Novo Banco, Caixa Geral de Depósitos, Montepio e dívida pública foram os principais temas da entrevista ao secretário de Estado Adjunto e das Finanças.
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Ricardo Mourinho Félix nasceu em Setúbal em 1974. Tem uma longa carreira na área económica e financeira: passou pelo Banco de Portugal e depois de uma primeira experiência governativa entre 2000 e 2001, tem em mãos, enquanto secretário de Estado Adjunto e das Finanças, dossiers difíceis ligados ao setor financeiro e à dívida pública. Com a eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo passou a ser o representante nacional em Bruxelas.
Vítor Bento disse que a resolução do BES pode vir a custar 10 mil milhões de euros ao país. É possível?
A resolução do BES na altura foi um processo complexo, houve uma segregação de ativos, foi criado o Novo Banco, que ficou como um banco de transição durante um período prolongado e após um primeiro processo de venda que não foi bem-sucedido, concluiu-se agora a venda à Lone Star. Na sequência dessa venda houve um contrato com um conjunto de compromissos, nomeadamente um mecanismo de capital contingente que basicamente o que faz é limitar aquilo que são as responsabilidades que possam vir a ser assumidas pelo Fundo de Resolução a um montante que está pré-definido de injeções de capital de 850 milhões de euro, no máximo, em cada ano. É nesse mecanismo que pode haver responsabilidades adicionais para o Fundo de Resolução que em todo o caso serão responsabilidades que serão pagas no tempo, por um lado com a venda do banco e por outro com contribuições do sistema financeiro para o Fundo de Resolução ao longo do tempo nos próximos anos.
10 mil milhões não é um número razoável?
Para injeção de capital, se é disso que estamos a falar, parece-me um valor excessivo, sim.
O Novo Banco ainda não apresentou resultados de 2017 mas até setembro o prejuízo já ía em 420 milhões. Há sinais de que a instituição venha a ter prejuízos muito avultados, entre mil a dois mil milhões de euros, é o que se fala nos mercados. Acredita que o Estado não vai ter de injetar mais dinheiro para novos aumentos de capital ao abrigo do mecanismo que acabou de mencionar?
O banco está neste momento a fechar as contas, e tudo indica que terá um prejuízo. Neste momento o ministério das finanças não conhece o resultado dessas contas, é ao Fundo de Resolução a quem cabe em primeira linha fazer esse acompanhamento. Caso venham a verificar-se perdas, é preciso perceber como é que essas perdas, do ponto de vista contratual, se repercutem em eventuais necessidades de capital, necessidades que venham a ser satisfeitas ao abrigo do mecanismo de capital contingente pelo Fundo de Resolução. E o Fundo de Resolução terá de encontrar os meios financeiros. Encontrando-os, fará essa injeção. Se não tiver os meios financeiros então poderá ao abrigo do acordo pedir um financiamento ao tesouro, mas até ao momento não temos nenhuma informação.
Existe a possibilidade de o Estado ter de injetar capital no Novo Banco este ano?
Existe a possibilidade, ao abrigo do mecanismo de capital contingente, e caso venham a verificar-se perdas que, por um lado, afetem o rácio de capital e o ponham abaixo do trigger, e se houver perdas dentro dos ativos, que o Fundo de Resolução seja chamado. É o Fundo de Resolução que faz essa injeção. O Fundo de Resolução é uma entidade pública financiada com contribuições dos bancos, e serão essas contribuições que serão utilizadas para fazer o pagamento. O papel do Estado é apenas enquanto agente financiador do Fundo de Resolução, que não tendo os meios suficientes pode pedir um empréstimo e é nesse sentido que pode haver um empréstimo ao Fundo de Resolução.
Nesse cenário, um empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução regista no défice deste ano?
O que é registado no défice, e é uma discussão que é preciso fazer em cada ano com o Eurostat e o INE, são todas as injeções de capital do Fundo de Resolução no Novo Banco. O Fundo de Resolução é uma entidade pública e todas as injeções de capital é preciso de decidir se são injeções de capital que devem ser registadas ou classificadas como despesa. Essa é a forma de registo. A questão adicional é a da dívida e de como afeta a dívida. E em termos de impacto na dívida só a afetará se for necessário recorrer ao mercado para fazer o empréstimo ao Fundo de Resolução. Daquilo que temos no plano de financiamento consideramos que isso é acomodável e portanto não deverá haver nenhum impacto adicional para além daquilo que é o plano de financiamento que já está previsto para este ano.
Outro tema pesado na sua tutela: a CGD. A reestruturação ainda em curso pode implicar ainda mais corte de trabalhadores e balcões?
A reestruturação que está em curso tem por base um plano de negócio que foi apresentado a várias entidades. Nomeadamente ao BCE e à CE e foi nessa base que foi aprovada a injeção de capital em condições compatíveis com um agente de mercado. Tendo em conta essa injeção, a CGD está a aplicar o plano em todas as suas vertentes, nomeadamente no que diz respeito à consolidação da base de custos com o plano de rescisões por mútuo acordo e reformas antecipadas que estava definido e em linha com o que estava definido.
Acredita que não haverá medidas adicionais?
Não há razão para haver medidas adicionais. A CGD teve resultados este ano melhores do que o previsto no plano de negócios, a CGD está a fazer melhor do que era antecipável. Estive com a CGD esta semana em Bruxelas e tivemos o privilégio de apresentar à Comissão Europeia o cumprimento do plano de negócios e que foi bastante saudado pelo facto de estarmos a cumprir de uma forma bastante rigorosa os compromissos assumidos.
É possível atingir um equilíbrio entre os deveres de ser um banco público, que são deveres adicionais em relação à banca privada, e a sustentabilidade financeira sem fechar balcões em zonas rurais, com menos densidade populacional, e sem aumentar comissões, como tem sido a regra nesta liderança?
A CGD apresentou um plano de negócios e esse plano tem como base manutenção do banco em mãos públicas, e portanto capital 100% público. Tem como base também, e só assim é que podia ser aprovado fora do contexto de ajuda do Estado, que a CGD é uma instituição viável e capaz de gerar meios a partir do capital que é injetado pelo Estado e isso está a acontecer. A CGD aumentou efetivamente algumas comissões, aumentou também a base de incidência dessas comissões mas de uma forma que consideramos equilibrada e compatível com o papel de um banco público. A CGD continua a ser o banco com comissões mais baixas, continua a ter um peso das comissões naquilo que é a sua conta de exploração mais baixo que os outros bancos, mas tem de ser um banco viável, não pode ser um banco que precise sistematicamente de injeções de capital e que dê prejuízo de forma sistemática sob pena de estarmos a fazer uma coisa extremamente injusta para os contribuintes, que é pôr a todos a subsidiar aquilo que são alguns clientes da caixa. Dito isto, o pagamento do papel da CGD enquanto banco público tem a ver com a abrangência dos serviços bancários, sim, mas também tem a ver com a disponibilidade e a capacidade para apostar em projetos que possam ter um retorno um prazo mais alargado do que aquele que é normalmente o prazo de retorno exigido pela banca comercial. Nessa perspetiva, a CGD é um banco público e deve estar disponível para tomar projetos que tenham retorno a mais longo prazo porque são projetos com maior tempo de implementação.
Como avalia a liderança de Paulo Macedo?
Tem sido uma liderança bastante positiva. O que o dr. Paulo Macedo tem feito está em linha com aquilo que foram as indicações estratégicas dadas pelo acionista e não temos até ao momento qualquer razão para preocupação. Aliás, estamos muito contentes com os resultados que a CGD foi capaz de apresentar.
A entrada da Santa Casa da Misericórdia (SCM) no Montepio é desejável para a estabilidade do setor financeiro? Como é que vê a avaliação que tem sido falada para a eventual entrada da SC de pagar 200 milhões por 10% do Montepio?
A Caixa Económica Montepio Geral é uma instituição privada que teve uma alteração muito significativa do seu modelo de governação no período recente e que se transformou numa sociedade anónima, não só mas também com o objetivo de poder atrair novos investidores que aportem capital e que tenham interesse em entrar na Caixa Económica Montepio Geral. A SCM é uma entidade conhecida e que tem um determinado âmbito de ação e o que tem de ser avaliado pela SCM é se a injeção da capital, e portanto tornar-se acionista de um banco com as características da Caixa Económica é ou não compatível com aquilo que é o seu objeto social. O entendimento que existe é de que é algo que poderá ser compatível. No que diz respeito à avaliação é uma questão técnica, a SCM segundo sei pediu uma avaliação e é dessa avaliação que terá de nascer a decisão de eventual investimento. Mas há uma coisa muito importante: quando uma instituição investe num determinado ativo quer perceber qual é o posicionamento que tem ao nível dessa instituição. Por um lado a SCM pode aportar valor à Caixa Económica, por outro lado é preciso saber que a associação mutualista manterá uma posição de controlo acionista e essa avaliação terá de ser vista nesse contexto.
Existe o risco de essa eventual entrada de capital poder ser uma ajuda de Estado?
É uma questão que tem de ser avaliada do ponto de vista jurídico e da legislação europeia. O entendimento que existe é que não é claro que seja uma ajuda de Estado, e do ponto de vista conceptual, sendo um investimento que é feito com base numa avaliação rigorosa e tendo como expectativa um retorno compatível com as condições de mercado, não entendo que deva ser. Mas é uma discussão que tem de ser feita uma vez que haja esse investimento, e tendo em conta aquilo que é o plano de negócio perceber se é compatível com aquilo que são as condições de investimento que um agente privado faria, tal como aconteceu com a CGD.
A Assembleia da República aprovou uma resolução para encontrar uma solução para os lesados do Banif. Eles podem ser compensados em breve, até este ano, ou esta resolução não vai chegar a uma solução que preveja uma indemnização a este tipo de investidores? Quando é que é expectável que os lesados do BES comecem a receber as compensações?
O caso dos lesados do BES tem diferenças muito significativas em relação ao Banif. No caso do BES houve, e é muito claro neste momento e é o que foi declarado pela CMVM, houve um caso generalizado de misseling [venda inadequada] com venda daquilo que era o papel comercial de empresas do grupo ES com base em contas que não o retratavam de forma fidedigna. Encontrou-se uma solução com o fundo de recuperação, está tudo a ser feito para que os lesados possam o mais rapidamente possível serem ressarcidos dos seus investimentos. O que o governo fez foi acelerar o processo o mais possível, e por isso tomamos a decisão de em vez de prestar uma garantia para esta primeira tranche, transformá-lo num empréstimo direto do tesouro tem vantagens do ponto de vista do custo financeiro mas também da celeridade do processo. A sociedade gestora do fundo está a fazer todo o trabalho que é necessário no reconhecimento daquilo que são os lesados e depois a assinar os contratos com esses lesados. Estou convencido que ainda no primeiro semestre poderão ainda ter acesso à primeira tranche desse pagamento mas está fora do controlo do Estado neste momento.
No Banif a situação é distinta, é preciso apurar quem foram os lesados ou os investidores lesados porque foram vítima de venda inadequada dos produtos. Cabe à CMVM fazer essa avaliação, e há várias possibilidades: ou a CMVM fazer diretamente ou através de uma comissão arbitral e a partir do momento em que sejam identificados poderemos, dentro do quadro legal que existe, se estão ao abrigo daquilo que é a legislação relativa a fundos de recuperação. Essa legislação não é feita à medida para os lesados do BES, é feita para todos aqueles que sejam vítima de venda inadequada possam recuperar uma parte caso seja possível encontrar um fundo de recuperação que depois faça esse trabalho.
O governo tem trabalhado numa espécie de bónus fiscal para banca, que é uma alteração fiscal dos prejuízos com o malparado. Quando poderá ser implementada esta solução e quais os custos para o Estado?
Está a referir-se à questão do regime dos ativos por impostos diferidos. Este é um regime que existe para todas as empresas, não é um exclusivo dos bancos, e tem a ver com o facto de quando há o registo de perdas por imparidade elas não serem imediatamente traduzidas naquilo que é a contabilidade fiscal e portanto na cobrança de impostos. Os bancos acumularam ao longo do tempo muitos desses DTAs [Deferred Tax Assets], entretanto o governo anterior criou um regime especial dos ativos para impostos diferidos, que foi aplicado e chegou ao fim no final de 2016 e a partir daqui há ativos por impostos diferidos que não estou sujeitos a esse regime especial de proteção.
É importante olhar para este triângulo que são os bancos e a necessidade de os bancos se manterem solventes e terem capital, a necessidade de assegurar a proteção dos contribuintes e portanto os bancos pagam impostos sobre os lucros que têm e por outro lado também assegurar de que ponto de vista regulatório existe certeza jurídica suficiente. Estamos a trabalhar num regime que possa resolver o problema de forma definitiva. Até agora temos sistematicamente prorrogado a aplicação de um aviso do Banco de Portugal, o 3-95, que já foi revogado pelo BdP e o que estamos a fazer é a sua aplicação apenas para este efeito, mas isso tem um problema, é que continua a gerar novos DTAs. O que queremos é um regime que acabe com a geração de DTAs e que aproxime a contabilidade empresarial e bancária da contabilidade fiscal e que permita que não se gerem mais DTAs, que permita preservar aquilo que é valor para os bancos mas que isso não seja feito à custa dos contribuintes. O Grupo parlamentar do PS apresentou uma proposta que foi entendida pelo PSD como algo que estava a ser feito um pouco às escondidas e sem discussão suficiente. O meu entendimento foi que é essencial ter transparência. O PS retirou essa proposta. Estamos a trabalhar, temos algum tempo e a perspetiva é ter uma solução rápida que dê certeza aos bancos e aos auditores dos bancos, que preserve o capital e que assegure que os bancos vão pagar impostos sobre os lucros que têm e que possam usar esses DTAs de uma forma relativamente gradual, sob pena de a manutenção do regime atual levar a que os bancos não paguem impostos nos próximos muitos anos, o que me parece fiscalmente algo que não seria justo.
Quais são até agora os resultados práticos da plataforma para o crédito malparado? Não receia que este veículo tenha pouco impacto na resolução deste problema? Quando é que o setor bancário português poderá ter um rácio de malparado semelhantes à média europeia?
Não é um veículo. Os ativos mantêm-se no balanço dos bancos. Os bancos assinam contratos de gestão de ativos com a plataforma, ativos que têm determinadas características, nomeadamente serem ativos comuns a várias instituições bancárias. A plataforma permite tornar mais eficiente a gestão desse crédito malparado, quando seja de empresas viáveis, tentar aportar financiamento, quer de fontes públicas através de empréstimos de instituições multilaterais e eventualmente por fundos comunitários disponíveis para reestruturação e revitalização de empresas. Mas a plataforma não é nenhuma solução mágica para resolver o problema do malparado. A questão do malparado acumulou-se ao longo de muitos anos, vai demorar algum tempo até ser resolvida, cabe aos bancos resolver a questão no sentido de reconhecer as perdas e fazer a venda desses ativos depreciados a preços que sejam compatíveis com os preços de mercado. Quanto tempo é que vai demorar... houve já um progresso muito significativo: o malparado esteve em 50 mil milhões de euros, neste momento é de cerca de 40 mil milhões e continuar a reduzir. Nos próximos três a quatro anos será possível trazer esse valor para cerca de metade. Um valor desses permite que Portugal tenha um valor muito mais próximo do que existe em vários outros países, ainda que mais elevada que os outros. Será uma trajetória sustentada, criteriosa. A questão do malparado é daquelas em que a velocidade mais rápida não é necessariamente a melhor. Uma velocidade muito rápida o que faz é reduzir o malparado muito depressa mas destruir o valor para os bancos e isso para os bancos seria muito mau, em particular porque os bancos foram há pouco tempo ao mercado levantar capital e portanto seriam perdas para os acionistas que acabaram de entrar muito significativas e seriam perdas de valor que se traduziriam numa externalização de valor dos bancos para entidades que lidam com o crédito malparado e que têm lucros que consideramos que seria inadequados. Cabe aos bancos fazer essa gestão, há planos de resolução de crédito malparado que estão a ser acompanhados pelo BCE e é nessa perspetiva que encaramos o malparado. Para além disso há uma legislação ao nível do programa Capitalizar que pretende acelerar e tornar mais eficiente a questão de revitalização de empresas... porque essa é a questão fundamental no crédito malparado, não é limpá-lo, é torná-lo, uma vez reestruturado, em empresas que passaram a ser viáveis. Porque aquilo que é o tóxico é o crédito, não são as empresas. Há empresas com valor e economicamente viáveis, desde que tenham um nível de dívida suficientemente mais baixos para poder, com os resultados que geram na sua atividade, pagar a dívida que têm.
Para quando o novo modelo de supervisão bancária e em que moldes? O Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira (CSEF) sempre vai ser criado nos moldes apresentados, ficando com os poderes de resolução e supervisão?
É uma discussão que estamos a fazer. Partimos da proposta do Dr. Carlos Tavares e do grupo de trabalho. Temos feito uma discussão bastante intensa com os três supervisores no sentido de chegar a uma solução que seja, por um lado uma alteração do sistema que resolva as questões que têm de ser resolvidas mas que seja também apropriada pelos supervisores, por isso está a demorar mais tempo. Gostava de ter concluído o processo no final do ano passado, mas o que achamos é que é um processo suficientemente importante para que possa ter mais algum tempo, consensualizar soluções, chegar a um entendimento e que os supervisores entendam que todos temos de contribuir para esta solução. Em relação à questão que me põe do CSEF, sim a ideia é que exista um órgão de coordenação, não super-supervisor porque nunca foi isso que esteve em cima da mesa, mas um órgão de coordenação dos supervisores quer tenha um corpo próprio e que possa desenvolver as suas atividades de uma forma mais efetiva do que tem acontecido até agora.
Não tem uma data para a apresentação do modelo?
Não quero avançar com nenhuma data, temos de concluir as discussões com os supervisores. Obviamente que o mais rapidamente possível, gostaria que fosse no primeiro semestre deste ano que se pudesse ter um pacote legislativo completo e que se pudesse seguir o processo de aprovação.
A separação do poder de resolução e supervisão tem a ver só com uma análise do modelo, ou com a interpretação e os protagonistas desse modelo? Afirmou uma vez, a propósito do caso Banif, que o governador teve uma falha grave. Mantém essa crítica a Carlos Costa?
O que disse na altura foi a minha leitura e não se alterou significativamente. A alteração do modelo de supervisão não tem a ver com os protagonistas, tem a ver com o enquadramento institucional e com o entendimento que a autoridade de resolução deve estar segregada da autoridade de supervisão microprudencial e deve haver uma autoridade macroprudencial que tenha também a devida segregação de poderes face à autoridade microprudencial.
Uma das últimas decisões do BdP enquanto supervisor macroprudencial foi emitir recomendações aos bancos para cumprirem critérios mais apertados na concessão de crédito. Acredita que a medida é suficiente ou que devia ter ido mais longe?
O BdP é que deve fazer essa avaliação. Eu por diversas vezes expressei a minha preocupação com a evolução que estava a existir no crédito, e que era preciso assegurar que essa evolução não levava a que se criassem riscos sistémicos. Nessa perspetiva saúdo que o BdP tenha proposto essa recomendação. É preciso acompanhar os efeitos dessa recomendação e perceber se ela é suficientemente efetiva. Não sendo, deve tornar-se mais efetiva e portanto passar-se de uma recomendação a algo mais impositivo. Se estiver a ter os seus efeitos, não se deve ir além do que é exigido porque isso faz parte de qualquer boa política.
Portugal acelerou os reembolsos ao FMI. Quanto é que estratégia destes reembolsos, iniciada no governo anterior, permitiu ao Estado poupar em juros?
Obviamente que estas estimativas dependem sempre do contrafactual, e isso na economia é muito complicado. A estimativa que temos é de uma poupança total de cerca de 1000 milhões de euros em relação aos pagamentos que fizemos já no âmbito deste governo, que foram de cerca de 15 mil milhões de euros do reembolso total de 23 mil milhões de euros e permitiram a poupança de 850 milhões de euros, números redondos.
Portugal tem tentado alargar a base de investidores e há meses falou-se da possibilidade de emitir dívida e moeda chinesa. Essa operação está em cima da mesa?
Está em cima da mesa, estamos a olhar para as condições de mercado e a decidir qual é a melhor altura para fazer essa emissão. É algo que vai ser feito e que está a ser considerado, da mesma forma que estamos a olhar também para outras possibilidades como os green bonds [obrigações adjudicadas a projetos específicos, ou na área das energias limpas ou que tenham pouca ou nenhuma pegada de carbono].
Esta semana na reunião do Eurogrupo foi escolhido o candidato para vice-presidente do BCE. no próximo ano haverá substituição de Mario Draghi e fala-se que o candidato mais forte é o presidente do Banco Central Alemão. Portugal apoiaria um candidato alemão?
Da mesma forma que quando se pôs a questão da nomeação do vice-presidente o que disse foi "vamos ver quem são os candidatos que surgem e avaliá-los" e aqui põe-se a mesma questão. Há um processo que será iniciado na altura própria, existirão candidatos e olhando para os seus perfis e currículos o governo português tomará uma decisão.
As políticas monetárias na zona euro vão entrar em inversão, o BCE vai retirar algumas medidas de estímulo que ajudaram a dívida portuguesa. Portugal está preparado para este novo ciclo de política monetária? A dívida portuguesa está bem protegida?
Já começou esse processo, o BCE comprava cerca de 60 mil milhões por mês, agora compra 30 mil milhões por mês. Existe um limite operacional: o BCE não pode comprar mais de um terço de cada linha, e esse é o limite efetivo para Portugal. Portanto a redução de 60 para 30 não teve nenhum impacto porque o BCE já não estava a comprar dívida portuguesa porque já tinha atingido esse limite. Enquanto as compras forem superiores a 25 mil milhões de euros por mês, não existirá nenhum impacto. Abaixo disso poderá existir. Dito isto, as compras que o BCE tem feito têm sido importantes para estabilizar aquilo que é o mercado da dívida soberana na área do euro. Portugal tem-se preparado, desde logo alongando a maturidade da dívida: temos uma maturidade média de 8 anos que consideramos apropriada, portanto estamos preparados para flutuações de taxas de juro que possam aparecer, temos uma almofada financeira de cerca de 40% das necessidades de financiamento, que nos dá uma certa imunidade face a impactos que venham a existir, e mais importante, temos a confiança dos investidores e uma base de investidores que se tem alargado ao longo dos últimos meses com os upgrades [melhoria da nota das agências de rating] que têm existido. Neste momento já temos fundos de pensões e investidores de longo prazo a comprar dívida portuguesa que têm uma perspetiva de ter essa dívida durante um período longo ou até à maturidade. Tudo isto são fatores que nos dão conforto face aquilo que possa ser o impacto de uma redução dos estímulos do BCE.