Em entrevista à TSF e Diário de Notícias, Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças, fala sobre o estado da banca no país, com atenção para o Novo Banco e CGD, mas também do défice e da dívida.
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Os bancos, durante anos, foram os pilares da economia. Até ao dia em que uma crise, que começou com o subprime, provocou um tsunami e, só em Portugal, já deitou ao chão quatro bancos. Fernando Teixeira dos Santos, em 2008 ministro das Finanças, anunciava ao país que o BPN ia ser nacionalizado. Três anos depois o banco foi vendido aos capitais angolanos do BIC. E agora o BIC, em Portugal, tem como presidente Teixeira dos Santos que, em entrevista ao Dinheiro Vivo/DN e JN, comenta o estado da banca e da nação.
Nacionalizou o BPP e agora preside ao BIC que ficou com o BPP. As voltas que a vida dá.
É verdade. Estava longe de imaginar que passados estes anos, depois da decisão que teve de ser tomada, em 2008, que estaria na posição em que estou. Mas assim é um desafio, devo dizer, interessante e bastante estimulante, estar à frente de uma instituição bancária nesta conjuntura.
O BIC fechou os resultados de 2016 na sexta-feira e prepara-se para os apresentar. Correu bem o ano?
O ano correu bem e correu mal, noutros aspetos. Bem em termos de evolução do negócio, aumento do número de clientes, aumento do crédito concedido, aumento do volume de depósitos, de evolução da margem financeira, que, no fundo, é a medida da atividade e dos proveitos originados pela atividade bancária. Sob esse ponto de vista correu bem, com um resultado operacional positivo. O banco, todavia, esteve sujeito a outros efeitos - que têm a ver, ainda, com sequelas que afetaram a nossa economia e algumas empresas portuguesas - e também efeitos externos, neste caso brasileiros -, que afetaram a chamada carteira própria do banco de títulos que o banco detém, obrigando-nos a registar imparidades significativas. Portanto, fazendo com que apesar dos resultados...
Qual é o valor?
Eu já refiro. Isto fez resultados operacionais positivos, mas fez com que os resultados globais acabassem por ser negativos na ordem dos 22 milhões de euros. Todavia, o banco teve um aumento de capital significativo ao longo de 2016 e fechámos o ano com um rácio de solvabilidade da ordem dos 11,9%, o que, de facto, nos dá uma robustez financeira, bastante confortável. E o cost to income baixou 10 pontos percentuais nos últimos três anos, de 77,3 para 67,4 pp.
E qual é o nível de imparidades?
O nível de imparidades: nós, neste momento, eu diria... Preferia falar não das imparidades em si, porque o valor absoluto pouco dirá a quem ouvir ou ler... No que tem a ver com crédito em risco, o que eu posso dizer é que o crédito em risco líquido já das imparidades, deduzidas as imparidades que temos e as garantias que temos, representa somente 1,3% do ativo total do banco. Portanto, nós, no contexto do setor bancário português, estamos com um nível de crédito em risco líquido bastante baixo, o que salienta essa solidez financeira que eu referi da instituição.
Qual é a estratégia do banco BIC para Portugal, até ao final da década?
Queremos ser, até ao fim esta década, um banco de referência entre os bancos de média dimensão no panorama nacional. E, por isso, a nossa estratégia é de aposta numa vocação de banco de retalho: muito orientado para os particulares e orientado para as pequenas e médias empresas e para pequenos negócios. E é com este intuito que a estratégia está definida e está a ser implementada. Temos progredido significativamente nestes últimos meses, por exemplo, na área do crédito à habitação, que tem vindo a ter um maior dinamismo - não só no BIC, mas noutros bancos. Mas, o BIC, tem vindo a ser capaz de se afirmar com uma oferta bastante competitiva e a ter um desenvolvimento muito positivo da sua atividade neste domínio. Estamos a desenvolver, também, a estratégia de crédito às pequenas e médias empresas, até num esforço de diversificar muito mais a nossa carteira de crédito, neste segmento. E a levar a cabo uma transformação que passa por rever processos, torná-los mais eficientes. Hoje em dia, como sabemos, a transformação digital na banca é um desafio incontornável e o banco BIC está, de facto, a preparar-se para uma entrada nesse domínio.
Qual é a ambição de resultados para 2020?
Nós gostaríamos de consolidar estes indicadores financeiros que temos, de ter um crescimento orgânico, otimizando a base de capital de que o banco dispõe, ampliar o crédito e a ambição é, nos próximos anos, aumentar o crédito concedido, quer às famílias quer às pequenas e médias empresas, em cerca de 1,4 mil milhões de euros. E isto é algo que o banco pode fazer sem exigir aos acionistas qualquer esforço adicional de aumento de capital.
O BPN foi estratégico para crescer. Admite fazer mais aquisições?
Não, não está nos nossos planos vir a fazer aquisições de outras instituições. O banco BIC é um banco de média dimensão. Pretende consolidar uma posição forte no sistema bancário, com essa dimensão. Pensamos que não é preciso crescer para podermos ser um banco sólido e confiável, merecer, ao fim e ao cabo, a confiança dos seus clientes e de ser capaz de prestar serviços de elevada qualidade, quer às famílias, quer às pequenas e médias empresas e pequenos negócios do nosso país.
O BIC tem como acionista de referência a empresária angolana Isabel dos Santos. As relações deterioradas entre Portugal e Angola prejudicam, de alguma forma, o negócio?
Antes de mais, penso que não é bom para ninguém um problema ou mal-entendido que possa gerar dificuldades entre Portugal e Angola. Creio que Angola é um país e uma economia importante para a lusofonia e é, sem dúvida, importante para o nosso relacionamento externo, em vários domínios e, em particular, no económico e financeiro. E, portanto, não seria bom, nem para os bancos nem para as empresas, qualquer problema nesse relacionamento.
Creio que o que tem vindo a afetar mais a relação com Angola não são propriamente episódios como aqueles a que temos vindo a assistir mais recentemente que possam, ao fim e ao cabo, influenciam o tipo de relações no domínio político-diplomático entre os países, mas as dificuldades que a própria economia angolana tem vindo a atravessar nos últimos anos, que resultaram da forte quebra do preço do petróleo. A quebra do preço do petróleo teve efeitos muito significativos no domínio financeiro, no domínio orçamental...
Com reflexos no banco BIC,em Portugal?
Sem dúvida que as dificuldades que Angola tem em dispor de divisas para fazer pagamentos externos influenciam negativamente as relações com as empresas que faziam lá negócio. Tendo dificuldades em obter essas divisas, têm dificuldades depois com os bancos que os financiaram. Portanto, estas dificuldades que existem e acabam por prejudicar quer as empresas quer os próprios bancos que apoiam essas empresas. Portanto, eu estou mais preocupado é com o desenvolvimento neste domínio, porque estou certo que, sob o ponto de vista político-diplomático, todos têm consciência da importância que um e outro país tem e que a relação mútua forte deve prevalecer. Estou certo que o que tem vindo a estar presente nos jornais são episódios que serão ultrapassados, que em nada irão prejudicar, numa perspetiva de médio-longo prazo, aquilo que deve ser uma boa relação entre os dois países.
Tudo indica que haverá eleições em Angola, este ano. Está otimista em relação ao processo eleitoral?
Sim, não tenho razões para ter qualquer pessimismo. Os angolanos são soberanos e devem escolher o seu destino e quem os oriente no seu destino. Portanto, encaro isso com toda a tranquilidade. Portanto, não vejo aí qualquer problema ou qualquer motivo de preocupação.
Revê-se nas críticas que muitas vezes vêm de Angola de que Portugal trata mal aquele país?
Não, não, não, não, não tenho que me rever nessas críticas. Penso que o que isso, no meu entender, mostra é a necessidade de haver um diálogo mais intenso. Porque nós vivemos aqui num quadro jurídico diferente, numa vivência europeia diferente, numa sociedade que já fez também o seu percurso num contexto diferente - e muito diferente do angolano - e, muitas vezes, aquilo que para nós é normal e natural e nem nos questionamos, por ventura noutros quadros culturais e históricos e até institucionais pode ser mais difícil de entender. E, daí, poder justificar alguns reparos e até, eventualmente, alguma acrimónia com aquilo que se passa. Portanto, eu acho que não vale a pena ripostar no mesmo tom. Eu acho que o que deve haver é um esforço de esclarecer e de justificar porque é que as coisas ocorrem como têm ocorrido. E, portanto, eu penso que se houver esse esforço muito serio e transparente de explicação, que ajudará a ultrapassar muitas dessas situações. Eu penso que, nesse sentido, o diálogo é sempre algo de fundamental para se ultrapassar problemas dessa natureza.
Voltando a Portugal, a venda do Novo Banco à Lone Star é uma boa opção, na sua opinião?
Eu não tenho informação que me permita avaliar se esta é ou não é uma boa opção. Portanto, a única coisa que eu posso dizer é que não tenho razões para duvidar ou desconfiar do processo que foi seguida, da avaliação que foi feita, que deu neste resultado. Isto é, é essa a única entidade que, dada a tramitação ou o seguimento que o processo teve, é essa a entidade que está em condições para a aquisição do banco. Portanto, eu não tenho razões para questionar todo o processo que levou aa essa solução.
Mas defende a venda do Novo Banco em detrimento da nacionalização?
Eu defendo a venda. Eu não acredito que a nacionalização do Novo Banco fosse a solução para o Novo Banco. Acho que nós vivemos uma conjuntura difícil para a atividade bancária, num ambiente ainda de muitas incertezas, com taxas de juro muito baixas, que faz com que aquilo que é, eu diria, a fonte normal de receitas - que é a chamada margem financeira - é muito difícil, com taxas de juro tão baixas. Os bancos têm um grave problema de rendibilidade.
Os bancos portugueses, nos períodos da crise - praticamente desde 2011 até agora -, perderam, em termos de prejuízos acumulados, qualquer coisa como 14 mil milhões de euros e o retorno do capital próprio dos bancos ainda continua em terreno negativo. Portugal é, no quadro europeu, ainda dos países com mais baixos retornos de capital investido nos bancos. Portanto, não é um negócio rentável para os acionistas dos bancos. E, portanto, eu não confio em bancos que não sejam rentáveis. Temos, de facto, de mudar este panorama da banca europeia e também da banca nacional e isso requer um esforço. Um esforço mudança e, eu diria até, de alguma inovação na prestação de serviços, com novas fontes de receita para os bancos, e também de grandes ganhos de eficiência na operação, de redução de custos. Ora bem, o Novo Banco tem esse desafio. E, porventura, ainda pairam sobre o Novo Banco contingências de todo o processo de resolução do antigo BES que, porventura, poderão preocupar ou serão um fator de risco e de alguma incerteza que podem perturbar a avaliação do banco.
Defende agora a venda do Novo Banco mas enquanto ministro das Finanças nacionalizou o BPN. São dois contextos completamente diferentes. É por isso que defende soluções diferentes?
Exato. Porque, na altura em que o BPN foi nacionalizado, nós não tínhamos os instrumentos jurídicos de intervenção que estavam disponíveis quando foi a resolução do BES. Portanto, o quadro legal de que nós dispúnhamos em 2008 era um quadro que apontava e era a solução que era possível à luz do quadro legal existente era a nacionalização. No quadro da união bancária que, entretanto, foi criada e com o suporte jurídico que, a nível comunitário, foi definido e transposto - que, parte, é legislação comunitária, outra parte também transposta para a legislação na nacional - permitiu este tipo de solução ou de resolução do caso BES sem ser através da nacionalização. Coisa que não foi possível em 2008.
Foi uma boa solução, aplicar o fundo de resolução? Já se ouviram muitas críticas.
Eu, pessoalmente, tenho muitas duvidas que essa tenha sido a melhor solução. Atenta a dimensão e importância sistémica do banco BES no panorama bancário nacional, dado que tínhamos um fundo de resolução que, em boa verdade, ainda não estava dotado de meios financeiros, a solução do BES através da resolução acho que não vai aliviar os cidadãos do ónus da resolução do BES da forma como foi inicialmente anunciada.
E como continua a ser anunciado, porque o governo continua a dizer que os cidadãos não vão pagar?
Não me parece que isso venha a acontecer. Pelo seguinte: é certo que aquilo que são as perdas imputáveis ao processo estarão no fundo de resolução que vão ser suportadas pelos bancos nos próximos 30 anos. E é um encargo que os bancos vão ter de reportar nos próximos 30 anos, que vai ser repercutido nos cidadãos, nos consumidores dos serviços financeiros. Nós vamos todos pagar isto. Vamos todos pagar isto. Porque os bancos, pagando ao fundo de resolução, vão repercutir esse custo necessariamente na sua operação e os utilizadores da banca vão, ao fim ao cabo, vão ser eles que vão ter de pagar isto.
O que quer dizer é que mesmo com a venda, se o fundo de resolução ficar com 25%, será um encargo sempre presente?
Ora nem mais! A venda à Lone Star, quando foi anunciada, dizia-se que a Lone Star queria até uma garantia do Estado, precisamente para acautelar algumas contingências que ainda pudessem vir a afetar o valor do Novo banco. O facto de esta solução, que foi anunciada, de o Estado manter 25% da participação no banco, por um lado, e, por outro lado, ser um parceiro mudo, sem qualquer interferência na gestão ou até nem sequer com direito de voto é uma forma de partilhar um risco da operação em 25%. Portanto, é uma forma também de garantir que o Estado vai suportar, por essa via, aquilo que possam vir a ser as vicissitudes no futuro do Novo Banco.
O que está a dizer é que é uma garantia do Estado, mas disfarçada com outro nome?
É uma garantia do Estado, na medida em que o Estado, como acionista, assume aqui um risco, que pode correr bem ou pode correr mal, isso é inerente à solução do risco. Com certeza que, se a operação do banco correr muito bem e o banco se valorizar, a participação do Estado vai valorizar-se e o Estado também ganhará com isso. Mas se houver problemas no banco, se correr mal, o Estado vai ter de suportar os custos desses desenvolvimentos. Se, por ventura, esta participação - e isso para mim é algo que ainda não é claro - em vez de ser detida elo Estado for detida pelo próprio fundo de resolução, que é outra hipótese ventilada, bem, de qualquer modo, será algo que, se correr bem, será benéfico para o fundo de resolução, se correr mal, os outros bancos vão ter obviamente de arcar com as consequências de eventuais desenvolvimentos menos positivos.
O fundo de resolução em uma cotização dos bancos mas, no fundo, é do Estado?
Sim, exato. Mas acabam por ser depois os próprios bancos a terem de suportar a fatura.
Faria sentido o modelo que se conheceu esta semana em que o Estado poderia ficar com 25% do banco sem direito de voto e sem poder nomear administradores? E tendo em conta até este risco que está a assumir?
Pessoalmente, não me parece que faça muito sentido. Eu creio que se pretende aqui acautelar - e não sabendo o que se passa nos bastidores desta negociação -, uma exigência a nível comunitário. Isto tem a ver um pouco com a questão que há pouco estava a colocar de saber se a nacionalização se justificaria ou não agora em vez da venda. E o que eu ia dizer é que não me parece que a nacionalização agora fizesse sentido pelo seguinte: o banco tem os seus desafios - vai ter de melhorar a sua eficiência, terá de reduzir custos, fala-se em fecho de balcões, em redução de pessoal - e eu não acredito que se o banco ficasse na posse do Estado pudesse levar a cabo um plano de restruturação e de ganho de eficiência que seria necessário.
Veja-se o que se está a passar com a Caixa Geral de Depósitos. A Caixa que, segundo foi anunciado, precisará de reduzir também o seu pessoal e fechar balcões e há logo um processo político em torno deste tema, e veja-se a pressão que é feita para que a Caixa, de facto, não melhore a eficiência da sua operação. Imagino também que o mesmo se passaria no Novo Banco. Portanto, a ideia de que nacionalizando o banco isso permitiria preparar melhor o banco para o vender melhor mais tarde, eu não acredito nisso. Porque o banco iria, enquanto entidade estatal, ser confrontado com pressões e resistências políticas que iriam impedir o banco de prosseguir o seu caminho, no sentido da sua valorização.
Acho que, sendo um problema que temos para resolver, é do interesse do país e é do interesse do sistema financeiro, e até diria do sistema económico-financeiro em geral do país, que isso se resolva de uma vez por todas. Não me parece que o arrastar do problema no tempo venha a trazer qualquer benefício. Pelo contrário, a experiência mostra-nos que quanto mais tempo demoramos a resolver esses problemas, por regra, maior é a fatura que vamos ter de suportar. Essa, aliás, devo reconhecer, é, ao fim e ao cabo, a grande lição que temos de tirar do caso BPN, por exemplo.
"Não acho que a CGD tenha sido mal gerida"
Como se explica que a Caixa Geral de Depósitos tenha chegado a esta situação. Foi um banco mal gerido?
Eu não acho que o banco tenha sido mal gerido. Eu recordo, e já referi, que houve 14 mil milhões de perdas no conjunto dos bancos portugueses. Nos atravessámos, nos últimos anos, a maior recessão de que o país em memória. Foram três anos consecutivos de crescimento negativo. Nós hoje ainda estamos com um nível de PIB, produto interno a preços constantes, ou o chamado PIB real, que ainda está cerca de 7 mil milhões de euros abaixo do que era em 2008, quando a crise se iniciou. Portanto, o país ainda não recuperou inteiramente de toda esta crise. Quando um país atravessa uma prolongada de recessão económica, como o que tivemos entre 2011 e 2013, onde muitas empresas fecharam e muitos portugueses foram arrastados para o desemprego - sendo que as famílias até forma mais resilientes do que a empresas, neste processo - que detêm o dinheiro dos bancos, e quando a economia está em dificuldade e as empresas estão em dificuldade, as empresas têm dificuldade em pagar os seus empréstimos e os bancos têm dificuldades. Nós assistimos, de facto, a uma crise prolongada que fez com que os níveis de incumprimento, as tais imparidades de crédito, viessem ao de cima durante este período. Que no meio disto haja uma ou outra operação se calhar mais discutível, não ponho isso de lado, mas se se identificarem operações dessas e que sejam suspeitas do ponto de vista criminal, as autoridades que resolvam. Agora, nem todas as operações que foram feitas de financiamento, que correram mal, foram feitas com propósito fraudulento. Não. Não me parece que tenha sido esse caso. Repare que isto afetou todos os bancos e, aliás, a Caixa até nem foi, por comparação com outros grandes bancos do nosso sistema, dos mais afetados em termos relativos. Teve até um desempenho um pouco melhor do que outros grandes bancos do nosso sistema. Portanto, eu acho que teve a ver, um pouco, muito com esta situação.
Teve responsabilidades diretas sobre a Caixa, quando era ministro das Finanças, e escolheu um conselho de administração para a Caixa...
Escolhi dois, até.
Quando escolheu Armando Vara fê-lo por considerar que era um bom gestor bancário?
Sim.
E não se arrepende disso?
Não... Atenção! Eu acho que - e não tenho, para já, motivos e as questões que têm vindo a ser levantadas, para mim, ainda estão por esclarecer -, neste momento, não tenho razões para dizer que foi uma má escolha e, naquele momento, era uma pessoa que conhecia, com quem tinha trabalhado no governo, uma pessoa que conhecia a Caixa, porque tinha lugares de elevada responsabilidade na Caixa e, portanto, era uma pessoa que me dava confiança para cumprir um cargo: o cargo para que foi, ao fim e ao cabo, convidado e que aceitou. Não tive, na altura, quaisquer dúvidas quanto à sua capacidade, que, aliás, revelou. Revelou ao longo do período que esteve na Caixa ao ponto de quando o dr. Santos Ferreira foi convidado para ir para o BCP entendeu convidar o dr. Armando Vara para o ir consigo para o BCP, porque lhe reconheceu capacidade e competência, porque o mostrou, enquanto esteve como administrador da Caixa. Portanto, isso, para mim....
As notícias não o assustam?
Não é questão de ficar assustado. Agora, é evidente que fico preocupado com as notícias que vejo, não é? Porque não me agradam. Aguardo, com calma e pacientemente, que as coisas sejam esclarecidas e que os contornos das operações que têm vindo a ser apontadas sejam esclarecidos. Para mim não é claro que houvesse um intuito fraudulento nessas operações. São operações de financiamento de projetos imobiliários, como houve muitos, que, com a crise, as coisas não correram como se esperavam no momento em que os projetos são delineados, são submetidos à apreciação das instituições e quando se decide dar crédito. Porque, atenção, isto de se conceder um crédito num projeto desta natureza não é uma decisão de um homem. Isto passa pela área comercial do banco, pela avaliação do risco, pelo conselho de crédito, que reúne membros da administração, da área comercial, da área do risco. Essas operações devem seguir esta tramitação esta decisão, não é a decisão de um homem. Portanto, eu espero que tudo isto se esclareça.
"O resultado do défice, devo confessa, foi em termos de um par de décimas, melhor do que aquilo que se poderia antever"
Ficou surpreendido com os últimos números do défice?
Surpreendido não fiquei, embora tenha ficado, eu diria, em termos de décimas, surpreendido.
Foi melhor ou foi pior do que esperava?
Já há uns meses a esta parte que se tornou claro que o governo iria reduzir o défice de forma significativa, aliás, porque assumiu um compromisso claro a nível europeu nesse sentido. E penso que o sucesso político do governo passava muito por isso, por assumir, até para serenar os mercados e os parceiros europeus, assumir esse compromisso. E, a partir desse momento, para mim tornou-se claro que o governo iria estar muito empenhado em ter um bom resultado orçamental. O resultado, devo confessar, foi, em termos de um par de décimas, melhor do que aquilo que se poderia antever. Mas, independentemente de mais décima, menos décima, sem dúvida que é um resultado importante. Por um lado, para a credibilização do governo e para a confiança que o governo pretende ter dos agentes económicos, quer internos, quer externos, na sua capacidade de respeitar compromissos comunitários - que era algo de que se duvidava há um ano ou há pouco mais de um ano. Portanto, eu acho que, nesse sentido, o governo teve uma vitória e espero que continue empenhado - e não tenho razões para duvidar disso - em prosseguir na manutenção deste rumo orçamental, que eu acho que é importante. E é importante também porque Portugal saindo, com este resultado - e, aliás, o próprio comissário europeu responsável por estas matérias já o sinalizou -, saindo Portugal do chamado procedimento dos défices excessivos, isso permitirá que, daqui em diante, a própria gestão orçamental possa tirar partido de alguma margem de flexibilidade que o chamado tratado orçamental tem e que a Comissão Europeia reconhece, podendo permitir um esforço adicional de investimento público na nossa economia.
Essa é a grande lacuna?
Eu penso que não é benéfico para a economia manter um nível de investimento público tão baixo como aquele que atingimos agora. O investimento privado, em 2016, teve uma evolução positiva, o investimento privado. O investimento público teve claramente uma evolução negativa. O que fez com que o investimento, no seu conjunto, teve ma evolução muito ligeira. Muito ligeira! Ora, nós precisamos de mais investimento na nossa economia. Ainda há pouco li alguma informação sobre o chamado Plano Juncker de Investimentos. Já cerca de quase metade do dinheiro inicialmente previsto para o Plano Juncker foi gasto, cerca de 170 mil milhões de euros já foram gastos. E não foram países como Portugal ou a Grécia ou outros países em dificuldade que mais beneficiaram desse plano, contrariamente àquilo que eu acho que deveria ser. Eu acho que este plano deve ser ou deveria ser uma forma de, através do investimento, poder dinamizar mais as economias afetadas pela crise. E Portugal não tirou partido ou não tem vindo a tirar partido deste enquadramento europeu e deste tipo de investimentos que envolvem fundos comunitários e envolvem financiamento do Banco Europeu de Investimentos. Ora, no quadro de saída de Portugal do procedimento de défices excessivos eu penso que alguns projetos públicos, em áreas que sejam consideradas importantes e estruturantes para o país e que possam arrastar também o investimento provado, é importante que se faça essa aposta.
"Renegociar a dívida? Não deve ser Portugal a atirar a toalha ao chão"
E a dívida portuguesa, deveria ou não ser renegociada?
A Europa tem de fazer alguma coisa mas Portugal não ganhará nada em sinalizar intranquilidade sobre isso. É um problema que deve ser resolvido ao nível comunitário. Não deve ser Portugal a atirar a toalha ao chão.