de emissões (ETS 2) aos sectores dos edifícios e dos transportes, porque impactam no sector dos combustíveis.
