O presidente do BPI acredita que o Governo chega a 2015 e considera «positivo» que isso aconteça. Fernando Ulrich explica que o «aguenta aguenta» não foi um apelo a mais austeridade.
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O presidente do BPI - um dos três bancos resgatados pelo Estado para satisfazer as exigências da Agência Bancária Europeia - não gosta de falar de política. «Não sou um comentador político», sublinhou por diversas vezes na entrevista que deu à TSF e Dinheiro Vivo, não escondendo a irritação provocada por perguntas sobre o Governo, o Presidente da República e o nível de austeridade.
Mas não deixou passar a ocasião para defender a posição assumida há meses, quando disse uma frase que se tornou famosa: questionado sobre a possibilidade do país aguentar a austeridade, disse «ai aguenta, aguenta». Ulrich explica-se mais uma vez, afirmando que nunca defendeu «níveis de austeridade, mais ou menos elevados», e que quis apenas «chamar a atenção que o nível de austeridade depende do comportamento da economia e da vontade dos credores. É uma chamada de atenção que se mantém».
O presidente do BPI considera «perigoso» que se «coloque nas pessoas a noção de que é porque se quer ou não se quer austeridade que a austeridade é maior ou menor. Não, não tem a ver com a vontade ou o gosto pela austeridade. Tem é a ver com a realidade da economia. Foi nesse quadro que disse isso e chamando a atenção de que a resposta fundamental que temos de dar é a de conseguir pôr a economia a crescer».
À pergunta «o país aguenta ou não esta austeridade ou mais austeridade?», Fernando Ulrich responde com uma crítica, dizendo que a questão «não tem sentido» e explica mais uma vez o contexto da frase agora conhecida de todos os portugueses: «naquela ocasião respondi porque alguém antes de mim fez essa pergunta e fazia sentido naquele debate. O que é que essa pergunta quer dizer? Basta andar na rua para verificar que há pessoas que vivem muito pior do que você ou do que eu e aguentam, portanto se essas pessoas aguentam você também aguentaria e eu também.»
Governo chega ao final da legislatura. Austeridade vs crescimento? «Estamos todos a dizer a mesma coisa»
O presidente do BPI, admirador de Cavaco Silva, considera que «a atual maioria vai cumprir a legislatura e o mandato que tem na Assembleia da República. É esse o meu quadro de raciocínio, o cenário com o qual trabalho. Sinceramente, não vejo como possa não ser assim». E vai mais longe: «E considero positivo que assim seja».
Para Fernando Ulrich, o discurso do Presidente da República, que na mensagem de Ano Novo disse que o país tinha de «pôr cobro a uma espiral recessiva que leva ao encerramento de empresas e ao agravamento do desemprego» não é contraditório com a política de austeridade: «não existe nenhuma contradição entre a política do Governo e as afirmações do presidente da república tal como não existe entre essas afirmações e aquilo que eu disse. Estamos todos a dizer a mesma coisa: tendo deixado chegar o ao estado que chegou, com a impossibilidade de se financiar, não havia alternativa senão pôr a casa em ordem. E pôr a casa em ordem era e é uma condição necessária mas não suficiente para permitir o crescimento económico que há-de melhorar as condições de vida de todos».
«Ponto de viragem no financiamento»
O crescimento económico há-de surgir, mas Ulrich não sabe quando: «a realidade é dinâmica e as coisas vão acontecendo todos os dias. O aumento do custo do crédito foi um dos fatores que afetou mais negativamente as empresas portuguesas nos últimos anos. Agora estamos a entrar num processo de inversão. Não vai ser de hoje para amanhã mas estamos num momento de viragem em que as situações de financiamento da economia vão melhorar e isso vai beneficiar todas as empresas. Só isso pode ter um impacto muito maior do que dezenas de reformas e decretos-lei».
Contexto internacional «muito mais favorável»
O desenvolvimento económico, acredita Fernando Ulrich, «está nas mãos dos empresários saberem aproveitar um contexto mais favorável hoje do que há seis meses ou um ano. O presidente do BPI lembra que «há um ano discutia-se se o euro continuava ou não, se Portugal ou a Itália se aguentavam no euro... isso desapareceu. Nunca mais ninguém colocou essas questões. Temos um enquadramento europeu muito mais favorável. Foram tomadas decisões importantíssimas, no que toca à União Bancária e as atitudes e medidas do BCE foram fundamentais».
Fernando Ulrich considera que os empresários vão saber aproveitar este contexto em que «começa a ser plausível uma recuperação do investimento na economia portuguesa». Mas não sabe quando: «não sei dizer se é amanhã, se é para a semana ou daqui a seis meses ou no final do ano. Isso vai resultar de milhares de decisões de milhares de empresários».
O presidente do BPI explicou ainda que a taxa de juro de 8,5% cobrada aos bancos pelas ajudas do Estado com vista à recapitalização ordenada pela Agência Bancária Europeia [o BPI precisou de 1500 milhões de euros, dos quais já amortizou 300 e anunciou o reembolso de outros 200] são altas, mas «compreende o racional dessas taxas», estando antes «mais preocupado com a desatualização do cálculo das necessidades de capital feitos pela EBA em 2011». Se esses cálculos fossem feitos hoje, explica Fernando Ulrich, o BPI «precisaria apenas de 500 milhões». Os bancos portugueses querem convencer a EBA a rever esses cálculos.