Fisco sem plano para controlar rendas ilegais com dados de contratos da luz e água
A Inspeção-Geral de Finanças sugere que o fisco crie um plano de ação integrado para o controlo de arrendamentos sem o respetivo contrato registado
Corpo do artigo
A Autoridade Tributária e Aduaneira não tem um plano abrangente de controlo do arrendamento ilegal que integre as denúncias e a informação sobre os contratos de água e energia que as empresas fornecedoras estão obrigadas a enviar-lhe.
Esta é uma das conclusões de uma auditoria de desempenho ao controlo tributário no âmbito do arrendamento imobiliário, realizada pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF) em 2023, cujos resultados vêm publicados no relatório do combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiros de 2023 - produzido pela AT e agora divulgado.
Segundo a legislação em vigor, as empresas fornecedoras de água, energia e telecomunicações têm de comunicar à AT, até ao dia 15 de abril, 15 de julho, 15 de outubro e 15 de janeiro, os contratos celebrados com os respetivos clientes, bem como alterações que se tenham verificado no trimestre anterior.
Esta comunicação é feita através do chamado Modelo 2 do IMI, com a IGF a constatar a ausência de um plano por parte da AT que integre a informação constante neste Modelo 2 com as denúncias de arrendamentos não declarados.
Esta informação "não tem sido utilizada, de forma consistente, para efeitos de controlo, apesar da sua utilidade na análise de risco de evasão fiscal", conclui a auditoria, com a IGF a referir que tal ficou demonstrado pelo resultados obtidos nas amostras constituídas com base nessa informação e nas quais 60% dos contratantes arrendatários não tinha contrato de arrendamento registado/vigente e 25% dos contratantes proprietários, com contratos de fornecimento para várias casas, não tinha atividade declarada.
A IGF diz ainda que a AT não conhece o universo de denúncias recebidas e não dispõe de uma aplicação que simplifique o processo de comunicação e "assegure a sua gestão eficiente, desmaterializada e centralizada".
Perante esta situação, a IGF sugere que o fisco crie um plano de ação integrado para o controlo de arrendamentos sem o respetivo contrato registado e maximize a utilização dos dados que lhe chegam através do Modelo 2, nomeadamente que analise as situações de risco identificados, como a existência de proprietários com contratos de fornecimento daquele tipo de serviços para várias casas sem ter atividade declarada ou arrendatários que contrataram aqueles serviços, mas em relação aos quais não existe registo de contrato de arrendamento.
Questionado pela TSF, o presidente da Associação Nacional de Proprietários não acredita que o Estado não tenha essa informação.
"Eu não acredito que haja uma falha no controlo dos arrendamentos, porque a atividade de arrendar casas é completamente controlada e de forma legal. Os contratos são registados e os impostos são pagos. Penso que o que se está a falar agora é numa hipótese de fuga ao fisco. Haver uma fuga ao fisco em relação ao contrato de arrendamento - a existir e é natural que exista alguma coisa - estou convencidíssimo que é perfeitamente residual, porque a esmagadora maioria dos senhorios são extremamente cumpridores e fazem tudo isso", explica à TSF António Frias Marques.
O presidente da Associação Nacional de Proprietários desconhece a norma que obriga as empresas que fornecem água, luz e telecomunicações a comunicarem dados dos contratos ao fisco.
"Em relação à comunicação de contratos de fornecimento de eletricidade, água e telecomunicações, a única obrigatoriedade que nós temos conhecimento é em relação aos fogos habitacionais que se encontram devolutos. É uma informação prestada não ao Estado central, neste caso a Autoridade Tributária, mas sim às autarquias e às câmaras municipais, para elas poderem depois fazer refletir sobre esses locais que se encontram devolutos o IMI", afirma, exemplificando que "uma casa que pagaria 200 euros, neste momento, milhares de proprietários vão pagar 2000 euros por uma casa vazia".
Gonçalo Rodrigues, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, não se surpreende com o facto de a informação divulgada pelas empresas de água, luz e telecomunicações não ser utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
"A Autoridade Tributária e Aduaneira recebe muitos dados que, grosso modo, são conhecidos como os big data. Portanto, um volume muito grande de dados que depois têm de ser tratados. Tem de haver pessoas, embora possa haver ajuda naturalmente das máquinas, para tratar os dados analisar e fazer cruzamentos de dados. Ou seja, se não houver mão de obra humana, esse trabalho não é feito. Portanto, não me surpreende minimamente que exista um volume de dados que não são tratados. A AT tem falta de recursos humanos e tem falta de recursos materiais. Nós temos alguns computadores a funcionar que têm 15 anos, algumas pessoas não têm computador, outros têm de trabalhar com os computadores pessoais. Portanto, há uma série de dificuldades na AT que pode justificar [esta situação], porque não serão só esses dados que não são tratados", sublinha.
Outra auditoria da IGF à AT, realizada em 2023 e referida neste relatório, focou-se nos benefícios fiscais ao investimento, área onde os dados indicam que está a crescer o número de contribuintes que deduz mais do que um benefício, o que dificulta o controlo.
Além da diversidade, do número e da complexidade de formas de determinação e regras de utilização, a AT não dispõe de estratégia de análise de risco e de metodologias para o controlo integrado destes benefícios, é referido.
O relatório anual do combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiros tem de ser enviado pelo Governo ao parlamento até ao final de junho do ano seguinte a que diz respeito, tendo o documento de incluir os resultados alcançados, nomeadamente no que diz respeito ao valor das liquidações adicionais realizadas e ao valor recuperado nos diversos impostos.
Notícia atualizada às 11h05
