O custo do cabaz de bens essenciais continua a subir, mas Gonçalo Lobo Xavier, diretor executivo da APED, diz que não há volta a dar e, em nome da competitividade, inovação e sustentabilidade, pede à nova tutela maior previsibilidade e menos criatividade fiscal
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Antes destes e de outros temas políticos, Gonçalo Lobo Xavier avança em entrevista à TSF que a APED vai desenvolver um projeto-piloto para a reciclagem de têxteis. A ideia é criar um sistema de créditos, tal como vai avançar para as embalagens já em 2026. Este novo projeto, a lançar em setembro, pretende antecipar o impacto da nova diretiva europeia que exige recolha seletiva de têxteis a partir de 2025 para aumentar a reutilização e reciclagem de materiais em 60% até 2030, quando em Portugal apenas 4% vai para reciclagem.
Um projeto da APED - Associação de Empresas de Distribuição, em linha com outro projeto-piloto lançado há quatro anos na área da recolha e reciclagem de embalagens de plástico, em 23 pontos do país, que vai culminar em 2026 com a entrada em vigor do sistema de depósito de reembolsos.
Agora a ideia é fazer o mesmo com os têxteis e a campanha avança já em setembro, com objetivo de recolher, reutilizar e reciclar o maior número possível de produtos provenientes de lojas e lares portugueses.
O diretor executivo da APED adianta ainda que o projeto também terá apoio da Agência do Clima. Vai custar pouco mais de 450 mil euros e Gonçalo Lobo Xavier explica o objetivo: “Tal como nos propusemos perceber qual era o comportamento das pessoas perante este incentivo de devolver as embalagens de plástico nos vários postos que dispusemos no país - e que vai dar origem a uma entidade gestora para implementar esse sistema de depósito e reembolso no próximo ano em todo o país -, estamos a arrancar com um projeto para perceber o ciclo de vida dos têxteis. A ideia é explorar formas de fazer uma recolha responsável dos têxteis e de incentivar a economia circular neste domínio, de forma a incorporar de novo esses desperdícios no processo produtivo e levar a indústria a colaborar de forma a garantir essa reciclagem para posterior introdução em novas peças de roupa.”
O projeto terá a duração de 12 meses para verificação de resultados e confirmação da possibilidade de se criar também uma entidade gestora para os têxteis de forma eficiente, tal como vai acontecer já no início do próximo ano com o sistema depósito e reembolso. O projeto pretende ser estímulo de empresas portuguesas, à semelhança do que já acontece em algumas cadeias multinacionais de grandes marcas que já oferecem prémios por esse tipo de recolha e o diretor da APED conclui que as grandes retalhistas são fundamentais, porque "perceberam que há de facto um problema e há muito trabalho a fazer".
Quase uma década depois dos dados da própria Agência Portuguesa do Ambiente revelarem que em contentores de resíduos urbanos teriam sido recolhidas cerca de 200.756 toneladas de resíduos têxteis - o que representa cerca de 4% do total de resíduos produzidos no país -, avança este projeto, apesar de, ao nível da inovação, a fileira portuguesa dos têxteis ser já referência internacional sempre que apresenta a sua variedade de produtos produzidos à base de materiais reciclados, desde sapatos com escamas de peixe, a casca de fruta, a roupa fabricada com resíduos de cordas do mar, ou fibras de resíduos, em eventos internacionais de referência, como a Feira da Messe Frankfurt, que tem revelado multidões de diferentes nacionalidades interessadas por esse tipo de demonstrações portuguesas.
O investimento neste tipo de atividade é um imperativo para Gonçalo Lobo Xavier, até porque, de acordo com os dados publicados por sete entidades com pontos de recolha de vestuário usado, que no total detêm 8975 contentores espalhados pelo país, todos os anos são recolhidas 26.800 toneladas de resíduos têxteis em Portugal e uma análise feita pela própria União Europeia durante o ano da pandemia, 2020, cada pessoa consumia 6,1 quilos de vestuário por ano o que soma um total de resíduos têxteis na ordem dos 12,6 milhões de toneladas anuais, a maioria dos quais segue para incineração, ou aterro e apenas 38% foram recolhidos e separados.
Sustentabilidade é prioridade do setor:
A sustentabilidade é hoje dada como bandeira da estratégia de atuação dos 220 associados da APED, desde a eficiência energética, ao uso racional da água, aos processos produtivos, com o seu envolvimento num roteiro de descarbonização.
Recentemente também esteve ligada ao relatório da reformulação dos alimentos em Portugal, num desafio lançado pela Direção-Geral de Saúde que Lobo Xavier considera ter sido em boa hora que aceitaram tal parceria, pelo impacto que tem na saúde das pessoas, já que durante a experiência, "entre 2019 até ao final de 2024, sem prejudicar o gosto dos consumidores e apostando em reduções graduais de açúcar, deu-se um contributo decisivo para melhorar a saúde com uma dieta mediterrânea muito mais equilibrada". "Estamos a falar de reduções entre 5 a 10%, em linha com as recomendações da própria Organização Mundial de Saúde", acrescenta.
Com as novas diretivas europeias previstas entrar em vigor ainda este ano, o lider da APED pede moderação na transposição, adaptação e implementação, recorrendo à expressão de que "existe um tsunami legislativo de Bruxelas nos últimos anos relativamente à sustentabilidade ambiental, mas quer a nível nacional, quer europeu, tem de haver bom senso".
É preciso dar algum espaço às empresas para se adaptarem e para fazerem os investimentos que são necessários para se atingirem as metas.
Gonçalo Lobo Xavier faz questão de voltar ao tema, dizendo que “realmente houve uma deriva legislativa por parte da Comissão Europeia nos últimos anos e agora pecou por excesso". "É por isso que acompanhamos estes movimentos que recomendam à Comissão Europeia que haja maior equilíbrio e que haja, sobretudo, maior simplificação, porque senão vamos todos acabar por perder as empresas ao tentar salvar o mundo, e não é isso que se pretende (…) Quando falamos de gestão dos resíduos, estamos a falar de grandes investimentos e não estamos a falar de soluções únicas. Estamos a falar de muitas opções para trabalhar e para fazer recolhas de forma eficiente e as entidades gestoras em Portugal são muitíssimo capazes, basta ver resultados obtidos que são muito relevantes.”
Estes e outros desafios, bem como novas oportunidades do retalho, foram sublinhadas na edição deste ano da APED Retail Summit para ajudar a definir prioridades e a delinear estratégias de atuação, sem esquecer a questão dos recursos humanos, a mudança do conceito de trabalho, a valorização das carreiras e preparação do setor para a captação dos melhores talentos. Aqui, Gonçalo Lobo Xavier faz questão de dizer que "já é um lugar comum dizer que estamos a ver a geração mais bem preparada do país a ir para o estrangeiro à procura de outros tipos de salários e oportunidades".
"Cabe-nos a nós valorizá-las. Ter uma valorização salarial das empresas e do setor para cativar as pessoas, acompanhado de uma evolução do que é hoje o trabalho", entende.
Fecho de centros comerciais aos domingos seria desastroso:
Já sobre a polémica sobre o eventual fecho dos centros comerciais aos domingos, tal como há pouco tempo foi pedido ao Parlamento, numa proposta que acabou por ser chumbada, olha de forma crítica para tal sugestão e adianta: “Felizmente, a direção da APED tomou uma posição maioritária. Nem todos os associados concordam, mas a grande maioria concordou que os domingos são fundamentais para o setor, porque os fins de semana são, de longe, os dias em que há maior percentagem de vendas de toda a semana, porque é nessa altura que as famílias têm mais disponibilidade para se deslocarem às lojas e também porque temos uma quantidade significativa de colaboradores que querem trabalhar ao fim de semana para reforço do seu rendimento (já para não falar dos part-time de estudantes, etc.) e tem que haver cuidado e responsabilidade na gestão dos horários, pois o que os colaboradores mais querem é previsibilidade na gestão do seu horário.”
Numa altura em que a APED fechou o contrato coletivo de trabalho com uma plataforma sindical, o CITES ligada à UGT, considera que o tema ainda será mais sensível uma vez que os domingos foram apontados pelos próprios trabalhadores como forma de muitos completarem o seu salário e sublinha: “Nós também temos feito um esforço para aumentar os salários do setor e neste contrato coletivo houve uma subida de 4,5% do salário mínimo, o que significa que os nossos colaboradores olham para os domingos como uma oportunidade para terem um pouco mais de orçamento no final do mês, mas, também dizer que muitas pessoas utilizam os domingos para usufruírem de várias atividades e semelharmos cortamos um dia às compras, à restauração, ao cinema ou a outra atividade qualquer existente num centro comercial. Enfim, é uma discussão difícil e não é só pelo rombo no consumo, mas um rombo na própria economia do país, pois temos indicadores que, no nosso caso, por exemplo, estamos a falar da perda de mais de 16 mil postos de trabalho, diretos e indiretos, o que seria um impacto significativo e uma medida desastrosa.”
Donos de hipermercados sem margem para reduzir preço do cabaz alimentar:
Mas a transformação do setor aliada à pressão inflacionista também parece pesar na fatura dos consumidores quando vão ao supermercado, mas, numa resposta à pergunta sobre o motivo pelo qual continuam a subir os custos do cabaz alimentar quando a inflação está perto da meta dos 2% definida pelo BCE, defende que o retalho alimentar tem sido um setor concorrencial em Portugal e que pelas suas características e pela sua enorme concorrência tem beneficiado o consumidor.
"Isso nota-se, porque os preços sobem, mas não sobem tanto quanto sobem, por exemplo, os fatores de produção. Os preços da energia continuam relativamente pressionados. Os preços dos combustíveis a reboque de todas as tensões geopolíticas que também geram pressão no custo dos transportes e associado aos transportes, o investimento que se faz em sustentabilidade gera ainda uma pressão nos preços de toda a cadeia de valor. Portanto, acompanhamos de alguma maneira tudo isto e sofremos de alguma maneira com este crescimento dos preços a que toda a cadeia de valor é sujeita", explica.
Questionado se as grandes cadeias de hipermercados, compradoras de produtos mais caros a fornecedores, mas também aumentando anualmente o leque de clubes de produtores a que recorrem, se têm margem para baixar o lucro, responde que a margem de lucro média dos retalhistas já é na ordem dos 2% a 3% e que a ideia de que "as cadeias de distribuição alimentar têm lucros excessivos não é verdadeira e está espelhada em todos os relatórios e contas das empresas".
Quanto a outros desafios, como as implicações das questões geopolíticas e o que pode esperar o mercado português, face à incerteza agravada pela dança das tarifas norte-americanas, a juntar à competitividade asiática e aos próprios conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, reconhece que terão repercussões em todo o lado e Portugal não será exceção. Aponta, contudo, algumas ideias claras: a aposta na apresentação e valorização dos produtos portugueses e o apoio ao investimento e simplificação administrativa.
Iva Zero? Os tempos são outros:
Não acreditando que o novo Governo possa vir a implementar o IVA Zero, em caso de necessidade futura de controlo de subida de preços, tal como aconteceu no passado e que tornou Portugal num caso de estudo internacional, diz mesmo: "Não creio que voltemos a ter esse tipo de solução, os tempos são outros."
Mas Gonçalo Lobo Xavier faz questão de saudar o novo Governo de Montenegro por ter retomado uma Secretaria de Estado ligada ao comércio. "O secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Pedro Machado, é uma pessoa que conhecemos e pelo qual temos o maior apreço, naturalmente muito ligado ao turismo. O facto de voltarmos a ter um secretário de Estado direcionado para o Comércio parece-nos um bom sinal de que a economia sai valorizada", afirma.
Já sobre o caminho para o futuro da nova legislatura, diz que espera "previsibilidade" e menos "criatividade", nomeadamente fiscal. "Já chega. É importante para o mercado nacional, mas também é importante para a economia geral termos empresas competitivas que possam exportar mais e possam levar o nome de Portugal a outras paragens", argumenta.
APED em sintonia com CIP sobre via verde para a imigração e eventuais alterações às leis laborais:
Desafiado a deixar um olhar para a intenção do Governo flexibilizar as leis laborais em contexto de concertação social e avançar com a chamada via verde para a contratação de imigrantes, recorda que a APED faz parte da CIP e subscreve na íntegra as suas posições nessa matéria e que têm sido chamada de atenção para as necessidades do país, mas Gonçalo Lobo Xavier reconhece: "Continuamos a ter um problema de mão de obra em Portugal. Toda a gente diz isto e toda a gente refere que é difícil contratar em Portugal. Isto tem de ser dito de uma forma clara. Nós precisamos de pessoas em Portugal. É por isso que trabalhamos para atrair pessoas para o nosso setor, valorizamos as carreiras e é por isso que aumentamos salários. Agora, o Governo tem de fazer a sua parte no sentido de, de forma cuidadosa, de forma equilibrada, permitir que se façam contratos com seriedade, com pessoas que querem vir trabalhar para Portugal e que são necessárias em diversos setores".
Conclui que vê com bons olhos essa necessidade de uma maior flexibilização, mas também alinha pela responsabilidade que é necessária para evitar desequilíbrios na sociedade, como alegadamente se tem visto em alguns Estados-membros e que não quer que exista em Portugal. Reitera igualmente que a APED tem colaborado muito e respondido a todas as consultas e que a CIP tem sido muito vocal na defesa dos interesses das empresas e, no limite, do próprio país, nessa matéria.
