"Luz não é luxo." Bruxelas recomenda redução de impostos sobre eletricidade, especialistas temem "ouvidos moucos" do Governo
As sugestões da Comissão Europeia subiram a debate no Fórum TSF desta quinta-feira. Especialistas garantem que as medidas teriam "impacto positivo" em Portugal, até porque uma taxa de IVA de 23% sobre um "serviço público essencial" é "descabido" e ameaça a "competitividade" das empresas
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A Comissão Europeia recomenda aos Estados-membros a redução do valor dos impostos sobre a eletricidade e a remoção da cobrança de serviços que nada têm que ver com o abastecimento elétrico da fatura da luz, como é o caso da taxa audiovisual. Ouvidos no Fórum TSF, especialistas temem que o Governo português faça mais uma vez "ouvidos moucos" e acabe por não cumprir "aquilo que lhe é apontado".
Em Portugal, a taxa de IVA aplicada ao consumo de eletricidade baixou, a partir de 1 de janeiro de 2025, de 23 para 6%, apenas nos primeiros 200 a 300 quilowatts-horas consumidos em cada mês. Para os restantes, aplica-se a mesma taxa que é utilizada em produtos de luxo, num país em que o preço da luz com carga fiscal está acima da média da UE.
No Fórum TSF, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco) volta a exigir o fim de uma herança deixada pela troika, que em 2011 colocou o IVA da eletricidade nos 23%.
"Os serviços energéticos já tiveram IVA a 6%. A intervenção da troika levou e temporariamente considerámos dado a situação de urgência do país para o nível máximo. Mas tarda em voltar à situação original", argumenta o especialista da Deco na área de energia Pedro Silva, que sublinha que o que está em causa é um "serviço público essencial".
O especialista entende, assim, que o IVA reduzido "deveria ser aplicado a toda a fatura e a todos os consumidores", desde que alinhado com uma "transição energética". Entende, ainda, que a taxa de audiovisual deve ser excluída desta despesa.
A carga fiscal atual ameaça a competitividade da economia portuguesa, garante o presidente do conselho estratégico de energia da Confederação Empresarial de Portugal (Cip). Nuno Moreira urge o Estado português a seguir os conselhos de Bruxelas.
"A fatura da energia nos setores de alto valor acrescentado, que são aqueles setores que contribuem largamente com impostos, é muito significativa. Podemos estar a falar de falta de competitividade aproximadamente de 10%", estima.
Destaca igualmente que a indústria do papel, cerâmica, vidro e aço, que têm uma elevada fatura mensal, são "a base" para todas as outras e, no fundo, "tudo" aquilo que se faz na Europa.
Mas o corte no preço da luz é uma medida aclamada também pela Confederação das Micro, Pequenas e Médias empresas. Jorge Pisco, líder da organização, revela que esta faturação pesa entre "5 a 8%" nas contas destas empresas.
"Um restaurante tem em média cerca de 1500 a dois mil euros de faturação mensal de eletricidade", adianta.
Jorge Pisco mostra-se, contudo, pouco confiante naquilo que serão as intenções do Governo perante as recomendações de Bruxelas. Lembra que, ao longo dos anos, estas advertências não passem disso mesmo: meras sugestões.
"Os Governos acabam por fazer ouvidos moucos e não fazem nada daquilo que lhes é apontado e, às vezes, até pelo contrário, acabam por agravar situações que nós bem conhecemos e que em nada beneficiam as empresas portuguesas", lamenta.
Quem partilha da mesma visão é João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços. Apesar de reconhecer que as medidas propostas trariam algo de "positivo", teme uma "simulação" que não se traduziria numa "quebra real dos custos".
"Esperamos é que depois não arranjem outro pretexto para, sobre os mesmos operadores, irem impor essas taxas por outro canal ou por outra via", alerta.
Indo mais longe, Isabel Soares, professora emérita da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, especialista em economia da energia, afirma que a aplicação de um IVA de 23% sobre a eletricidade "é descabido".
"Estamos a pagar o IVA de um produto de luxo. A luz não é um produto de luxo, pelo contrário. E cada vez é mais fundamental, porque as economias estão-se a eletrificar mais", justifica.
