Ex-ministra diz que Carlos Costa queria nova recapitalização pública do Banif. Maria Luís garante que teve mais de 200 reuniões sobre o banco que em 2015 era "incomparavelmente melhor" que em 2013.
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A ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque confessou ter ficado "desagradada" com uma carta do Banco de Portugal (BdP) na qual o Governador sugeria uma nova abordagem para resolver o problema do Banif, que passava por uma nova recapitalização pública, "com custos para o Estado".
O conteúdo da carta, datada de 17 de novembro de 2015, representava uma alteração da posição do regulador e da lógica assumida até então: o esforço no sentido de convencer a Direção-Geral de Concorrência Europeia (DG Comp) a aceitar o plano de restruturação desenhado em setembro de 2015, com vista a uma posterior venda do banco. Na mensagem, o governador "propunha uma solução sobre a qual não fui consultada e que implicava custos para o Estado, divergindo da lógica do processo" até então.
Essa carta, afirmou Maria Luís Albuquerque, admitia "outras soluções", disse, referindo-se, a uma segunda recapitalização com dinheiro público "que trazia custos para o Estado que eu não aceitava".
Na Comissão Parlamentar de Inquérito à resolução do Banif, a correspondência entre as várias entidades envolvidas no processo esteve, mais uma vez, no topo da discussão: a carta de Carlos Costa chegou ao Ministério poucos dias depois de outra, essa da DG Comp, que surpreendeu a então Ministra. Maria Luís Albuquerque revelou que até receber essa carta, o "final de 2015" nunca foi um prazo imposto por ninguém: a pressa em resolver a situação do Banif até ao final do ano nunca esteve cima da mesa. Até aí, explicou, as autoridades trabalhavam num cenário de venda até Março de 2016, pelo que manifestou "surpresa" com o conteúdo da missiva: "Até 12 de novembro 2015 todas as entidades trabalhavam com um prazo confortável. Nunca até esse dia se colocou a questão de a situação ter de ficar resolvida até ao final do ano. Esse prazo surge pela primeira vez nessa carta", revelou.
Esse plano, apresentado com o apoio da consultora N+1 e baseado no precedente do espanhol Caixa Catalunha) começou a ser preparado em março, antes da abertura da investigação aprofundada de Bruxelas, e "teria avançado mesmo sem investigação aprofundada", garantiu.
O plano no qual Maria Luís Albuquerque trabalhou até Novembro passava pela separação dos ativos do banco, de forma que não fosse necessário nem auxílio do Estado nem uma resolução. Isso só não foi feito logo em 2013, argumentou, "porque a separação do banco em bom e mau, para evitar prejuízo para o Estado, exigia que o banco estivesse reestruturado para que, uma vez limpo, o que ficasse no banco bom fosse interessante para os compradores", explicou.
O momento a partir do qual o prazo de final de 2015 para resolver a situação não foi, no entanto, alvo de consenso na Comissão: o Bloco de Esquerda, através de Mariana Mortágua, e o PS, pela voz de João Galamba, consideraram que a pressão de Bruxelas, visível em cartas anteriores a essa, nomeadamente numa carta enviada em Outubro, tornavam evidente que a Direção-Geral da Concorrência Europeia nunca acreditou na viabilidade do banco, e que o anterior Governo nunca soube convencer as autoridades europeias do contrário. João Galamba acusou Maria Luís Albuquerque de "saber que o plano de Setembro implicava uma resolução, sustentando a observação em duas cartas da DG Comp enviadas ao gabinete da então Ministra em Outubro e Novembro.
Reunião com o Santander meses antes da resolução
As mais de 6 horas de audição permitiram ainda saber que a ex-governante teve, "no final do Verão de 2015", uma reunião com o presidente do Santander Totta, durante a qual foi informada por Vieira Monteiro "sobre o potencial interesse do Santander em comprar parte do banco após o plano de restruturação, apenas quando o Banif fosse "limpo"", afirmou a deputada, que lhe respondeu que "quando chegasse o momento de abrir um concurso, o Santander podia avançar, e que ganhe o melhor".
Mais de duzentas reuniões
Maria Luís Albuquerque não quis comentar os eventos fora do período durante o qual foi ministra (cargo que ocupou em Julho de 2013, na sequência da saída de Vítor Gaspar) mas defendeu as opções tomadas pelo anterior Governo no caso, considerando que a recapitalização pública decidida no final de 2012 e concretizada no início de 2013 foi feita com base em pareceres do Banco de Portugal, e que qualquer das alternativas (liquidação ou resolução) teriam custado "pelo menos o dobro" dos 1100 milhões de euros públicos injetados no banco.
A antiga Ministra fez questão de dizer que, enquanto foi responsável pela pasta, teve "mais de duzentas reuniões sobre o Banif" com as várias entidades envolvidas no processo.
Maria Luís garantiu que "a situação do Banif era incomparavelmente melhor em 2015, quando cessei funções, do que em Janeiro de 2013", bastando "analisar os relatórios e contas para que essa melhoria seja uma constatação evidente". A deputada referiu-se ainda às críticas que apontam inação para o Governo de Passos Coelho, dizendo que "nada podia ser mais errado, e o volume de documentação que esta comissão já tem mostra o contrário".
O Banif, argumentou, "levou a cabo uma profunda reestruturação entre 2013 e 2015, reembolsou 375 milhões de CoCos e no 3º trimestre de 2015 o Banif voltou a apresentar resultados positivos"."O Banif foi o processo mais acompanhado, que exigiu mais interações com as autoridades envolvidas. Era acompanhado diariamente pelo Ministério das Finanças", assegurou, concluindo: "ainda que não tenha sido possível concluir o processo ainda em funções, é inegável o progresso durante o Governo do qual fiz parte".
Governo queria "caras novas" no Banif em 2014 mas não conseguiu
Questionada por Carlos Abreu Amorim, do PSD, sobre a carta enviada em 2014 à DG Comp e na qual falava na substituição da administração de Jorge Tomé, Maria Luís explicou que a ideia era construir um "capital de boa vontade" na DG Comp em relação ao problema do Banif.
"Havia algum desconforto na DG Comp com a administração", explicou a ex-governante, "com a falta de qualidade da informação transmitida, até porque o Banif tinha problemas sérios nos sistemas de informação", afirmou. A deputada considera que "havia um mal-estar e pareceu-me que havendo condições para isso, poderíamos ter um capital de boa vontade para isso se tivéssemos novas caras à frente do banco".
Mas Maria Luís defendeu Jorge Tomé: "é um banqueiro experiente com boa reputação, que conduziu processo difícil com bons resultados. Substitui-lo por qualquer pessoa não faria sentido. Teria de ser uma substituição com vantagem", argumentou, lamentando o resultado já conhecido: "as poucas pessoas que contactei apresentaram razões válidas para não aceitar", disse, acrescentando que não tinha o direito de revelar quem eram, até porque são pessoas "de créditos firmados" que "estão no mercado".
Porque não vender antes?
Se o banco melhorou, se havia interessados, porque não se vendeu o banco? Questionou Carlos Abreu Amorim, do PSD. Na resposta Maria Luís explicou que a venda de um banco "é algo que tem de se ponderar muito cuidadosamente antes, e que só se deve avançar quando se tem um grau de confiança muito grande de que vão aparecer interessados".
"A pior coisa que poderia acontecer ao Banif era abrir-se um processo de venda e ele ficar deserto", disse a ex-governante, explicando que lhe pareceu vantajoso "não criar uma pressão desnecessária no processo que estava em curso e correr o risco de não aparecerem investidores. Era preferível seguir a via da restruturação nos moldes que haveriam de ser apresentados em Setembro de 2015. O risco era demasiado elevado e poderia deitar a perder o objetivo principal, que era aprovar o plano e revogar o auxílio do Estado".