Ferreira Leite critica descida das propinas e fala em "Orçamento pouco transparente"
No dia em que o Orçamento do Estado para 2019 foi aprovado na generalidade, Manuela Ferreira Leite e Francisco Louçã analisaram o documento e as propostas do governo, no programa Pares da República, e explicaram os pontos positivos e negativos.
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Manuela Ferreira Leite discorda "completamente" de uma das propostas que mereceram maior destaque neste Orçamento do Estado, a descida do valor das propinas das universidades. "Acho que os alunos precisam de ser ajudados, e as famílias, [com apoios] feitos através da ação social", esclareceu a antiga ministra das Finanças, ressalvando que "a ação social é que tem e deve ser reforçada" e não se deve mexer nas receitas das universidades.
"O corte deste valor só vai ter como absoluta necessidade o reforço do orçamento das universidades ou então uma degradação muito grande na vida universitária, nomeadamente no que respeita à investigação", acrescentou, referindo-se à medida como "escusada".
Num documento que "tem aspetos positivos e negativos", a antiga presidente do PSD realça a preocupação de o governo "manter o Orçamento dentro das regras orçamentais europeias".
No entanto, Ferreira Leite salvaguarda que "existe um conjunto de elementos que podem ter influência sobre o crescimento económico e acho que o modelo sobre o qual assenta o desenho do Orçamento supõe que há folgas resultantes desse crescimento económico". Tendo em conta que o crescimento económico "não depende totalmente do Governo é um Orçamento de risco", pelo que que "há riscos em que muitas destas coisas não se verifiquem".
O défice de 0,2% que devia ser mais elevado
Sobre o défice de 0,2% anunciado pelo governo, Ferreira Leite e Francisco Louçã têm visões idênticas. A antiga líder do PSD acredita que "o grande problema deste Orçamento é que o ministro das Finanças está realmente totalmente focado na questão do défice". "Fez um Orçamento para ter aquele défice e não a pensar noutros aspetos que podem ser importantes para além do défice", reitera.
Questionada sobre se o défice devia ser mais elevado, Ferreira Leite não hesitou. "Acho absolutamente essencial [que défice fosse mais elevado], acho que não é aceitável que em nome de um valor que já é bom e que significa equilíbrio das contas públicas e que é aceite e mais do que aquilo que é exigido pelos acordos com a Europa, acho que é exigível que isso não seja para pôr em causa aspetos basilares do bem-estar das populações".
Já Francisco Louçã acredita que o Orçamento tem duas qualidades, a "continuidade" e o facto de trazer "alguma consolidação orçamental". Porém, sublinha que o documento "tinha forma legal e boas razões económicas para ser um pouco mais expansivo". "Era boa consolidação orçamental antecipar despesa que já está atrasada, mas que se for feita depois é feita em condições piores de custo para o Estado", explicou o economista.
"Para o Governo é muito importante politicamente, e para Mário Centeno, que o défice seja 0 no próximo ano. 0,2 é o objetivo cuidadoso de Mário Centeno para chegar ao seu objetivo político que é 0 e que tem um enorme valor simbólico", referiu Francisco Louçã. "A preocupação do Governo com os 0,2, 0,1, ou 0 compreenderia se neste momento os juros de emissão de dívida fossem muito elevados, acontece que são extraordinariamente baixos, até a curto prazo são negativos", reforçou.
Neste sentido, o professor salienta que "era vantajoso o Governo aproveitar o período dos juros negativos que não vai demorar sempre para ter a folga de investimento infraestrutural que daqui a uns anos vai ser muito mais caro", alertando por diversas vezes para a necessidade de aproveitar os juros negativos.
Os 590 milhões que levaram a um alerta da UTAO
Ainda sobre o défice, mas sobre a posição da UTAO que revelou que a tendo em conta a despesa que está prevista nos mapas do orçamento entregue no Parlamento e, caso se viesse a concretizar, o défice seria de 0,5% em vez dos 0,2% previstos pelo governo. Em causa estão 590 milhões de euros.
"Isto era absolutamente escusado e torna efetivamente o orçamento pouco transparente", disse a social-democrata, reforçando que acha "inaceitável do ponto de vista dos deputados que não podem estar a votar algo que não sabem o que é nem para o que é", com dois objetivos: "alcançar um défice que não se quer de forma nenhuma abdicar dele e não fazer orçamentos retificativos".
"Sempre defendi que orçamento retificativo é um belíssimo instrumento de gestão orçamental, porque significa que se pode ir aproveitando folgas de um lado e falhas do outro", recordou a antiga ministra das Finanças, acrescentando que "o Orçamento e a discussão do Orçamento vai pecar e fica sinalizada e marcada por um ato que é verdadeiramente pouco transparente".
A "armadilha" da descida do ISP na gasolina
No programa da TSF, Francisco Louçã salientou ainda que no primeiro dia do debate foi anunciada uma "daquelas pequenas armadilhas do debate parlamentar", referindo-se à descida de "3 cêntimos a taxa sobre o ISP para repor ao nível anterior o imposto que é cobrado sobre a gasolina".
"Na verdade o Governo sabe que pode fazer isso porque a receita vai aumentar na medida em que os preços dos combustíveis estão a aumentar nos mercados internacionais. É uma redução do imposto, sendo que a receita total vai ser mantida", alertou o economista.
Portugal "não está preparado para choque externo"
E no que toca a um futuro ou a uma possível crise, Ferreira Leite foi perentória: "Acho que Portugal não está preparado para enfrentar um choque externo, acho também que não é só um problema de serviços públicos, é de serviços públicos e empresas. No Orçamento praticamente não se vê nada que melhore a competitividade das empresas, e os choques externos têm efeitos maléficos evidentemente das populações, por via da prestação de serviços públicos, mas também as empresas".