O secretário-geral da UGT, numa entrevista TSF/DN, admite que há dificuldades dos sindicatos em falar com os trabalhadores mais jovens e avisa a ministra do Trabalho que a UGT não aceita a ideia de liberalizar os despedimentos.
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Não é grande adepto de mudar as leis laborais, mas o Governo tem mudanças previstas no programa e nos últimos dias o Presidente da Confederação do Turismo já falou no assunto. Já falou com a ministra do Trabalho sobre este tema?
Não. Temos agendado uma reunião da CPCS (Comissão Permanente de Concertação Social) para o dia 7, às 15 horas e aquilo que tenho ouvido são as várias manifestações e declarações feitas pela Sra. ministra, que naturalmente não coincidem com aquilo que é a posição da UGT (União Geral de Trabalhadores), mas lá estaremos disponíveis para ouvir.
O que é que vai levar a essa reunião com a ministra?
O que vou levar à reunião com a Sra. ministra não pode deixar de ser aquilo que foram os compromissos assumidos no âmbito da CPCS. Celebrámos um acordo, quer de formação profissional, quer um acordo de médio prazo de salários, de competitividade e rendimentos. Acordo esse que foi reforçado no ano passado e, portanto, há um compromisso que foi assumido no âmbito da CPCS com todos os parceiros sociais, quer com o Governo, quer com as entidades patronais. Só não subscreveu esse compromisso um parceiro da parte dos trabalhadores, de resto foi subscrito por todos os trabalhadores. E, portanto, a primeira coisa que tenho de dizer é que há uma base de trabalho para discutir na CPCS, não pode sempre que muda um governo esquecermos o que está para trás. Há compromissos que se assumem. Esse acordo de rendimentos tem vindo a promover o maior aumento de salários mínimos dos últimos anos. Estabeleceu metas para aquilo que é a negociação coletiva nos referenciais mínimos da negociação coletiva. Todos reconhecemos que o nosso país é um país de salários baixos, mas o país de salários baixos que é Portugal não é só em tempo eleitoral, é uma realidade que temos. Julgo que é consensual, porque esse debate foi feito várias vezes na concertação social e, portanto, há que tomar decisões no sentido de reverter esta política de baixos salários que afetou Portugal e afetou os trabalhadores portugueses. E dentro dessa perspetiva, dentro dos compromissos que assumimos na concertação social, a UGT continuará disponível para o diálogo e para a concertação, tal como esteve com o anterior governo.
E quais é que são as linhas vermelhas da UGT?
Em relação a linhas vermelhas, ainda temos na legislação laboral matérias que foram introduzidas durante a Troika. Já não temos Troika há muito tempo e elas ainda lá continuam. Houve uma alteração da legislação laboral recentemente, há coisa de um ano, faz no primeiro de maio um ano, que ela está em vigor. É uma lei que não teve ainda o tempo suficiente para ver os impactos que tem. Aliás, há muitas das matérias da Agenda do Trabalho Digno que não estão regulamentadas e é preciso regulamentar. Portanto, o tempo de um ano é muito curto para ver aquilo que é o impacto que ela tem na legislação laboral. E dizer-se desde já que a UGT defende a estabilidade da legislação laboral, mesmo quando é desfavorável, porque quer os empresários, quer os trabalhadores não podem sempre que há um governo verem criar uma instabilidade naquilo que é a legislação laboral, que é importante para a economia. E está provado que não é a legislação laboral o impedimento para o crescimento económico. Houve essa alteração. Quero dizer que a Agenda do Trabalho Digno não foi aprovada em concertação, foi no Parlamento e com toda a legitimidade. Mas o que é certo é que também é verdade que houve um debate na concertação social, não no meu tempo, mas do meu antecessor, em que não chegaram a acordo para ir mais longe naquilo que foi a Agenda do Trabalho Digno. E, portanto, depois passou para a Assembleia da República. Se me perguntar se estou de acordo com tudo o que está na Agenda do Trabalho Digno, não, não estou. Acho que poderíamos ter ido muito mais longe e estaremos disponíveis no que for para melhorar, sem esquecer aquilo que foram os compromissos assumidos em concertação social. Espero que continuem a defender aquilo que foram os seus compromissos. E acho uma coisa: o Governo não pode desvalorizar quem assumiu esses compromissos e quem os assume mesmo nos momentos mais difíceis. E, portanto, esperemos que nesta reunião de concertação social se abra este debate às discussões que tiverem de existir. Venham as propostas, porque a UGT continuará a ser uma central de diálogo e de concertação. E, portanto, esperemos que a concertação social continue a ter um incremento grande naquilo que é o crescimento da nossa economia, naquilo que é a valorização dos salários e da negociação coletiva.
E, nesse sentido, no limite, a UGT irá ou não abandonar o acordo que assinou com o último governo sobre a Agenda do Trabalho Digno se o Governo avançar com propostas...
Já ouvi declarações da Sra. ministra a dizer que a precariedade resolve-se com a liberalização dos despedimentos. Se calhar, porque quem está precário, se for mais depressa despedido deixará de ser precário e passará a ser desempregado. Não concordo com isto de forma alguma. E, portanto, para nós é uma linha vermelha liberalizar aquilo que é os despedimentos, porque em Portugal não é esse o problema que impediu o crescimento durante anos. Fala-se muito na questão da produtividade. Deixe-me dizer que, por exemplo, dos setores mais produtivos que há, e fala-se na questão da EDP, na questão da banca que têm tido resultados astronómicos, aquilo que tem sido a proposta de aumentos salariais é nos 2% ou 2,5%, recusando sequer fazer negociação. Portanto, se há um problema que é preciso resolver, e nós admitimos que há ainda empresas que têm baixa produtividade, mas também é preciso pôr na mesa claramente e estarmos disponíveis a discutir quais são as razões da baixa produtividade. Porque é que os portugueses são, quando estão fora noutras geografias, aqueles trabalhadores mais produtivos? Porque é que em Portugal não são? Provavelmente teremos um problema na organização dessas empresas. Portanto, ponha-se tudo na mesa. Porque a UGT também pretende que de facto haja produtividade, mas que depois dessa produtividade também haja o retorno para aqueles que contribuem para essa produtividade. E isto não tem acontecido. Aliás, num estudo que foi feito recentemente, a produtividade cresceu 18,7% e os salários cresceram 10,8%. Portanto, há aqui uma grande decalagem entre aquilo que é a produtividade e aquilo que é o retorno a quem produz. E, portanto, enquanto houver esta decalagem e não houver coragem para pôr em cima da mesa e discutir estes problemas seriamente, claramente vamos ter e vamos continuar a ter o arrastamento dos problemas que o país vive de atraso comparativamente aos outros países da Europa.
Uma das coisas que mudou mais nos últimos oito anos foi a questão do salário mínimo. Passou de 505 euros em 2015 para 820 euros este ano. O salário médio, no entanto, não acompanhou esta subida. O que lhe pergunto é se é possível fazer mais e melhor no imediato, atendendo que na apresentação do programa económico da Aliança Democrática, Luís Montenegro tinha remetido para 2028 o objetivo de o salário mínimo nacional chegar, pelo menos, aos 1000 euros e o salário médio em torno dos 1750 euros. Qual é a posição da UGT em relação a estes cenários?
Acho que há condições. Aliás, aquilo que são as perspetivas de crescimento económico até são superiores. Há aqueles indicadores que o anterior governo tinha e, portanto, são boas notícias para melhorar, como fizemos com o reforço de médio prazo assinado no ano passado, em que o salário no acordo inicial era de 760 e foi possível passar para os 820 face àquilo que eram os indicadores positivos que existiam e o governo esteve disponível a sentar-se à mesa. Aliás, faz parte do acordo uma cláusula de salvaguarda que diz que sempre que necessário, por parte de cada um dos parceiros, pelos indicadores que vamos obtendo, por informação e por estudos, é possível ir mais longe. E, portanto, há uma cláusula de salvaguarda que permite sentar-nos novamente à mesa para atualizar esses valores. Isso foi possível com o reforço desse acordo e por isso é que o ordenado mínimo desde janeiro passou, em vez de os 760 que estavam previstos, passou para 820 euros. Agora é preciso também fazer esse trabalho no que diz respeito ao salário médio. Não queremos um país onde estaremos todos no salário mínimo. Acho que isso não é possível, nem é esse o desejo da UGT, nem é isso que defendemos. É preciso incrementar também o salário médio. E o salário médio são aqueles setores, como já referi dois, mas outros setores que existem em Portugal que não valorizam a negociação coletiva. O salário médio tem muito a ver com a negociação coletiva e se não valorizarmos a negociação coletiva, vamos ter um problema no salário médio, que é a classe média, que só paga impostos, que não tem benefícios e, portanto, que não tem aqueles benefícios até nos hospitais porque estão acima daquilo que é o salário mínimo e dos valores que indicam a isenção dos trabalhadores. É preciso fazer alguma coisa pelos trabalhadores que têm o salário médio. É preciso valorizar. E é a negociação coletiva, a valorização da negociação coletiva, que vai contribuir para melhorar o salário médio. O que os trabalhadores procuram também em Portugal, e não é o facto de alterarmos a legislação laboral que vai agora trazer de volta todos aqueles que estão no estrangeiro, nomeadamente os jovens, porque continuam a ser os mais afetados pela precariedade em Portugal. De facto, não é pela alteração da legislação que eles vão voltar para Portugal, porque eles querem também segurança, querem previsibilidade, querem um rendimento de acordo com aquilo que é as suas condições de vida, as necessidades de vida e de constituir família. Porque se não tiverem estas condições, não é pela alteração apenas da legislação laboral que eles vão regressar a Portugal. E, portanto, é preciso fazer alguma coisa e não me parece, com esta pressa de querermos rever a legislação laboral, que os jovens que queremos que voltem para Portugal, o talento, o conhecimento, sendo uma geração que é a mais qualificada que o país já teve alguma vez, é preciso que eles venham para Portugal, mas é preciso dar-lhes condições. Quer condições de trabalho, quer condições de salário, quer condições de trabalho digno. Portanto, se tudo isto não estiver conjugado, vamos perder mais uma oportunidade de poder fazer alguma coisa para que estes jovens talentos voltem para Portugal.
Como é que acha que pode ser montado o motor para fazer acelerar estes salários, seja o mínimo, seja o médio? Será através dos salários nas empresas, portanto, no setor privado ou através de atualizações das carreiras na Administração Pública?
Também no privado e na Administração Pública.
Mas qual é que acha que é o principal?
Não ponho aqui qual é o principal. Nem a Administração Pública deve ser prioritária, nem o privado.
Mas se os privados não aceitarem fazer os aumentos, o Estado pode tratar disso?
O Estado pode tomar decisões, tal como tomou no acordo para iniciar esta trajetória de crescimento no salário mínimo, em que as empresas tiveram benefícios e têm benefícios. Por exemplo, o FCT, que é o Fundo de Compensação do Trabalho, que os empresários diziam muito e não havia quase reunião em que não viesse a questão do FCT, o FCT tinha cerca de 700 milhões de euros. E os patrões diziam que o dinheiro era deles. Nós dizíamos que não, o dinheiro é o que as empresas pagam para que possam indemnizar os trabalhadores que são despedidos e que a empresa não tem condições para indemnizar. O FCT era para isso. Concordámos que deixasse de haver o FCT e se fizesse um Fundo de Compensação de Garantia do Trabalho, será substituído, para que esse dinheiro pudesse vir para as empresas, para ajudar à questão do acompanhamento da evolução do salário mínimo, para apoio à formação profissional e para apoio à habitação dos seus trabalhadores. Concordámos com tudo isto, mas com as empresas que lá puseram o dinheiro o pudessem rever. Isto fez parte do acordo de médio prazo. Por isso é que este acordo foi aprovado por todos os parceiros sociais, senão é evidente que também temos de estabelecer um equilíbrio, quer com as empresas, quer com os trabalhadores, de apoios para que as empresas possam dar o seu contributo para acompanhar a trajetória dos aumentos salariais que se pretendem.
E sente essa vontade da parte das empresas?
Acho que foi possível construir isso. Quero dizer o seguinte: a primeira vez que participei na concertação social, uma das coisas que disse para todos os que estavam à minha frente foi que não via ali inimigos, nem adversários, via parceiros e esperava que nas empresas deles também se construísse esse clima com os sindicatos, porque são os sindicatos que fazem a negociação coletiva, não é a UGT. A UGT apenas define na concertação social os limites mínimos para a negociação coletiva e depois o trabalho é feito entre os sindicatos e as empresas. É preciso que estas empresas estejam abertas ao diálogo e tenham também uma responsabilidade perante o país. Veja, o Governo anunciou a baixa do IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) em 2% ao ano até perfazer 15%. É um benefício para as empresas. Então as empresas que vão ter este benefício não estão disponíveis para contribuir para o aumento do salário médio em Portugal quando têm resultados astronómicos como a banca, por exemplo, ou a EDP? São essas que vão ser, de facto, abrangidas pela redução do IRC e que depois não estão disponíveis e têm um problema e depois queixem-se a dizer que não têm trabalhadores. Não, os trabalhadores depois vão procurar outras regiões porque, de facto, as empresas em Portugal também não correspondem àquilo que é a sua formação e a sua qualificação e, portanto, é preciso inverter. É um problema de mentalidades, provavelmente para os nossos gestores portugueses, mas é preciso todos fazermos uma reflexão sobre isto. É possível.
E as pequenas e médias empresas? Não são tudo grandes empresas. Aliás, o nosso tecido empresarial é substancialmente feito por pequenas e médias empresas. Terão elas capacidade ou não para estes aumentos?
Aí as associações patronais, onde muitas dessas empresas estão associadas, devem fazer um acompanhamento e também em concertação social fazer propostas no sentido de remodelar as próprias empresas. Também sabemos que há empresas, algumas provavelmente não terão futuro, mas se tiverem apoios eventualmente poderão tornar-se médias empresas porque temos, de facto, um número excessivo de pequenas empresas, microempresas e, portanto, esse é um problema que Portugal tem e temos de dar um salto qualitativo nessa questão. E a UGT, durante a discussão do acordo de médio prazo, esteve disponível para analisar todas as propostas que vêm também da entidade patronal desde que se estabeleça ali um equilíbrio. Deixe-me dizer, quando o anterior governo propôs na concertação social o acordo de médio prazo, aquilo que era o acordo eram rendimentos e competitividade. Faltava uma palavra, era como o elefante no meio da sala, que eram os salários. Vivíamos com uma crise inflacionista muito considerável, os salários eram baixos, andava-se a discutir apoios para quem tinha grandes dificuldades e salários baixos e, nesse sentido, como é que íamos discutir um acordo onde se ignorava a questão dos salários? O salário é aquilo que de imediato resolve o problema para os trabalhadores. A muito custo lá vieram os salários e ficou salários, rendimentos e competitividade. Porque a questão dos rendimentos também tem a ver com salário naturalmente, mas não só, tem a ver com, por exemplo, a descida de impostos, nomeadamente sobre o trabalho. Não é uma decisão que tem impacto imediato e, portanto, os salários têm, a partir do momento que há um acordo para aumento de salários, ser aplicados. Ele aplica-se logo no mês seguinte e é uma resposta imediata aos graves problemas que afetaram e, portanto, isso é possível. Só melhoramos a motivação dos trabalhadores em Portugal com bons salários e com trabalho digno. Se não for assim, temos aqui um problema e a UGT tem dificuldade em ultrapassar estes limites naturalmente.
E as mexidas no IRS (Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares), nomeadamente esta última mexida? Sendo que é a classe média que acaba por estar mais esmagada, uma vez que os apoios chegam aos trabalhadores com salários mais baixos, mas nem tanto àqueles que estão na classe média e especialmente mais alta. Diz agora o Governo que haverá uma valorização para estes salários. Acha que isto é suficiente?
É um bom princípio que também a classe média comece a beneficiar deste bolo e destes excedentes que Portugal tem no que diz respeito ao pagamento dos impostos. E, portanto, é um bom princípio, mas é insuficiente naturalmente para quem tem salários mínimos. É preciso também, e acho que aqui o Governo como parceiro e como árbitro na concertação social, tem um papel fundamental, pelo menos nestes grandes grupos económicos. Não podem vir para Portugal só para beneficiar de condições para depois terem aumentos para os seus administradores e para o retorno aos acionistas, o que acho que é legítimo, porque quem investe nas empresas quer o retorno do investimento que fez e isso é indiscutível. A UGT claramente compreende essa situação. Os gestores, que também fazem o seu trabalho naquilo que são os resultados que querem as empresas, mas estão a esquecer-se que há uma parte fundamental nessas empresas, que são os trabalhadores que não são chamados a esse bolo. E, portanto, isto hoje não é possível. Cinquenta anos depois do 25 de Abril, o que mais admiro é que ainda não tenha havido esta evolução nos empresários portugueses para perceber que eles fazem parte de uma equação para melhorar os rendimentos das pessoas e os seus salários. E, portanto, aqui o Governo tem um papel importante e tem competências e poderes para que, em conjunto com as empresas, possam trazê-los para dentro de uma equação que é necessária para resolver os problemas graves que Portugal tem de baixos salários. E também da questão que se põe relativamente aos jovens, para os fixar em Portugal. E aqui as grandes empresas têm essa responsabilidade. Não são ainda as microempresas que têm dificuldades, muitas vezes, de chegar ao fim do mês e cumprir todos os seus compromissos financeiros, mas se estas empresas pequenas têm essa dificuldade e vão acompanhando essa trajetória de crescimento, então e as grandes empresas que têm enormes lucros não fazem nada para isso? Acho que há aqui um problema e aqui o Estado tem de intervir.
Há uma estratégia já definida sobre se a UGT vai ou não partir para a luta em função da nova realidade política e até de algumas condicionantes que são geradas pela conjuntura económica que está em perspetiva?
A UGT é constituída por socialistas e sociais-democratas. Tem democratas, tem democratas cristãos e também tem independentes e foi uma central que foi constituída para terminar com o pensamento único. E, portanto, criou-se a central, é uma central de diálogo, de proposição. Defendemos e vamos continuar a defender, independentemente do governo que lá esteja. A UGT tem a sua resolução programática e foi aprovada em congresso por todos, por unanimidade e, portanto, é esta a nossa constituição e são estas as nossas reivindicações. Negociamos com todos os governos e também vamos estar disponíveis para a negociação e para o diálogo com este. Mas, naturalmente, a UGT já tem estado na rua, nomeadamente com sindicatos da outra central sindical, porque também chegam a acordo em muitos setores. Na EDP, por exemplo, todos os sindicatos, quer os da CGTP, quer os da UGT, estiveram unidos. E também lá estive com o secretário-geral da CGTP e estivemos na rua. Portanto, a UGT não foge à rua, mas a rua não é um exclusivo da outra central sindical. A rua é para quando as respostas à mesa da negociação, através do diálogo e da concertação não tenham sucesso, aí só nos resta a rua e a UGT estará na rua sempre que necessário ao lado dos seus sindicatos. Portanto, a rua para nós não vai ser problema nenhum. Evitaremos ir para a rua, porque só em última instância é que nos fazem ir para a rua, mas a UGT privilegiará a negociação coletiva e o diálogo. Mas quando isto falha, só nos resta a rua e lá estaremos.
50 anos depois da liberdade sindical, onde é que está o sindicalismo hoje? E já conseguiu inverter esta tendência de perdas de sindicalizados?
Muitas empresas diminuíram trabalhadores e esses foram para o desemprego. Faço parte de um setor que, nos últimos anos, eliminou mais de 60 mil postos de trabalho, que foi o setor financeiro. E, portanto, estas pessoas vão para o despedimento, outras vão para a reforma antecipada, outros continuam em desemprego. É um despedimento de longa duração e isto afeta os sindicatos. E ao afetar os sindicatos, naturalmente, afetará a central sindical. Portanto, apesar do emprego ter vindo a aumentar, claramente que tem, continua a haver uma crise relativamente aos mais novos que em alguns setores, isto não é transversal a todos os setores, mas, por exemplo, a taxa de sindicalização na banca anda acima dos 90%. É um setor que tem uma taxa de sindicalização muito elevada. Noutros setores é diferente, mas aquilo que têm sido os indicadores que temos, os nossos sindicatos têm aumentado as suas cotizações para a UGT, o que significa que tem aumentado o número de sócios. Se calhar não da forma que desejávamos, mas está a recuperar-se e isso é muito motivador.
Quer dizer que está a inverter a tendência de perdas?
Sim, estamos a melhorar. Os nossos sindicatos da UGT na EDP aumentaram o seu número de sindicalizados, se calhar pelas lutas que se têm feito e, portanto, os trabalhadores têm começado a ter consciência da importância dos sindicatos e da negociação coletiva.
As novas precariedades, as novas escravaturas, as novas e velhas desigualdades, têm alguma resposta eficaz neste sindicalismo do século XXI, que naturalmente é diferente daquilo que era o sindicalismo do século XX?
Acho que há um problema e nas reuniões tenho falado muito que temos um problema de comunicação com esta geração mais nova. O tipo de linguagem que se utilizava nos anos 70, 80, não pode ser o mesmo tipo de linguagem nem de comunicação para as novas gerações. Hoje as novas gerações têm outros problemas que nós não tínhamos no passado ou que hoje já não existem e, portanto, temos de fazer todos um esforço para com os jovens. Por exemplo, a UGT tem tido stands em todas as iniciativas de jovens, nas feiras também. Por exemplo, a UGT tem uma equipa que anda em algumas escolas a explicar o 25 de Abril e o 1º de Maio, que tem tido um bom acolhimento e isso tem feito com que mais pedidos tenham chegado à UGT para irmos falar sobre isso. E é pela escola também que temos de fazer esse trabalho. É que os estudantes muitas vezes não sabem o que é um sindicato e não conhecem o que foi o 25 de Abril. Acho que é aqui também que temos de fazer este trabalho e a UGT já está a fazer este trabalho e tem tido bons resultados. E nas feiras que são dedicadas aos jovens a UGT tem sempre um stand para falar, quer no Porto na Exponor, quer na FIL. Houve dois eventos importantes em que os jovens tiveram uma forte participação e tivemos lá um stand a explicar e foi muito concorrido. Estivemos a explicar os sindicatos que a UGT tem, em que setores tem e para que é que os sindicatos são precisos. E, portanto, esse é um trabalho que tem de ser feito, não se faz do dia para a noite, levará o seu tempo, mas acho que é por aqui, pelas escolas, que temos de começar a ir fazer também um trabalho que há muito não era feito. E que é um trabalho importante para quando esses jovens, que hoje são estudantes, chegarem à sua situação profissional possam saber o que é um sindicato e o quanto é importante estarem afiliados num sindicato.
Como é que um sindicalista chega ao pé de um trabalhador, seja ele jovem ou não, mas que não seja sindicalizado e consegue demonstrar que a UGT tem respostas mais eficazes para os novos desafios do mercado de trabalho, por comparação com aquilo que agora chamamos de movimentos inorgânicos?
Há setores onde esses movimentos inorgânicos, nos últimos tempos, não são muito eficazes. Têm tido um papel preponderante na área da educação e noutras, mas quero dizer que fui contra sempre que fosse filmado e se tornasse público essas reuniões onde estão esses movimentos inorgânicos. Defendo para que as pessoas saibam o que são esses movimentos inorgânicos, quais são as propostas que esses movimentos inorgânicos levam para a mesa de negociação. O que é que os toca mais? Nada. E, portanto, até hoje era disponível para que começassem a filmar essas reuniões para saber o que é que daí vem. O que acho é que os movimentos inorgânicos, que muitas vezes são mobilizados pela internet, pelas redes sociais, são momentâneos, mas depois vão esmorecendo, como em alguns casos que aconteceu, quer na educação, quer na luta que houve dos motoristas de matérias perigosas. O sindicato não, porque o sindicato tem de ter propostas porque as pessoas pagam uma quota e querem ver o retorno dessa quota. O sindicato não tem só a questão da negociação coletiva. Essa é a sua principal função e a sua principal prioridade é a negociação coletiva, mas o sindicato tem de ter muito mais do que isso. Tem de se criar nos sindicatos outros benefícios a quem é sindicalizado para que se possam sentir atraídos e até se revejam naquilo que é o seu sindicato. Não é só na luta da rua, há outras questões. Por exemplo, no setor financeiro há a questão da saúde, há a questão de promover também a vida familiar e a ocupação dos tempos livres desses jovens. Hoje os jovens não querem só o ordenado e o trabalho. Também querem ter o seu tempo livre, querem dedicar o seu tempo livre ao seu lazer. Os sindicatos também têm de fazer uma grande aposta nisso. E daí acho que fazendo isso temos condições para que os sindicatos continuem a ter o seu papel preponderante. Também não é tanto como se diz que os sindicatos estão numa situação difícil. Quer dizer, há um problema como há politicamente com os partidos, mas todos temos de refletir sobre essas situações para que nos possamos regular para darmos as respostas de hoje à nova geração de trabalhadores que hoje quer respostas imediatas. E, portanto, não há tempo, têm de ser respostas imediatas e temos de preparar os nossos sindicatos para essas respostas. Uma coisa é certa e ficou visto no 25 de Abril, que teve uma participação de jovens muito significativa. Quando pensávamos que os jovens não estavam com o 25 de Abril, que os jovens acreditavam em outras coisas, a prova foi o contrário e isso veio trazer uma grande responsabilidade para as instituições democráticas. E, portanto, esperemos que aqueles que lá estiveram todos no 25 de Abril, não os venhamos a desiludir.
Há pouco traçava um cenário de quem é que faz parte dos sindicatos da UGT. Acha que a UGT se sente nesta altura com capacidade de influenciar as decisões do governo da AD?
A UGT vai fazer o seu papel, como os outros parceiros naturalmente. A UGT vai tentar, e é através da negociação e do diálogo que tentamos também influenciar na questão daquilo que é as leis, mas não só com o governo. A UGT vai mantendo ligações também com os grupos parlamentares com assento na Assembleia da República, porque é na Assembleia da República que se aprovam as leis, que se fazem as leis sobre o trabalho e naturalmente que a UGT vai continuar a fazer o que sempre fez, que é tentar influenciar também os partidos políticos naquilo que é a legislação do trabalho para que a legislação tenha efeitos menos nefastos que aqueles que muitas vezes são as propostas iniciais que vêm à discussão. E, portanto, a UGT vai continuar a fazê-lo e acho que também está numa boa posição para o fazer agora também com o atual governo.
E em relação ao PS, tem em Pedro Nuno Santos um aliado nas lutas da UGT?
Claro, o doutor Pedro Nuno Santos foi um dos dirigentes que visitou a UGT durante a campanha para se inteirar dos problemas relativamente às questões de trabalho. Claro que tenho uma relação com ele e tenho uma responsabilidade, até porque sou militante socialista, dentro do meu partido também procuro influenciar quando estão em causa as leis de trabalho. Influenciar no sentido daquilo que represento enquanto trabalhador e enquanto representante dos trabalhadores. E, portanto, não é a primeira vez que até temos desavenças e grandes discussões, porque antes de sermos militantes socialistas somos trabalhadores e, portanto, representamos sindicatos, representamos a central sindical e é para isso que lá estamos. E é nesta situação e nesta representação que tenho de pôr à frente de tudo os interesses dos trabalhadores portugueses, independentemente da sua filiação partidária. Isso foi possível construir durante estes 50 anos de democracia, a UGT sempre soube, foi sempre plural, não estávamos sempre de acordo em tudo, mas as suas posições são depois de consensualizar. São as posições de todos na UGT, sejam eles socialistas, democratas, democratas cristãos ou independentes.
Significa isso que os partidos políticos têm influência naquilo que são os sindicatos associados à UGT e na própria direção da UGT?
Não, os partidos não têm influência porque nem os estatutos da UGT o permitem. Os partidos têm militantes e há militantes que pertencem à UGT, que é o meu caso. Agora, não têm influência na UGT, o que tem influência são as tendências, como sabe a UGT teve de fazer um congresso extraordinário porque não tinha nos seus estatutos o direito de tendência, que é a lei que impõe. E foi feita as tendências, não havia nos estatutos isso, tivemos um tempo para fazer esse congresso no tempo de João Proença. São as tendências que cumprem. São as tendências que constituem os órgãos da UGT e há tendência socialista, há tendência social-democrata, há tendência democrata cristã e, portanto, as tendências é que têm esse poder de influenciar dentro da UGT as políticas. Agora os partidos não, porque no dia em que os partidos entrarem na UGT esse projeto que foi impulsionado por Mário Soares e Sá Carneiro morre e, portanto, acho que isso não o devemos fazer. Nem ninguém tem o direito de pôr em causa esse projeto.
É útil nos dias de hoje discutir unidade de ações da UGT com a CGTP?
Claro, tem havido não unicidade, mas sim unidade na ação e isso tem acontecido com sindicatos da UGT e da CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses) em alguns setores de atividade e isso vai continuar a existir, porque uma coisa é a UGT, outra coisa são os nossos sindicatos que em cada um dos setores têm de criar energias e sinergias para as lutas que são precisas fazer às vezes para desbloquear a negociação coletiva e a UGT vai estar ao lado desses sindicatos. Mesmo na luta na rua, quando estivermos de estar com a CGTP, lá estaremos porque a CGTP não é um dos nossos inimigos.
Ao nível do topo, é fácil conversar com o Tiago Oliveira?
É, é fácil. Temos tido conversas, não temos de estar de acordo com tudo e quero dizer que aprecio muito o Tiago Oliveira, quer em debates que temos tido na comunicação social. Internacionalmente vamos continuar a colaborar muito, quando nas instituições em que as duas centrais estão representadas no estrangeiro, na OIT (Organização Internacional do Trabalho), na CSI (Confederação Sindical Internacional) e em outras, e muitas vezes consertamos a posição entre as duas centrais daquilo que são as questões do trabalho, nomeadamente na OIT e nas comissões que existem. Portanto, a OIT, a UGT e a CGTP muitas vezes coordenam o seu trabalho, a sua defesa e as suas resoluções em conjunto para que haja a posição dos trabalhadores portugueses. Isso é possível e tem sido possível.
