O FMI avisa que o Tribunal Constitucional é o principal risco para a execução do memorando de entendimento com a troika. O Fundo diz também que os salários mais baixos ainda são muito altos.
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Trinta e nove. É este o número de vezes que a palavra "Constitucional" surge no relatório da oitava e nona avaliações do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF).
Nunca o FMI mencionou tantas vezes o palácio Ratton. Neste documento a profusão de referências ao palácio Ratton serve para dizer sempre o mesmo: que existem riscos para a concretização do resto do programa, e que esses riscos vêm sobretudo da possibilidade de algumas medidas do Orçamento serem chumbadas.
O Fundo escreve que a crise política do Verão, que impediu uma emissão de dívida, não pode repetir-se, apela à coesão política, e diz que o Governo terá de encontrar alternativas caso o Orçamento não passe no crivo do Tribunal Constitucional.
Alternativas ao OE podem ser prejudiciais ao crescimento e emprego
Quanto ao programa propriamente dito, o fundo diz que depois dos anteriores chumbos do constitucional, a margem de manobra no programa é reduzida, e, por isso, a instituição liderada por Christine Lagarde assegura que se o palácio Ratton optar pela via do chumbo, a tarefa do governo será muito difícil, e que as medidas alternativas poderão ser de qualidade inferior, aumentando os riscos para a recuperação económica e do emprego.
Uma expressão confirmada pelo chefe da missão do FMI para o resgate português. Em conferência de imprensa telefónica a partir de Washington com jornalistas portugueses, Subir Lall explicou que «se tivermos de encontrar outras medidas teremos de as discutir... mas o que nos preocupa é que essas serão menos vantajosas para a recuperação económica incipiente da economia e do emprego que prevemos»
Ainda assim, Subir Lall garante que, apesar de acreditar que se o Constitucional chumbar o Orçamento, não haverá outra solução senão encontrar medidas alternativas, não discutiu um "plano B" com o Governo e que as medidas que estão no Orçamento são «as melhores medidas nestas circunstâncias. O objetivo é tornar a dívida sustentável. Se tivermos de encontrar outras medidas teremos de as discutir, mas o que nos preocupa é que essas serão menos vantajosas para a recuperação económica incipiente da economia e do emprego que prevemos».
Os homens de Washington dizem que o programa não pode descarrilar, porque o comboio do resgate é o único que pode levar Portugal de novo aos mercados. Os 4 % de défice que estão no programa são, acredita o fundo, atingíveis (Constituem um objetivo que o governo inicialmente queria ver revisto, mas que o FMI não deixou).
O Fundo Monetário Internacional avisa ainda que a austeridade vai continuar pelo menos até 2015, ainda que possa ser menor que a deste ano O FMI faz as contas: diz que são 1700 milhões de euros adicionais de medidas duras nesse ano, e sublinha que estes números partem do princípio que as medidas permanentes de corte na despesa são isso mesmo: permanentes.
Na lista de preocupações do FMI estão os atrasos nos pagamentos, sobretudo na área da saúde, e a fuga ao fisco.
Regresso aos mercados
Mais: o FMI admite que essa incerteza, juntamente com a crise política do Verão, estreitou o caminho do regresso aos mercados a meio do próximo ano; um regresso que, não sendo impossível se tornou mais difícil. E, por isso, diz que a Europa tem de estar preparada para emprestar a Portugal uma bengala que ajude o país a percorrer esse caminho. A operação do Banco Central Europeu para compra de dívida no mercado secundário (OMT) é parte fundamental desse apoio - e só é viável, embora o FMI não o deixe expresso no relatório, depois do país conseguir aceder ao mercado de dívida.
Neste relatório não se fala em tetos da taxa da dívida que tornem sustentável esse regresso, como fez o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas, a propósito de alterações contabilísticas que vão ocorrer na Europa e que podem alterar os rácios da dívida sobre o PIB, o FMI sublinha que o governo tem de ter uma estratégia de comunicação clara.
Quando questionado sobre as polémicas declarações de Rui Machete, que fixou o teto de 4,5% nas taxas da dívida a 10 anos no mercado secundário para que Portugal consiga regressar aos mercados e evite um segundo resgate, Sobre esse tema, Subir Lall usa a mesma expressão que Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque: «não há números mágicos nas taxas. O financiamento nos mercados implica que a taxa tem de ser sustentável e que tem de se conseguir acesso aos mercados de forma prolongada. Isto depende de vários fatores, incluindo o crescimento económico, que determina o ritmo ao qual o estado consegue fazer empréstimos de forma sustentada».
Salários
O FMI reconhece que o governo colocou em marcha uma enorme quantidade de reformas mas sublinha que ainda assim essa agenda pode não ser suficientemente ambiciosa, sobretudo no que diz respeito aos salários. Os ordenados dos trabalhadores menos qualificados ainda são, diz o fundo, muito altos.
Ainda assim o FMI também deixa alguns elogios ao desempenho, melhor do que o esperado, da economia portuguesa no primeiro semestre de 2013.