Não se paga nem se deixa de pagar. PS e BE querem reestruturação leve da dívida
Grupo de trabalho do PS e BE lista medidas internas e externas para reduzir a dívida de 131% para 92% do PIB. As que não dependem de Bruxelas têm efeito "modesto". Não há corte do valor nominal.
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PS e Bloco de Esquerda querem uma iniciativa europeia de reestruturação das dívidas públicas que permitiria a Portugal reduzir em 39 pontos percentuais o peso da dívida no Produto Interno Bruto (PIB), cortando a despesa com juros em 450 milhões de euros já em 2018, e em 1900 milhões de euros por ano a partir de 2023.
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A conclusão consta do relatório do Grupo de Trabalho para a avaliação da sustentabilidade da dívida ao qual a TSF teve acesso e que vai ser apresentado nesta sexta-feira, um ano depois de o grupo ser constituído.
Ao longo de 81 páginas, o documento aponta para dois grandes grupos de medidas para mitigar o peso da dívida que o país carrega: as que dependem exclusivamente das autoridades nacionais - com efeitos pouco expressivos - e outras, de onde viria o grosso da redução, tomadas no âmbito europeu.
As medidas que Portugal pode tomar sem o aval de Bruxelas são quatro: alterar a política de constituição de provisões para riscos gerais por parte do Banco de Portugal, libertando 450 milhões de euros neste ano e 195 milhões em 2018; reduzir as maturidades médias da dívida direta do Estado, trocando títulos de longo prazo por outros de muito curto prazo; amortizar antecipadamente a dívida ao FMI, poupando 900 milhões de euros ao longo dos próximos anos; e otimizar a gestão da almofada financeira do estado, ganhando com isso 333 milhões de euros por ano.
Tudo somado, o país pouparia 1200 milhões de euros até 2023, mas esta é uma gota de água no oceano revolto da dívida: são os o próprios autores quem classifica como "modesto" o efeito destas propostas na trajetória e sustentabilidade da dívida pública, "não sendo suficiente para reduzir significativamente o endividamento externo líquido do país".
É por isso que o Grupo de Trabalho socialista e bloquista propõe um "processo europeu de reestruturação das dívidas públicas elevadas" por ser "uma via através da qual é possível alterar profundamente o modelo de gestão da dívida pública".
Esse processo passaria por duas frentes: em primeiro lugar, tornar permanente o programa de compra de dívida lançado pelo Banco Central Europeu (BCE). O programa decorre até ao final de 2017, e nesse momento o supervisor europeu deverá ter nos cofres cerca de 28 mil milhões de euros em títulos de dívida portuguesa. A ideia do grupo é que Mario Draghi não se veja livre deste valor, comprando obrigações do tesouro sempre que as que detém atinjam a maturidade, de forma a manter sempre em carteira os tais 28 mil milhões de euros. O programa do BCE é o principal responsável pela queda das taxas de juro dos títulos portugueses no mercado secundário nos últimos dois anos.
A segunda frente é a de maior expressão nas propostas do PS e do BE: trata-se de reestruturar a parte europeia do resgate da troika, que vale 51,6 mil milhões de euros, renegociando taxas (que de uma média de 2,4% passariam para 1%) e prazos (multiplicando-os, em média, por quatro: de 15,6 anos passariam para 60 anos). O grupo sublinha que "não seria necessária uma reestruturação do valor facial dessa parte da dívida pública" e que "a restante dívida não seria afetada", destacando ainda que "a reestruturação não constituiria um evento de incumprimento uma vez que seria realizada através de acordo com os parceiros europeus".
O Grupo de Trabalho acredita que com estas medidas - tanto as internas como as que seriam necessárias a nível europeu - haveria uma redução do valor atual da dívida pública de cerca de 39 pontos percentuais do PIB. A dívida pública na ótica de Maastricht cairia assim de 130,7% para cerca de 91,7% do PIB.
A despesa com juros diminuiria cerca de 450 milhões de euros a partir de 2018, e 1900 milhões por ano a partir de 2023. Juntando a estes valores o efeito do programa de compra de dívida do BCE, o efeito global representaria cerca de 2800 milhões de euros por ano. A taxa de juro implícita da dívida cairia, acreditam socialistas e bloquistas, para cerca de 2,3% em 2023.
A insustentável leveza do dever
Portugal tem a terceira maior dívida pública (em percentagem PIB) da zona euro e é o membro que, percentualmente, mais rendimento nacional canaliza para o pagamento de juros, à frente da Itália e da Grécia. Em 2016, os juros da dívida pública representaram cerca de 4,5% do PIB: 8,3 mil milhões de euros em contabilidade pública. O cumprimento de metas europeias para o saldo estrutural inscritas no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), e para os limites da dívida, que decorrem do Tratado Orçamental, exigem que Portugal consiga saldos primários elevados de forma permanente, algo que nenhum outro Estado-membro da União Europeia conseguiu alcançar nas condições colocadas à economia nacional.
Entre 2016 e 2017 Portugal deverá passar de um saldo primário de aproximadamente 2,2% do PIB para 2,7%. Para continuar a cumprir as regras de Bruxelas, o saldo primário terá de voltar a crescer em 2018.