Habitação: “É difícil aceitar que os mais velhos não tenham os mesmos incentivos que os jovens”
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Critico da carga fiscal sobre o sector, defende para os reformados, os mesmos incentivos anunciados pelo governo para os jovens até aos 35 anos na compra de primeira habitação, como a isenção de IMT e defende mesmo que o governo deve repensar a tributação das mais-valias no sector.
Mostra apreensão com a lentidão de execução das medidas anunciadas pelo governo para haver mais casas no mercado a preços acessíveis, como a agilização dos licenciamentos de obra, ou a descida do IVA da Construção para os 6% e adianta que o sector da construção precisa de 80 mil trabalhadores para cumprir prazos previstos no PRR para construção de 26 mil habitações e é preciso recorrer à imigração.
Quanto ao mercado de arrendamento, não defende para Lisboa, a solução encontrada por Barcelona de proibir mais licenças para Alojamento Local e obrigar os proprietários a colocar as casas no mercado para habitação própria.
Considera ainda que não foi atrativa a criação da Plataforma do Arrendamento Acessível e afirma que isso mesmo, que os dados revelam que a procura foi incipiente e indica que as pessoas não confiam no Estado.
Apesar da falta transversal de oferta e da tendência de subida de rendas, também é previsível que o investimento continue a aumentar, em especial, estrangeiro.
O ano de 2024 começou com uma ligeira retração do mercado no 1.º semestre, mas acredita que vai haver valorização do imobiliário no resto do ano, em especial fora das grandes cidades, onde os preços estavam baixos e a procura aumentou nos últimos tempos.
Tiveram a vossa convenção esta semana, numa altura em que a APEMIP abriu-se, digamos, aos agentes imobiliários independentes e não só empresas. Qual tem sido a adesão dos profissionais do setor? Este setor da atividade precisa de maior profissionalização?
Esta alteração é recente. Ela deriva de um programa dos atuais órgãos sociais e necessitou de uma alteração estatutária, que foi realizada no mês passado, portanto, é uma mudança muito significativa e, de facto, hoje a APEMIP está aberta enquanto associação aos agentes imobiliários. A APEMIP, na sua génese, à semelhança de muitas associações, foi criada como uma associação patronal, uma associação empresarial, numa altura em que se pensava em haver órgãos que representavam entidades patronais, em oposição aos sindicatos em representação dos trabalhadores, normalmente, para negociar contratos coletivos de trabalho. A realidade é que em 2024 isto não faz qualquer sentido, em particular numa atividade onde a maioria dos agentes imobiliários são prestadores de serviço às agências imobiliárias e, portanto, é incomparavelmente muito mais o que une empresas e agentes imobiliários, pelo que esta alteração de podermos acolher os agentes imobiliários na APEMIP e de encontrarem na APEMIP um espaço de representatividade do setor, faria para nós todo o sentido e estamos muito satisfeitos com esta alteração.
Mas qual tem sido a adesão?
Ela é muito recente, estamos neste momento em fase de registo da alteração estatutária e é neste exato momento em que nos encontramos, em que vamos ficar capacitados para receber os agentes imobiliários enquanto associados, numa altura onde acreditamos que o corporativismo vai ter um papel muito importante nesta atividade.
Aliás, têm defendido a criação de critérios de acesso à atividade imobiliária. Há demasiados mediadores imobiliários no mercado, o que é que esperam do Governo nesta matéria?
Sobre o número de agentes imobiliários ou de empresas de mediação, não tenho qualquer comentário a fazer sobre esse facto específico. Aquilo que entendo é que não devem existir barreiras que impeçam o acesso à atividade. A atividade deve ser uma atividade de livre acesso, no entanto, o facto de ser de livre acesso não deve deixar de significar que devam ser exigidos àqueles que pretendem aceder um conjunto de etapas, neste caso, etapas de conhecimento, de provas, para que reúnam as condições de conhecimento para assumirem as responsabilidades que lhes são devidas. De resto, recaem sobre a atividade imobiliária várias obrigações. E muito bem. Desde o branqueamento de capitais, o combate ao terrorismo, enfim, uma série de obrigações que muito bem recaem sobre as agências imobiliárias. E aquilo que nos parece importante é que possamos caminhar no sentido desta atividade ser profissionalizada. E profissionalizada significa que o Estado estabeleça um conjunto de metas formativas para todos aqueles que querem estar na atividade, conferindo maior credibilidade, quer aos que estão na atividade, quer também às pessoas em geral, aos clientes que quando se confrontam com alguém que se identifica como um agente imobiliário, possam ter conhecimento prévio de que esse alguém superou um conjunto de provas, um conjunto de etapas de conhecimento, e que seguramente vão dar o conforto e a segurança necessária para intervir naquilo que tem tanta relevância na vida das pessoas como é a transação de uma casa.
Mas que critérios é que defende que sejam fulcrais ou fundamentais?
Principalmente critérios formativos, principalmente etapas formativas de conhecimento, quer no âmbito dos processos, quer no âmbito das responsabilidades, no âmbito dos procedimentos, principalmente etapas formativas.
Mas esse processo está em curso? Qual é o ponto da situação, uma vez que se trata de uma reivindicação já antiga?
A atividade é tutelada pelo IMPIC, que já há bastante tempo atrás preparou um projeto de lei que contemplava exatamente o que acabámos de conversar. Sabemos que até ao momento ainda não houve nenhum despacho efetivo no sentido de que isso aconteça. Temos a expectativa de que possa vir a acontecer, porque estamos a falar de algo que se traduzirá objetivamente no benefício para todos, para a sociedade em geral e para aqueles que estão na atividade.
Olhando para o mercado imobiliário, com o alívio das taxas de juros, já se começa a ver uma maior procura por casa?
Diria que o alívio da taxa de juro que temos constatado não tem tido impacto relevante naquilo que é o fluxo de procura. A subida abrupta da subida da taxa de juros revelou-se uma enorme dificuldade para um grupo de pessoas que conteriam os seus créditos hipotecários, principalmente nos últimos anos, com taxa variável, no limite da sua capacidade de endividamento. E, portanto, este alívio das taxas de juros poderá, de alguma forma, dar um sentimento de alguma tranquilidade ou de menor incerteza a estas pessoas. Não tem forçosamente um impacto naquilo que são os fluxos de procura de casa. Esses mantêm-se altos, mas também caracterizados por uma heterogeneidade muito, muito grande. Isso quer dizer que, tendencialmente, falamos de uma forma muito generalizada, mas a verdade é que o mercado imobiliário não é Lisboa, não é o Porto, é todo o país. Quem quer comprar casa não são os lisboetas nem os portuenses, são os portugueses e as realidades, de facto, são muito dispares, são muito diferenciadas. Os preços das casas, sendo muito elevados, são caracterizados por um espaço de diferenciação muito, muito grande. E o nosso país, ainda que confrontado com, na generalidade, termos preços muito elevados e uma enorme dificuldade no acesso à habitação, temos simultaneamente de ter consciência de que as realidades geográficas que caracterizam o nosso país vivem realidades muito diferentes.
Em relação aos bancos, qual tem sido a postura? Tem sido mais difícil conseguir crédito?
Os bancos têm, obviamente, um papel muito relevante em todo este processo. No entanto, é fundamental que também todos tenhamos noção e consciência do seguinte: o mercado imobiliário, com pequenas oscilações, é um mercado cujo segmento residencial, falando de casas, transaciona anualmente perto de 30 mil milhões de euros. E a banca portuguesa financia anualmente cerca de 15 ou 16 mil milhões de euros. E, portanto, é fundamental percebermos qual é o impacto da banca, que sendo muito relevante, a principal alavanca financeira e o principal motor do mercado é a venda de casas. São 90% os imóveis transacionados que são imóveis usados. É alguém que vende uma casa para seguidamente comprar outra. E a verdade é que, quando hoje alguém vende uma casa, nunca teve uma dotação financeira tão grande para enfrentar uma nova aquisição. E, portanto, temos como que aqui um ciclo fechado que se vai autoalimentando perante a escassez de casas, em que as pessoas vão, vendem uma casa, seja por aquilo que for, normalmente por motivos sociológicos, casamento, separação, a vida corre bem, a vida está difícil, a deslocalização, eventos que levam a uma troca de casa, a uma aquisição. Muitas vezes, como referi, tendo, neste caso, as famílias uma dotação relevante e, portanto, sendo a presença da banca mais moderada nesse contexto. Depois temos a presença da banca naquilo que são as novas aquisições e aí estamos a falar num universo muito menor e onde, como é sabido e, de resto, daí também as medidas que recentemente ouvimos falar, em que quem quer enfrentar uma nova aquisição, quem está fora do mercado e quer enfrentar uma aquisição pela primeira vez na sua vida, tem uma enorme dificuldade, desde logo porque, perante o preço das casas, sendo-lhe exigível 10% ou 15% de capitais próprios para dar de entrada para a aquisição de uma casa, tem aqui uma tarefa difícil. Acho que os bancos têm muito por fazer. E acho que há aqui muitos aspetos onde os bancos podem ter um contributo muito importante para a nossa sociedade naquilo que é o mercado imobiliário e que ainda não aconteceu.
Como por exemplo?
A intervenção dos bancos está muito associada àquilo que é a caracterização cronológica da vida da generalidade das pessoas. As pessoas têm 30 anos, há uma parte relevante de pessoas que pensam em comprar casa, que contraem um financiamento e adquirem uma casa. Depois, mais à frente, temos um grupo etário que está muito presente na troca de casa. Estamos a falar do grupo etário dos 50 anos, onde as pessoas, por vezes, pelos tais motivos, normalmente de origem sociológica, pensam numa troca de casa. Enfrentam um período de mais umas décadas das suas vidas, as pessoas têm 65 anos. Começam a enfrentar a idade de reforma, vão ter menos rendimentos, normalmente têm sua casa paga ou quase paga, vão ter imensas despesas, porque enfrentar a velhice exige bastante capacidade financeira e bastante liquidez, frequentemente estão em casas totalmente desadequadas aos seus 65 anos daquilo que era a tal casa que compraram décadas atrás, eventualmente, do ponto de vista das suas características, totalmente desadequada àquilo que necessitam. Por vezes, em termos de localização, desadequada às suas necessidades e provavelmente em termos construtivos profundamente desadequada àquilo que vão necessitar. Temos uma população envelhecida em casas que são segundos andares sem elevador, onde nas portas das suas casas não passa uma cadeira de rodas e, portanto, com condições de habitabilidade muito precárias. Aqui há um espaço muito interessante para os bancos de perceberem que há aqui um novo ciclo e os bancos têm de pensar que as pessoas em fase avançada das suas vidas poderá fazer todo o sentido terem acesso a financiamento bancário.
Crédito para obras, reabilitação...
Crédito hipotecário, poderem trocar de casas. O banco ter de se interessar, eventualmente, pelos herdeiros destas pessoas naquilo que é o compromisso financeiro que eventualmente possa ser assumido. Os bancos terem de se interessar um pouco mais pela garantia real que constitui o imóvel, porque se a pessoa amanhã não estiver cá, é o imóvel que poderá servir como garantia real. Mas, principalmente, permitir que as pessoas possam ter liquidez para enfrentar a sua velhice e, simultaneamente, condições para poderem ter uma casa mais adequada. E aí o financiamento é importante. Sendo que, curiosamente, temos também um sistema fiscal que vem estimular o contrário. Ou seja, quando alguém em idade avançada pensa em vender um imóvel, é sujeito a uma tributação em mais valias, exceto se optar por um imóvel de valor igual ou superior. E, portanto, temos a nossa estrutura fiscal a incentivar as pessoas a fazer o contrário. Quando alguém que comprou uma casa quando tinha 35 anos, tinha quatro quartos, hoje está só um casal que está sozinho, que tem 70 anos, que pode vender essa casa, que pode ficar com umas poupanças para enfrentar a sua vida, comprar uma casa numa localidade por um valor inferior.
Portanto, devia haver mudanças na tributação das mais valias imobiliárias. O que é que a APEMIP defende concretamente?
Acho que seria fundamental que em habitação própria e permanente as pessoas pudessem ter isenção de mais valias imobiliárias em caso de venda, quando vão reinvestir em habitação própria e permanente a partir de uma determinada idade. Ou seja, do mesmo modo que neste momento o nosso Estado está a assumir que vamos ajudar os jovens até aos 35 anos de idade, fantástico, acho que talvez fosse interessante pensar que na nossa sociedade, previsivelmente, há também um grupo etário que vai precisar de ajuda, que precisa de ajuda para ter casas muito mais adequadas, e curiosamente que também essa ajuda pode introduzir na nossa sociedade um novo ciclo de transação imobiliária do qual todos podem beneficiar.
Em relação às medidas para os jovens, nomeadamente a isenção de IMT e do imposto de selo até um determinado valor, acha que estas medidas vão ser eficazes? Vão cumprir o propósito?
Acho que as medidas são muito boas. Acho que os jovens precisam de ser ajudados, nomeadamente naquele aspeto que há pouco referimos de quem está fora do mercado. E, portanto, a retenção de jovens no nosso país é algo que é muito importante. Tenho, no entanto, a opinião de que esta ajuda na compra da primeira habitação não deveria restringir-se aos jovens até aos 35 anos. Tenho imensa dificuldade em compreender porque é que alguém que tem 50 anos, ou tem 40, ou tem 60, e é nesta idade que conseguiu, depois de uma vida a trabalhar e a pagar impostos no nosso país, que consegue reunir condições para enfrentar a primeira aquisição da sua vida, da sua habitação própria e permanente, não poderá ter um benefício idêntico. De resto, considero que este imposto é um imposto que não tem grande enquadramento. É um imposto que não tem lógica do ponto de vista daquilo que são os nossos movimentos financeiros e que é a nossa tributação. É claro que todos os impostos são origem da criatividade e são origem de formas de o nosso governo conseguir receitas para fazer face às suas necessidades. Se alguém pensar em ir comprar uma joia por 250 mil euros, não paga IMT, nem paga imposto nenhum. Paga os 250 mil euros pela joia, que não serve para nada.
Paga o IVA.
Sim, mas isso também paga numa casa. Aí não há diferença nenhuma. Não paga nenhum imposto pela aquisição. Sendo a casa um bem essencial, considero que, de facto, na primeira aquisição, seria importante que o nosso Estado equacionasse a possibilidade de procurar tributação noutros domínios que pudessem compensar o desequilíbrio que daqui resultasse, porque é um imposto que não tem propriamente grande lógica.
O setor tem-se queixado das constantes alterações legislativas, como o fim dos vistos gold, do regime de residentes não habituais, que aliados à subida dos custos de construção têm impactado de forma significativa o mercado residencial. Prevê alguma alteração de fundo a curto prazo deste cenário?
Especificamente para os vistos gold, creio que há aqui duas dimensões, ou talvez mais que duas, mas são dimensões diferentes e que devem ser equacionadas e devem ser enfrentadas. Relativamente aos vistos gold, de facto, é um tema que vejo com alguma dificuldade o seu fim. Não propriamente o seu fim, mas a forma como foi determinado o seu fim. E dificuldade pelo seguinte: enquanto cidadão, se me dissessem vamos terminar com os vistos gold porque não é justo que nós, a um trabalhador que vem de um país que não tem 500 mil euros nenhuns, que vem trabalhar para o nosso país e ao fim de uma série de anos e depois de superar uma série de tempo e perante uma série de esforço é que consegue obter um visto para residir em Portugal, mas em contrapartida temos aqui uma situação que é injusta do ponto de vista de equidade do modo como tratamos os imigrantes. Vamos acabar com isto. Independentemente de outros aspetos, seria capaz de compreender. Agora, dizerem-nos que vamos acabar com isto porque isto é responsável pelo preço das casas, isto não correspondeu à realidade. Numa década foram transacionados em Portugal 12 mil imóveis ao abrigo dos vistos gold. 12 mil. Nessa mesma década transacionou-se em Portugal mais de 1 milhão e 500 mil imóveis residenciais. Portanto, atribuir esse episódio ou colocar esse episódio como sendo responsável pelos preços não tinha correlação com a realidade. Por outro lado, há um aspeto também que me parece importante e que tem alguma relação com o tema dos vistos gold. Considero que é importante que todos compreendamos que o imobiliário é caracterizado por uma atividade onde a malha económica associada a tornar possível uma casa é muito relevante, é muito transversal, é muito grande. A ideia de que vem de lá um senhor rico com muitos milhões e que chega aqui e compra um apartamento por 800 mil euros para ter um visto gold e aqui em Portugal havia também alguém muito rico que vendeu essa casa por 800 mil euros e, portanto, vem um rico, cá outro também ficou rico e a história ficou por aqui. A história não é esta e esta história não tem qualquer correlação com o que se passa. A verdade é que para que essa casa, essa tal casa que foi vendida por 800 mil euros existisse, houve uma malha enorme de atividades que a tornaram possível. Desde os tratores que andaram a fazer a terraplanagem, o senhor que vende os pneus para os tratores, seguidamente os senhores que andaram a transportar o cimento, e por aí fora. A cadeia de produção, a cadeia económica que envolve a edificação, é muito relevante. E com certeza que nesta cadeia todos ganham dinheiro, todos têm as suas margens, todos pagam os seus impostos. E, portanto, quando dizemos, e agora voltando novamente aos vistos gold, quando dizemos que esses 12 mil imóveis representaram, e representaram de facto, a entrada em Portugal de sete mil milhões de euros, foram sete mil milhões de euros que entraram na economia do nosso país. Não sei, desses sete mil milhões, qual foi a margem do proprietário que vendeu as casas, terá sido alguma. Mas há uma coisa que sei: é que não foi seguramente a margem mais representativa. A mais representativa difundiu-se na malha económica que tornou aquelas casas possíveis. E, portanto, creio que este aspeto tem de começar a ser observado numa perspetiva muito mais analítica e naquilo que é de facto o benefício coletivo, o benefício de todos.
De qualquer forma, face aos constrangimentos, por onde deve passar a estratégia do governo para haver mais casas no país e a preços mais acessíveis?
Creio que será fundamental que o nosso Governo assuma claramente que o mercado, deve ter três componentes diferentes. Deverá ter uma componente que é seguramente a componente mais representativa, a mais expressiva, a mais abrangente do mercado e que deve ser caracterizada por grande liberdade. Por grande liberdade, por grande, previsibilidade, estabilidade e de facto muito alicerçada naquilo que são as regras de mercado. Sabemos também que, ao termos este mercado, temos aqui a consequência de ele provocar exclusão habitacional. E, portanto, isso significa que há aqui duas outras dimensões onde é fundamental o Estado intervir. Uma dimensão, e diria que é seguramente a prioritária, e estou a referir-me à habitação social. Ou seja, o Estado tem de cuidar daqueles que neste momento estão vulneráveis, particularmente frágeis e estou a referir-me objetivamente à habitação social.
Mas existem projetos de habitação social em curso, não estão é concluídos, ou não?
Só me estou a referir à planificação. Temos uma outra dimensão, que não é uma dimensão de habitação social, mas que é uma dimensão necessária e que é uma dimensão onde se encontram soluções com preços controlados. É uma dimensão onde vamos procurar que haja edificações, que haja soluções habitacionais, mas precisamos de controlar o valor pelo qual esses imóveis amanhã vão estar no mercado.
Que é o grande problema atual que afeta a classe média.
Claro. O que significa que tem de haver intervenção estatal para o tornar possível. Não é possível por via do mercado, aquilo que é o preço dos terrenos, aquilo que é o preço da matéria-prima, aquilo que é o preço da mão-de-obra, aquilo que é o espaço temporal administrativo que um promotor está à espera para ter um projeto deferido, não é compatível com podermos ter soluções em tempo útil. E aqui é necessário intervir.
Mas as medidas já tomadas neste campo, a simplificação dos licenciamentos, a prometida descida do IVA na construção, as medidas que já foram tomadas até ao momento, considera que vão mitigar o problema?
Considero que são medidas muito importantes, que podem ter um muito importante contributo. Observo-as com alguma lentidão num contexto onde estamos a falar de um setor que é caracterizado por uma inércia muito grande. O imobiliário é um setor lento. Entre o querer, o querer fazer e o existir a casa de facto, temos sempre espaços temporais muito alargados. E, portanto, vejo com alguma apreensão que, por exemplo, o tema do IVA, quer seja a redução, seja a isenção, seja a estrutura fiscal, seja por via da redução, seja qual for o mecanismo específico, considero que é fundamental que quanto mais, no menor curto espaço de tempo possível, possam estar implementadas, porque sim, acredito que possam resultar num impulsionar de oferta imobiliária nesses segmentos, onde é fundamental termos casas com preços mais acessíveis. E só será possível termos casas com preços mais acessíveis com intervenção estatal.
E relativamente às 26 mil casas que terão de ser construídas até junho de 2026, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, acredita que o objetivo vai ser atingido?
Acredito que Portugal tem empresas de construção, hoje tem empresas de construção, muito bem estruturadas, tem empresas de construção com grande capacidade, dotadas de recursos muito bons. Temos, de forma transversal, uma carência muito relevante de mão de obra. A confederação a que estamos ligados tem identificados como havendo na construção neste momento um défice de cerca de 80 mil trabalhadores para tornar possíveis as metas que neste momento conhecemos. Por um lado, temos efetivamente uma excelente capacidade naquilo que é a capacidade operativa das nossas empresas de construção, mas temos um défice muito grande de mão de obra. A mão de obra é importante e obviamente quando estamos a falar de mão de obra na construção, sem rodeios, estamos a falar de necessidade de imigrantes que venham para o nosso país, que possam dar o seu contributo para termos soluções neste domínio. E aqui também temos de ter presente que o PRR não está a decorrer só em Portugal, ele está a decorrer em todos os países da Europa. Países, como é sabido, muitos deles remuneram os seus trabalhadores com condições muito mais vantajosas do que aquelas que nós conhecemos. Diria que, neste momento, o nosso Estado tem um enorme desafio de atrair imigrantes que possam vir para o nosso país com condições dignas, adequadas e que possam de facto contribuir para que essas metas sejam efetivamente alcançadas.
Ainda no campo da habitação acessível, e agora quanto ao arrendamento, o Governo anterior criou a plataforma do arrendamento acessível, que isenta proprietários de pagar IRS e IRC, e assinou inclusive protocolos com imobiliárias para angariar casas para essa plataforma. Qual tem sido a adesão?
Muito pequena.
E como é que se explica essa fraca adesão?
Antes de responder especificamente, há um aspeto que me parece que é muito importante e que ainda não foi feito. E acho até que deveria ter sido por aí que tudo deveria ter começado. Estou a referir-me à caracterização detalhada da situação do edificado nacional. Quantas casas há em Portugal? Quantas são habitáveis? Quantas não são? O que é que se passa com o edificado? Porque a realidade é que muitas das medidas de que ouvimos falar são tomadas com base em ideias empíricas e, lamentavelmente, muito pouco assentes em dados concretos. A minha convicção é de que a parte mais significativa dos proprietários de imóveis, que têm imóveis para arrendar, têm os seus imóveis arrendados por uma razão muito simples: não poderiam não ter porque precisam desse rendimento para viver. É claro que temos uma fatia de proprietários que são suficientemente abastados para terem imóveis que poderiam estar arrendados e não estão. E essa tal fatia, que seria muito interessante sabermos exatamente o que é que representa, optou por não colocar os seus imóveis no mercado, mas seguramente porque tem condições financeiras para essa ser a sua opção. Muito dificilmente os iria arrendar ao Estado.
Aqui outra questão, e agora é mais a título de exemplo, Lisboa deveria seguir o caso de Barcelona de congelar novas licenças em relação ao alojamento local, bem como obrigar os proprietários de casas a colocar essas casas no mercado para habitação permanente através de venda ou arrendamento?
Creio que não. A minha convicção é de que a direção deve ser exatamente oposta. O mercado de arrendamento é um mercado que, ao contrário do mercado da propriedade, pode ter flutuações de forma muito rápida. Tivemos esse exemplo aquando da pandemia, onde no ápice as rendas desceram, por exemplo em Lisboa, 20%. De facto, o mercado pode ter oscilações muito, muito rápidas. Aquilo que me parece que é essencial é que consigamos e que possam ser implementadas medidas que aumentem a oferta de imóveis para arrendamento. Porque só aumentando a oferta de imóveis para arrendamento é que os preços podem baixar. E todas essas medidas que têm, digamos, um teor mais questionável sobre a livre propriedade, não queria de todo tocar aqui qualquer questão que roce o teor ideológico, porque de facto não é isso que me move. Mas aquilo em que acredito é que quanto mais segurança alguém que tem um imóvel tem, em que se algo correr mal tem o seu imóvel de volta, mais facilmente coloca o seu imóvel no mercado de arrendamento. Relativamente a Espanha, temos um caso muito concreto onde assistimos em Barcelona a uma subida de preços que não é comparável àquilo que aconteceu em Madrid que não optou pelas medidas que foram optadas em Barcelona.
Posso voltar um pouco atrás relativamente à plataforma. Tem números sobre os imóveis que foram angariados para essa plataforma do arrendamento acessível?
Creio que estamos a falar em números na ordem das centenas que não ultrapassam um milhar. Ou seja, estamos a falar de números incipientes.
Mas considera que este projeto não cumpre os seus objetivos e que não deveria ser continuado?
Temos a constatação que o projeto, tal como foi elaborado, não foi suficientemente atrativo para captar o interesse de quem tendo um imóvel poder ter algum benefício opte pela solução que lhes foi apresentada.
O benefício fiscal não é suficientemente atrativo? Ou está aqui em causa, por exemplo, o limite à renda que pode ser cobrada? O que é que está aqui em causa?
Eventualmente o benefício fiscal não foi suficientemente atrativo. Temos aqui uma questão de fundo, que é uma questão que tem de ser enfrentada e acho que deve ser uma questão que deve ser quase um desígnio nacional, que é o Estado tem de ser visto como uma pessoa de bem. E, portanto, aquele exemplo que referi há pouco de que as pessoas não se sentem confiantes a arrendar ao Estado, devemos tentar caminhar para termos exatamente o oposto e para que alguém se sinta muito confiante em poder ter o Estado como seu inquilino.
No fundo, o que está a dizer é que falta confiança no Estado?
Claro, mas para isso é necessário que o Estado conquiste a confiança, neste caso dos proprietários, e a confiança como todos sabemos, especialmente os adultos, sabemos que ela não se decreta, conquista-se. E conquista-se por exemplos e conquista-se por atitudes ao longo da vida. E aquilo que precisamos que o nosso Estado compreenda, e que os nossos sucessivos governos compreendam, é que talvez haja alguns pressupostos que devem ter um teor suprapartidário. Um deles é a confiança que os cidadãos devem ter no Estado.
Um desafio para o novo governo poderá ser a questão da tributação, por exemplo, deveria mudar as mais-valias imobiliárias e em que sentido?
Considero que a tributação das mais-valias imobiliárias é um imposto que deveria ser totalmente alterado na sua concessão, sempre que se trata de alguém que está a vender a sua habitação própria e permanente para reinvestir numa nova habitação própria permanente. Diria que, principalmente quando estamos a falar de um agregado familiar de alguma idade, permitir que essa pessoa que vai reinvestir o proveito da sua venda, que daí possa representar alguma liquidez que lhe vai ser necessária. É importante que todos não nos esqueçamos do seguinte: 73% das famílias portuguesas são proprietárias de um imóvel. É nos imóveis que está guardada a poupança da maioria da nossa população. Quando alguém vende um imóvel está a alienar aquilo pelo qual esteve anos e anos a tentar construir. E, portanto, creio que este imposto deveria ser repensado no modo como se encontra.
E quais são os maiores desafios para as empresas nesta altura deste setor?
As imobiliárias têm desafios enormes. Temos desde logo o tema da habitação e tudo aquilo que ele tem trazido de permanente. Tenho a ideia de que, depois do futebol, talvez a habitação seja um dos temas sistematicamente muito presente. De algum modo, isso envolve tudo aquilo que é a atividade das imobiliárias confrontadas, de facto, com as questões, as dúvidas que permanentemente se levantam em todas as pessoas. E numa altura em que as pessoas cada vez mais recorrem às empresas imobiliárias quando querem vender ou comprar um imóvel, o que vem também incrementar a responsabilidade das empresas naquilo que é a sua interação com os seus clientes.
O número de transações, entretanto, tem vindo a diminuir. Pelo menos os números do INE do primeiro trimestre apontam para isso. Quais são as perspetivas para o resto do ano?
Estamos a assistir a uma valorização generalizada das casas. Quando há pouco falei de heterogeneidade geográfica, quando ouvimos dizer que no primeiro trimestre deste ano os imóveis valorizaram 7%, esse número é resultado de números muito dispares. Ou seja, eventualmente em Castelo Branco, no primeiro trimestre, os imóveis podem ter valorizado 15% ou 20%. Não conheço os dados de cor, mas em Lisboa é provável que a valorização tenha sido muito mais contida. E quando ouvimos falar em 7%, estamos a falar numa média nacional que não transcreve com rigor aquilo que é a expressão de cada região. Creio que é provável que iremos assistir à continuação de uma valorização moderada e generalizada dos imóveis, mais acentuada nas localizações que partem de patamares de valor mais baixo e que estão neste momento a ser alvo de maior fluxo de procura, porque é lá que as pessoas encontram soluções que conseguem adquirir e, portanto, é também aí que os preços, ao terem maior pressão, estão a ter uma subida maior. Acredito que o número de transações possa ter algum crescimento, nomeadamente com estas anunciadas medidas aos jovens, quer no âmbito do financiamento daquela margem de capitais próprios assegurada pelo Estado, quer no âmbito da isenção do IMT.
E em termos de valor? Aponta também para um aumento?
Acredito que sim, que vamos continuar a assistir a uma valorização moderada dos imóveis de modo generalizado.
Falou há pouco dos vistos gold e da ideia que se tem de que também terão contribuído para a subida do preço das casas. Esta subida também começa a afastar os estrangeiros da compra de casa? Os números do INE também revelam que há uma quebra da procura por parte de estrangeiros. Já está a existir esta tendência?
Assistimos a alguma quebra de investimento de cidadãos estrangeiros no primeiro trimestre deste ano. Não identifico nada de excecional que tenha conduzido a isso. Aquilo que motiva os estrangeiros a comprar em Portugal são os atrativos e são as características do nosso país e essas não mudam com a inflação. Essas estão cá e vão cá continuar. E por vezes há algumas ideias que ouvimos de que os imóveis em Portugal são os mais caros da Europa, mas isto não corresponde minimamente à realidade. Os nossos preços, sendo preços muito elevados, muito inacessíveis para a generalidade da população, são preços significativamente mais baixos do que os que hoje se praticam nas principais capitais europeias.
Portanto, prevê que esta procura internacional por parte de cidadãos estrangeiros continue?
Claro que sim.
Criaram o portal Casa Yes. Porque é que o criaram e está a corresponder às vossas expectativas?
O portal Casa Yes está a superar muito as nossas expectativas. Criámos o portal Casa Yes porque os dados imobiliários são dados que têm grande relevância e são dados nos quais as empresas imobiliárias investem para os conseguir obter. Para identificar o valor de uma casa, para ter todas as informações relativas a um imóvel, as imobiliárias investem no sentido de obter essa informação. E, portanto, para nós, faria e faz todo o sentido que possamos ter alguma rentabilidade e algum controle sobre os nossos dados. O que é que as imobiliárias fazem? As imobiliárias compram espaço em plataformas imobiliárias para divulgar os seus imóveis. O que procurámos com o Casa Yes foi desenvolver uma plataforma em que empresas imobiliárias podem ser acionistas desta plataforma, que é de livre acesso a qualquer cidadão, mas que tem a particularidade de que, ao estarem unicamente imóveis de imobiliárias, estão unicamente imóveis de empresas que são obrigadas e responsabilizadas pela fiabilidade dos dados que divulgam. E, portanto, o Casa Yes é uma plataforma que tem, a partir de agora, a diferença enorme de que aquela informação é informação especialmente fiável. Só se encontram lá imóveis de imobiliárias. Neste momento, o Casa Yes tem mais de 135 mil imóveis. Para termos uma ideia do que isso significa, estamos a falar de um número que não é muito diferente do número total de imóveis que se transacionam num ano. Tem mais de 1200 empresas presentes e tem as condições financeiras para podermos, nos próximos tempos, investir na notoriedade deste portal que queremos que seja, de facto, a principal plataforma que alguém utiliza quando quer procurar um imóvel.
