"O mais difícil é convencer os sucessivos governos de que a música é uma indústria geradora de valor com impacto no PIB e sem precisar de investimento intensivo"
Entrevista A Vida do Dinheiro com Miguel Carretas, diretor geral da Audiogest
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A opinião do diretor geral da Audiogest que tem pronto um pacote de medidas para negociar com a nova ministra da cultura para o sector, incluindo benefícios fiscais para consumidores e também para artistas.
Para Miguel Carretas, a industria portuguesa da musica está a crescer, mas sub-aproveitada e longe dos tempos das vendas físicas (em 2014 chegou a valer 1/10 do que tinha valido antes).
No final do 1º semestre do ano, as receitas geradas a partir do consumo de músicas portuguesas nas plataformas digitais acompanharam o crescimento das receitas totais do streaming e são as maiores de sempre.
Com 21% de repertório nacional, o streaming de artistas portugueses gerou receitas cerca de quatro vezes maiores em comparação com o ano de 2019.
A Audiogest, Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos, só na atividade de licenciamento e cobrança dos direitos de execução pública atingiu resultados históricos em 2023, ultrapassando os 10 milhões de euros para produtores e artistas.
Este desempenho representa um crescimento notável de 26% em relação a 2022, posicionando a Audiogest com o maior crescimento da Europa nesta categoria de direitos.
Nesta altura, o diretor da Audiogest, considera que é urgente Portugal acelerar transposição da legislação europeia relativa ao streaming gratuito para streaming pago por subscrição.
Espera assinar um memorando com a nova ministra da cultura que acautele todas as propostas já discutidas na anterior legislatura no parlamento e adianta que é um pacote que inclui benefícios fiscais ao nivel de IRS, IRC e IVA que gostava de ver incluindo no orçamento do Estado para 2025.
Em 22 anos à frente da Associação, confessa que a tarefa mais difícil tem sido convencer os sucessivos governos que a música é uma industria geradora de valor, com impacto no PIB e sem precisar de investimento intensivo.
Miguel Carretas é licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, tem formação em Música e conhece a Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos desde que a Audiogest nasceu em 2002, da qual é hoje diretor-geral. Passou pela assessoria jurídica e pela liderança de outras entidades desde a dobragem do milénio, como o Grupo COFACO, a AGECOP, a Associação para a Gestão da Cópia Privada. Hoje também representa a Audiogest em organizações como o Conselho Nacional de Cultura, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica e a Associação contra a Pirataria na Internet. É ainda autor de várias publicações, livros, revistas de especialidade e crónicas em jornais, nas quais se foca na questão da propriedade intelectual. Que diagnóstico faz à indústria portuguesa da música?
A indústria portuguesa na música está, neste momento, com uma tendência de claro crescimento. Os números indicam isso. Mas, por outro lado, os números indicam-nos também que podíamos estar bem melhores em termos de valores de vendas. Ou seja, a potencialidade que a indústria da música em Portugal tem está, apesar do crescimento dos últimos anos, subaproveitada. Quando cheguei, e fez agora um breve resumo de uma série de coisas que fiz na vida, quando cheguei a este setor em 2002, vindo do setor das conservas, a COFACO era um grande grupo conserveiro, portanto, passei das conservas para a música, e repare que este setor valia qualquer coisa como 115 a 120 milhões de euros. E, na altura, as vendas eram só físicas. Portanto, quando hoje falamos nas vendas, e estamos a crescer, que rondam os 37 milhões de euros, ainda assim, estamos a falar de uma quebra brutal comparado com os tempos áureos da indústria da música. Ou seja, a música, em geral, perdeu valor. E isto é um fenómeno que não é só português. E não é só da música. Ou seja, a digitalização perdeu valor. Isto é, há uma parte do valor que, naturalmente, seria perdido, que é a parte dos custos de distribuição, quando se passa do físico para o digital. De facto, reduzem-se a alguns custos de distribuição, mas curiosamente não se reduzem todos. Hoje a forma de distribuir música é completamente diferente e a lógica não é que o valor dos álbuns, o valor de um álbum digital, seja o mesmo valor que de um LP há 20 anos. Isso não faria sentido. Agora, a questão é que deixemos muito, mas muito mais, do que esse descontar de valor da distribuição ao longo dos anos. E em 2014 batemos no fundo, com esta indústria a valer apenas 14 ou 15 milhões. Portanto, um décimo daquilo que já tinha valido.
Já vamos a formas de sobreviver, mas para já também queria perceber, com o novo quadro de saída das eleições europeias, e face às condições da atual legislatura em Portugal, o que é que considera que deve ser prioritário neste governo, no vosso domínio de atuação?
O que é mais difícil, o que tem sido até hoje mais difícil convencermos os governos e os decisores políticos, é que o setor das indústrias culturais e criativas é também um setor gerador de riqueza. Nós também somos indústria. Contribuímos para o PIB com exportações. Contribuímos, as indústrias culturais e criativas têm esta característica, o valor acrescentado bruto em percentagem da receita, ou do volume de negócios, é fantástica. Porquê? Porque depende essencialmente daquilo que nos está entre as orelhas. Portanto, não depende de capital intensivo e cada vez menos depende de grandes estúdios. Eu arriscaria dizer que hoje as músicas mais vendidas em Portugal não são feitas em grandes estúdios, nem tiveram um grande custo de produção. O que é que têm hoje? Têm um enorme custo de distribuição. Então qual é o problema que Portugal tem? Portugal tem o problema de escala. O negócio digital é um negócio que só é rentável numa escala maior do que era o negócio físico e a distribuição física de música. E nesse sentido, temos um problema de escala desde logo porque temos os habitantes que temos. E não estamos a ser capazes de fazer duas coisas que temos vindo a pedir aos sucessivos governos. E vamos voltar a pedir a este. Embora tenhamos muita esperança, porque houve na legislatura passada propostas do PSD exatamente no sentido que já vos direi. E, portanto, não quero acreditar que aquilo que era bom para o PSD na oposição não é bom para o PSD no governo. Parte do princípio de que há uma coerência, uma linha de apoio coerente. Mas vou-vos dar um exemplo. Uma das coisas que é essencial é que Portugal faça a transição mais depressa do que está a fazer, não estou a dizer que não está a fazer, mas está a fazer mais lentamente do que noutros países, do streaming gratuito, portanto, suportado por anúncios e gratuito para o consumidor, para o streaming por subscrição, pago pelo consumidor. Porque é que isto é importante? Porque cada streaming por subscrição tem o valor equivalente a seis streamings em plataformas suportadas por anúncios. Isto não é muito difícil fazer as contas para perceber que o nosso mercado seria bem, mas bem maior, se conseguíssemos fazer essa transição. E por exemplo, temos propostas concretas para isso. Apresentámos uma proposta aos grupos parlamentares aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2024 que se propunha apoiar fiscalmente a subscrição de streaming. E provámos uma outra coisa. Provámos que, para mais, esta medida não só não tinha um saldo negativo para o Estado como até tinha um saldo positivo. Esta medida não foi acolhida, mas foi proposta pelo PSD. Estas alterações foram apresentadas pelo PSD como propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2024. Bom, o que é que esperamos? Esperamos que elas estejam, e não é só esta, já lhe direi, obviamente vertidas na proposta do Orçamento do Estado para 2025. Outra coisa para nós não faria sentido. Por exemplo, outra questão, que é uma disparidade também detetada, entre os apoios que há à propriedade industrial, marcas, patentes, há apoios fiscais em sede de IRC, e a inexistência de apoios ao direito de autor, exceto direitos de autor sobre programas de computador, como se fôssemos um país que tivéssemos grande indústria tecnológica. Não tenho nada contra o apoio que é dado aos direitos de autor sobre programas de computador, nem contra o apoio que é dado à propriedade industrial, que precisamos muito dela. A questão é, não faz sentido que, paralelamente, também não seja dado um apoio ao licenciamento de direitos de autor. Como? Eventualmente através de uma majoração em sede de IRC das despesas. Vou dar um exemplo. As empresas são tipicamente empresas que contratam estes licenciamentos de direitos de autor. Por exemplo, a TSF tem um acordo connosco, através do qual remunera as músicas que passa, não é? Como devem calcular, outras rádios que passam mais música pagarão valores maiores. É assim mesmo. Estamos agora a começar a licenciar as rádios locais e este custo, apesar de ser, a nosso ver, absolutamente miserável, é de longe a tarifa mais baixa da Europa, mas foi decidida por uma comissão arbitral ad hoc e, portanto, respeitamo-la, ainda assim é um custo que parece relevante para as rádios locais. E admito que sim, as rádios locais sofrem tremendos problemas. Estava aí uma boa forma de incentivar, pela positiva e não pela negativa, não pela perseguição judicial, ao cumprimento. Se tivéssemos um incentivo, se o pagamento da licença pudesse descontar em sede IRC, 120%, por exemplo, isto é uma calibragem que depois compete às finanças fazer, se calhar estávamos a fazer um incentivo sério às empresas para se licenciarem.
E já teve oportunidade de apresentar estas propostas ao novo governo?
Já escrevemos ao novo governo e estamos à espera de uma oportunidade para as apresentar. É verdade que o fizemos há muito pouco tempo, porque entendemos que o que fazia sentido não era só pedir uma reunião, era pedir uma reunião, mas que ela fosse acompanhada de um memorando explicativo de cada uma destas questões em detalhe. Porque uma reunião para nos dizerem que vão avaliar não deixa de ser uma boa vontade, mas não passa disso. E, portanto, quisemos fazer acompanhar esse pedido de um memorando. Ou seja, quando chegarmos a essa reunião, que esperamos vir a ter com a Sra. ministra da Cultura, que é quem tem a nossa tutela, aquilo que esperamos é que ela saiba já ao que vimos e que possa começar a ter algumas posições sobre isto.
E considera que no atual quadro parlamentar seja possível avançar com essas medidas?
No essencial, o apoio às indústrias culturais e criativas, sobretudo na área do direito de autora, e as alterações ao Código de Direito de Autor sucessivas, têm sido objeto de um muito amplo consenso na Assembleia, às vezes unânime, tradicionalmente as alterações ao Código de Direito de Autor eram aprovadas por unanimidade. Nos últimos tempos é mais complicado de o fazer, mas em particular os dois maiores partidos nacionais, o PSD e o PS, normalmente coincidem nestas posições. Como é evidente, quando um está no governo é mais conservador em relação a alterações ao orçamento do que o que está na oposição. É natural que assim seja, compreendemos esse fenómeno, mas achamos que há contexto para isso. A não ser que haja aqui uma alteração radical das posições. Por exemplo, o PSD propôs também, e muito bem, uma uniformização do regime de IVA aplicado às entidades de gestão coletiva. É por incrível que pareça, e isto tudo decorre apenas de uma interpretação, que dizemos que é errante e errónea, do fisco que anda à deriva nestas matérias, por incrível que pareça, diferentes entidades de gestão coletiva têm pareceres vinculativos do fisco completamente opostos, diametralmente opostos, com frases diametralmente opostas. Só o não é que muda, de facto. Não só é escandaloso do ponto de vista daquilo que deveria ser o princípio da igualdade de tratamento fiscal, como cria problemas concretos. Não só a nós, mas aos utilizadores. Porquê? Porque estamos obrigados legalmente a criar balcões de licenciamento conjunto. Ora, estes balcões de licenciamento conjunto dificilmente podem funcionar se o regime aplicável aos meus custos for diferente do regime aplicável aos custos dos outros. Estamos todos a beneficiar, mas o custo para um e para o outro não é igual. Portanto, isto gera aqui algumas disfunções graves no sistema. Ainda em matéria fiscal tínhamos uma proposta em sede de IRS. A lógica da proposta que temos em sede de IRS é a tal das famílias poderem, querendo, descontar a subscrição dos serviços de streaming. Obviamente não é a totalidade de valor. Fizemos as contas a 20% e chegámos à conclusão que, se assim for, tendo em conta que, independentemente de as plataformas serem estrangeiras ou nacionais, o IVA que é cobrado vem todo para Portugal, como se sabe agora no regime de IVA intracomunitário. Portanto, o país destino desse IVA é Portugal e é cobrado à taxa de 23%. Sabendo nós, também, que isso vai permitir alimentar toda uma cadeia que paga IRC, que paga IRS, que remunera autores, que remunera artistas e que remunera margens de produtores, é evidente que é fácil de ver que, só com o IVA, é fácil de perceber que, provavelmente, o Estado ganha e não perde. Não há razão nenhuma para isto não ter sido feito. E o PSD apresentou essa proposta.
Com o advento da internet, como se distribuem as vendas nesta altura? Temos os dados do primeiro trimestre, mas tem dados já deste primeiro semestre, digamos, aqui tentar perceber qual o peso do streaming em relação ao vinil, por exemplo?
Os dados que temos consolidados são do primeiro trimestre deste ano. E esses dados consolidados dão-nos um valor, se olharmos para o streaming neste momento, de 7.600.000 milhões e se olharmos para as vendas físicas totais de 2.600.000 milhões, portanto, uma diferença significativa. Curiosamente, também, posso dizer que os dados relativos ao mês anterior, ao mês de Abril, já do segundo trimestre, mantêm esta tendência de crescimento.
E qual é a evolução face ao ano anterior? No mesmo período?
A evolução do mesmo período face ao ano anterior é de cerca de 15%. Agora, isto não nos pode fazer embandeirar em arco. Ou seja, sabemos que há uma série de fenómenos que podem levar a este aumento no primeiro trimestre. O difícil depois é mantê-lo e continuá-lo. Desde logo, há aqui algumas questões regulatórias que também entram nesta equação. Repare que não foi por acaso que a Audiogest, e aí sejamos justos, as outras entidades de gestão em Portugal, como a Sociedade de Portuguesa de Autores, como a Visapress, aquela que representa os jornalistas, como a GDIB, que representa produtores audiovisuais, fizeram um esforço muito grande para a aprovação da chamada diretiva dos direitos de autor no mercado único digital. Isso fez com que plataformas que ou não pagavam, ou não pagavam num esquema de verdadeiro licenciamento, estivessem sujeitas ao licenciamento. E, portanto, à medida que esses acordos vão ser feitos à escala europeia, porque são acordos internacionais, isso vai tendo depois repercussão também nos nossos valores. E não podemos pôr de parte esse efeito nestas contas.
Ou seja, o impacto da Lei do Mercado Único Digital.
Exatamente, da diretiva e da sua transposição.Não há dúvida, aliás, quando vamos ao concreto, é muito difícil de avaliar nestes números gerais e é difícil perceber porque é que isto acontece, não é? Mas quando vamos ao concreto, posso dizer que há cerca de dois meses falava com um associado nosso, que é produtor e artista também. A esmagadora maioria hoje dos nossos associados são produtores e artistas. A autoedição é uma realidade. Quando não são eles, é uma empresa controlada por eles. E, portanto, a maioria dos nossos associados é esse o substrato que temos hoje, completamente diferente daquilo que tínhamos há 20 anos. Portanto, houve uma evolução muito rápida nisso. E dizia-me esse produtor e artista que, naquele momento, aquilo que ele ganhava, e ele já não tinha maus rendimentos digitais, mas aquilo que ele recebeu do Facebook, que era uma destas plataformas que de repente ficou sujeita a estas obrigações, valia mais do que todo o resto das plataformas juntas. E tive a oportunidade para lhe dizer que quando nós incomodamos a pedir para subscrever estes pedidos, porque temos mais artistas a pedir a transposição da diretiva e a pedir uma diretiva justa, é para isto mesmo que estávamos a trabalhar. Também há algum impacto disso. Agora, há também um esforço enorme que esta indústria faz para promover cada vez mais os artistas. Ou seja, o custo hoje não está na gravação, está na promoção. E já falámos de uma forma de aumentar o mercado, que é passar, não aumentando o número de portugueses, mas passando para a subscrição. Mas há outra, que é conseguirmos internacionalizar cada vez mais os nossos artistas. E esse tem sido um desafio complexo e difícil. Neste momento, o único organismo que temos que está diretamente vocacionado para isto, além da Audiogest também estar a abrir uma série de atividades vocacionadas para isto, é esse organismo criado, que é o IPortugal. O IPortugal é uma espécie de gabinete de exportação, que é financiado praticamente exclusivamente pela Audiogest e pela GDA e depois com fundos comunitários que vai conseguindo ter. Podemos discutir os fundos comunitários, se estão certos ou se estão errados, se a sua política faz sentido ou não.
Devia haver apoios públicos?
É evidente, porque o que está mais que demonstrado, até por aquilo que disse há bocadinho do valor acrescentado à indústria da música, é que por cada euro, há contas feitas, por exemplo, nos países escandinavos e na Finlândia, Dinamarca, Suécia, que neste momento são países exportadores de música, com apoio estatal, e por cada euro que é investido, recebem nove. Portanto, vem nove para a economia do país. Quando defendemos os apoios, são apoios à promoção de uma indústria que pretende ser lucrativa, funcional e funcionar como indústria. Ou seja, estes apoios vêm alavancar o capital privado que está lá investido. Percebemos perfeitamente que há algumas áreas culturais que não vivem, nem podem viver, sem apoios estatais. Portanto, há expressões culturais que, quer pelo custo que têm, quer por não serem expressões culturais dirigidas ao grande público, terão necessariamente de ter apoios estatais para existirem. Não é disto que estamos a falar. Esta indústria não precisa de apoios estatais para existir, nem para produzir. O que este país precisa, e não somos só nós, era aumentar as exportações, nomeadamente de música.
E para que mercados?
Tanto para mercados europeus, que é uma coisa que os fundos europeus não ajudam, porque a lógica dos fundos europeus, e isso vai ter de ser mesmo feito através de fundos nacionais, a lógica dos fundos europeus é criar, pagando e artificialmente, uma coisa que não existe, que é uma cultura europeia. Não existe uma cultura uniformizada europeia. O que existe é que se algum traço da cultura europeia tem, é a diversidade. E esse deve ser o traço que deve manter. E esse é o traço que a torna mais vendável, talvez. E o que é que acontece? A lógica dos fundos europeus é, nós vamos pegar em artistas de vários países, ou produtores de vários países, da esmagadora maioria deles, que vão fazer ações conjuntas de internacionalização, de preferência para fora da Europa. Ou então vamos criar ações conjuntas que depois, de vários países e de artistas de vários países, portanto, quase forçando-os a um entendimento artístico, que é até um bocado infantil, esta lógica, para circularem pela Europa. Também há fundos para a circulação na Europa. O grande problema é que eles são quase todos de candidaturas conjuntas de vários países.
Portanto, é um circuito fechado onde não podem entrar facilmente?
Não. E não é só isso. É um circuito que está pensado sobretudo para independentes. Porque um artista que já está consolidado em Portugal, o que ele quer é vender noutros países. Bom, mas não é só na Europa. Temos um mercado enorme de língua portuguesa que temos de aproveitar.
Esses mercados devem ser prioritários ou nem por isso?
Na minha opinião, sim. Mas, mais uma vez, as decisões a serem tomadas, devem ser decisões de mercado e decisões da indústria da música. A Audiogest é uma associação de indústria e não é ela que decide pelos seus associados, mas na minha opinião e na opinião da associação, esses mercados devem ser prioritários. Os mercados de língua portuguesa, obviamente, devem ser prioritários. Eles precisam ainda de um grande desenvolvimento, não é? Exceto o Brasil, que é um mercado extraordinariamente desenvolvido, com o qual, apesar de conseguirmos algumas parcerias, e algumas delas bastante interessante, é obviamente um mercado que será sempre um mercado maior que o nosso, onde é difícil aos portugueses penetrarem, ao contrário da música brasileira em Portugal.
E incorporar esta área das artes, por exemplo, na promoção dos eventos corporativos? Estou a lembrar-me de feiras muito temáticas, viradas para o turismo, por exemplo. Isso já acontece?
Já vai acontecendo, de algumas formas, mas não é por acaso que nós quando nos dirigimos, como lhe disse à Sra. ministra da Cultura, queremos também dirigir ao turismo e ao sector da economia, à área que tutela a economia e à área que tutela as relações internacionais. Temos de perceber que quando exportamos a nossa cultura, estamos a exportar também a imagem de Portugal. Quando artistas nossos vão ao estrangeiro, estamos também a exportar uma determinada ideia do que é a portugalidade, do que é aquilo que se faz em Portugal. De uma forma mais interessante, se calhar, ou mais visível, do que outras formas de exportação. Temos uma excelente indústria de calçado, por exemplo, que exporta.
E há dados em relação às exportações desta área?
Não temos dados detalhados, temos algumas ideias, mas não gostamos de falar sobre números que não consigamos determinar com todo o rigor.
E o peso na economia, o contributo para a riqueza nacional? Consegue fazer-nos um retrato da importância deste setor?
Se olharmos para Portugal, o setor das ideias culturais e criativas, e não temos a desagregação em termos só de música e, portanto, é um setor bem mais abrangente do que a música. Tinha, em 2021, 38 600 empresas e empregava cerca de 64 194 pessoas, e o valor acrescentado para a economia em 2021 terá sido de 1,3 mil milhões de euros. Que é um valor muito significativo. É evidente que isto, por exemplo na área da música, vai muito além de edição discográfica, assim como também abarca setores como a comunicação social, que muitas vezes são aqui também colocados. A conta satélite da cultura é sempre uma coisa difícil de perceber tudo o que lá está dentro. Mas, se quiser, também ao nível europeu, temos dados, porque na falta de dados desagregados da música, ao contrário do cinema, tem dados desagregados. E também não é por acaso. E que tem um investimento do Estado fantástica, à produção. E atenção, o cinema tem de ter apoio à produção, mas a música não reivindica apoio à produção. São coisas diferentes. Nós reivindicamos apoio idêntico aos que há para o cinema, mas para a distribuição e a internacionalização. Isso faz todo o sentido. Porque esse é que é o custo. E não é só uma questão de dinheiro, é uma questão de estratégia. Quando dizemos que vamos falar com os negócios estrangeiros, é uma questão de estratégia. Quando dizemos que vamos falar com o turismo e economia, é uma questão de estratégia. Mas, na falta de dados, a Organização Internacional da Indústria Fonográfica, uma dessas organizações onde também participo, encomendou um estudo à Oxford Economics, que foi com base em dados de 2018. Portanto, estamos aqui a falar de dados com algum atraso, mas antes da pandemia, no período pré-pandemia, o setor da música contribuiu anualmente, de acordo com esses dados, com 82 mil milhões de euros para a economia da União Europeia. Incluindo na altura o Reino Unido, já agora, que é importante. E rendia 31 mil milhões de euros em impostos e gerava 9,7 mil milhões de euros em receitas de exportação. Portanto, para fora da Europa. O valor acrescentado bruto para a economia europeia do setor da música era 37,5 mil milhões de euros. Para termos um termo de comparação, por exemplo, isto equivale a qualquer coisa, em termos de valor acrescentado bruto, a 1,5 vezes superior ao contributo dos setores do vinho ou da cerveja europeus para o valor acrescentado bruto da Europa.
Ou seja, o potencial de crescimento em Portugal é ainda muito grande.
É ainda muito grande. E precisamos, de facto, desses incentivos, que num dos casos não custa ao Estado, em boa verdade, é um incentivo fiscal, mas que não tem custo para o Estado, até tem vantagem para o Estado, e que no outro, o custo que terá, e defendemos que isso seja medido, estamos a apoiar indústrias e, portanto, é muito importante que consigamos demonstrar se os apoios estatais estão ou não a atingir o seu objetivo. Quando o Estado apoia, quanto é que estamos a receber com as exportações? É muito importante medir isso para depois podermos calibrar e afinar políticas públicas.
Qual foi o impacto da pandemia e como é que está a ser a recuperação?
A pandemia afetou a indústria da música sobretudo no ano de 2021. Foi no ano, já agora, fazendo aqui um bocadinho a história daquilo que foi o papel da Audiogest, enquanto associação de indústria, no período da pandemia. No ano de 2020, juntamente com a GDA, artistas, a GDI, produtores audiovisuais, e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, na altura tinha condições para isso e esperemos que volte a ter, conseguimos criar um fundo, que tinha as limitações que tinha, mas que deu apoio imediato a pessoas que trabalhavam no setor cultural, ainda antes de haver qualquer fundo estatal a funcionar. Portanto, havia pessoas, técnicos até mais do que os artistas, que naquele momento que estavam a começar, ainda por cima, repare que a pandemia bate-se quando era suposto começar o grosso do trabalho deles, que é a primavera e o verão, que há muito mais espetáculos ao vivo. A rentabilidade para os artistas e para os técnicos todos é muito maior nessa altura, porque o inverno é um bocadinho como para as formigas, eles têm de ganhar no verão para pouparem no inverno. E quando estava a recomeçar, ou seja, quando o seu capital financeiro estava, supostamente, em valores mínimos, até porque em Portugal, infelizmente, na maioria dos casos, não dá para poupar, dá para viver, mas não dá para poupar, sobretudo os técnicos e muitos artistas, bate a pandemia. E demos ali um apoio imediato, em conjunto, criámos regras, regras claras e transparentes, para apoiar todos menos nós, todos menos os produtores. Os produtores podiam ser apoiados, mas de uma forma marginal e quase por carambola. E, portanto, no primeiro ano fomos solidários com todos os outros. No segundo ano, e na falta, novamente, de qualquer apoio estatal à indústria da edição, que acho interessantíssimo que quando se tratou de apoiar a indústria livreira, se tenham apoiado os autores porque não escreviam, as editoras porque não editavam e as livrarias porque não vendiam. Foi isso que aconteceu. Curiosamente, para a música não foi assim. Portanto, o Centro de Edição Musical não teve qualquer apoio. Então o que é que fizemos? Isto é muito interessante. Nós apoiámo-nos a nós próprios. Ou seja, temos de reservar algumas verbas para aquilo a que chamamos de fundo social e cultural e houve um entendimento dentro da associação que permitiu que, como, entretanto, também havia uma grande quebra de direitos e os direitos têm uma importância em Portugal muito grande para a indústria da música, aliás, é dos países do mundo em que o peso dos direitos nas vendas é maior.
Qual é o peso?
Cerca de 40%. Ou seja, comparando direitos e vendas, os direitos conexos cobrados pela Audiogest são cerca de 40% das vendas. Dentro da Europa é claramente o maior. Porque é que isto acontece? Acontece por duas razões: porque temos uma equipa muito boa e dedicada a cobrar direitos e porque temos um mercado musical abaixo das suas potencialidades. Aquilo que fizemos, só para terminar, foi apoiar-nos todos uns aos outros. E permitimos que quer os grandes conseguissem repor algum valor de direitos, porque tinham também de subsistir, também têm mais custos, e conseguimos depois entregar valores a todos os pequenos, independentemente dos direitos que geravam. Isso foi muito interessante, foi um mecanismo de solidariedade que foi conseguido e que ajudou.
Mas recuperaram em termos de receitas, entretanto, em 2024?
Entretanto, manifestamente, claro. Repare que o crescimento que temos acumulado do total da indústria de vendas e de direitos é de 65% de 2019 a 2023, números fechados. É evidente que houve aqui pelo meio perdas de direitos, isto era claro, era impossível, porque os utilizadores de música estavam fechados, os hotéis estavam fechados, as discotecas estavam obviamente fechadas, os grandes utilizadores não existiam, não era possível cobrar aquilo que não existia.
Mas as rádios existiam e houve aqui uma renegociação da quota das rádios, mas com o streaming aqui a representar quatro vezes mais os valores de 2019. A procura por parte dos portugueses destas plataformas, como o Spotify ou o YouTube estas estão a passar a ser essenciais para os artistas sobreviverem ou têm de se fazer mais à estrada, no sentido de promover concertos, de fazer receita também por aí? O que é que pesa mais nesta altura que estamos em 2024? Há aqui uma renegociação da quota nas emissões de rádio portuguesa. Em dez meses já se sente este impacto destas medidas, tendo em conta estes dados do mercado?
Mais uma vez, nunca conseguimos demonstrar uma relação causa-efeito do aumento das quotas. Já agora, o streaming não subiu quatro vezes mais, ou seja, o total do streaming subiu de 12 milhões para 27 milhões. É muito significativa a subida de 2019 para 2023.
Temos aqui a indicação de 73% a 2023.
73% a 2023? Sim, acredito que sim, mas crescer 73% não é subir quatro vezes mais.
É em relação a 2019.
Certo, já percebi. Mas ainda assim, enfim, o crescimento é muito grande, é muito significativo e acompanha a tendência europeia. Não obstante, como lhe disse, podíamos estar ainda melhor. Agora, a grande questão é, voltando aqui à questão das quotas, não houve uma renegociação.
O que interessa é tentar perceber se são suficientes para estimular a produção musical portuguesa. Se a rádio ainda é um meio preferencial de difusão ou se perdeu o espaço para a internet, para as televisões, etc.
Tendo aqui uma precisão, não houve verdadeiramente uma renegociação das quotas. Houve uma definição legislativa das quotas, foi isto que aconteceu. Sobre as quotas de música portuguesa nas rádios, a conclusão que podemos tirar, é que elas, ao longo do tempo, a curva de aumento de quota real, não é legislada, acompanha a curva de crescimento das audiências. O que queremos dizer com isto não é que a música portuguesa aumenta necessariamente as audiências de rádio porque, sendo sérios, não conseguimos saber se não há outros fatores que as estejam a aumentar. Agora, conseguimos saber uma coisa, é que pelo menos não prejudica ao contrário daquilo que as rádios diziam. As rádios são ou não são essenciais para a promoção de música? Depende. Porque se há música que se promove através da rádio, mais, há música que se promove através de determinadas rádios e que não se promove através de outras. Portanto, há música que se promove, e agora peço desculpa pelas comparações, através da RFM e da Comercial, e há outra música que se calhar se pode promover através da TSF. Da mesma forma que há hoje muita música cuja promoção não depende em nada ou diria que depende muito pouco das rádios, e que já só vai para as rádios depois de ser um sucesso absoluto junto da juventude. Porque ela foi promovida através das redes, às vezes organicamente e através de circuitos informais também, nem sempre de uma forma direta. O que é muito engraçado também é que, a partir de determinado momento de evolução, os artistas, mesmo os artistas que começaram como independentes, normalmente procuram apoio de uma multinacional para lhes dar outro fogo e outro ímpeto ao crescimento. E funciona, portanto, alguns artistas funcionam bem com as editoras, também é verdade que nem todas as editoras são boas para tudo. Depende, é como os meios de promoção. Agora, a rádio continua a ser importante, mas não é tão determinante no sentido de ser tão exclusiva como era anteriormente. Atualmente temos outras formas de promoção que funcionam bem e a promoção digital é importantíssima. E a promoção que é feita, por exemplo, junto das plataformas para que determinadas músicas sejam colocadas em playlists editoriais é grande, esse é um trabalho dos produtores. O produtor que faz esse trabalho, quando ele é produtor, quando ele é, de facto, o investidor nas promoções e nas vendas e não é só distribuidor, quando ele faz um papel verdadeiramente de produtor, é o produtor que faz esse papel. E isso é feito às vezes nas rádios, outras vezes junto das plataformas e junto dos editores das playlists, e outras vezes ainda nos dois.
Apesar das quotas, o consumo de música portuguesa ainda fica aquém do que poderia ser?
Muito aquém. Ou seja, quando comparamos, e aqui o que interessa é mais a comparação do que o número em absoluto porque não era fácil encontrar um indicador internacional único para isto, mas houve uma comparação que foi feita por uma empresa independente e que está disponível online, de como é que cada país, no conjunto de países onde Portugal, por sorte, fazia parte, cada país tratava a sua música e tratava as músicas de outros países. Se olharmos para os países europeus envolvidos, que são França, Itália, Polónia, Portugal, Alemanha, Irlanda, Suécia, Reino Unido e Espanha, chegamos à seguinte conclusão: Portugal, à exceção da República da Irlanda, por razões evidentes, é o país onde menos música nacional é escutada. Isto tem de nos fazer pensar. No top 100 que junta as músicas de todas as plataformas gratuitas, subscrição, por anúncios, etc.
É uma questão cultural? Temos mais abertura para o exterior?
Portugal sempre foi um país com grande abertura para o exterior comparado com outros países europeus. É verdade. Isso é necessariamente mau? Não. Por outro lado, isto é muito interessante, vimos um interesse crescente da juventude por música nacional. Ou seja, há uns tempos era impensável termos situações como aquela que tivemos, já no primeiro trimestre de 2024, que é no top 10 de músicas mais streamadas, vamos falar assim, portanto mais vendidas, termos cinco portugueses. Isto era impensável, sendo que o número um também é português. Era impensável isto.
E o que é que explica esse fenómeno?
O fenómeno é que me parece que há uma juventude que está a ganhar interesse crescente novamente pela música portuguesa. Porquê? Porque a música portuguesa, ela própria, também criou o seu espaço. Muita desta música é uma nova música urbana, diferente daquilo que seria e é diferente da música urbana que tem uma idiossincrasia muito própria. Ou seja, Lisboa sempre teve um cosmopolitismo muito próprio, mas isto desde o tempo dos descobrimentos, que é uma palavra que eu também não gosto muito, mas para facilitar. Sempre teve esse cosmopolitismo muito próprio e mantém-no. Quando olhamos para os álbuns ou músicas mais vendidas do ano passado do Slow J, o álbum chama-se Afrofado. E a promoção, a imagem gráfica de toda essa música, não sei se repararam, mas é o Eusébio a cumprimentar a Amália numa bancada do estádio, presumo do Estádio Nacional ou do Estádio do Luz, não sei agora exatamente. Isto quer dizer qualquer coisa, não é? E as músicas mais ouvidas do ano passado foram deste álbum.
A inteligência artificial é uma ameaça para o setor? Como é que olha para esta questão?
A inteligência artificial é uma oportunidade e uma ameaça para o setor. O setor da música usa inteligência artificial como forma de apoiar a criação artística. A inteligência artificial puramente generativa é muito mais artificial que inteligente e não é criação. A máquina não cria. O que a máquina é capaz de fazer é uma coisa completamente diferente, que é capaz de criar um produto novo e inovador e diferente daquilo que já existe, mas com base em tudo o que existe.
A partir de dados que lhe são dados por um ser humano.
Exatamente. A questão está de alguma forma, não digo que esteja resolvida na totalidade e muito se vai discutir agora, nesta próxima legislatura, a regulamentação do Regulamento Europeu de Inteligência Artificial. O regulamento está feito, está aprovado, é complexíssimo, é um texto muito complexo, que aborda muito mais matérias além dos direitos de autor. Diria que conseguimos salvaguardar o essencial nesse texto, mas o que falta fazer ainda é gigante. E a proteção que ainda temos de pensar ainda é gigante. E aqui há dois momentos de proteção. O que defendemos é que aquilo que entra na máquina tem de ser autorizado pelos titulares e aquilo que sai da máquina não é seguramente propriedade nem da máquina, nem da dona máquina, não é suscetível a ter direitos de autor quando a inteligência artificial é generativa. Outra coisa é situações como a que vimos agora até relativamente há pouco tempo, que é de uma nova música dos Beatles, onde os Beatles que sobram, e tentando reconstituir ao máximo a vontade do John Lennon, pegaram nas gravações do John Lennon e conseguiram limpar através da inteligência artificial e fazer uma música em inteligência artificial e isso serviu para quê? Para fazer uma música tão próxima quanto possível daquela que seria a vontade do John Lennon, ou que eles admitem que seria a vontade do John Lennon hoje. E isso é algo de fantástico. Ainda por cima a música é boa e é bem feita.
Em relação à transposição da diretiva europeia do mercado único digital, houve algumas queixas dos artistas. Em sua opinião a lei acabou por ser uma lei equilibrada para todas as partes?
A lei fez exatamente aquilo que a diretiva mandava fazer, que é criar uma regulação contratual a propósito do direito à remuneração proporcionada e justa, a propósito do direito à informação, a propósito do direito à resolução, ou seja, o que a diretiva fazia era resolver isso no quadro contractual, impondo regras que não podem ser afastadas pela vontade das partes, na contratação entre, vamos colocar aqui no caso da música, entre produtores e artistas. De resto, devo dizer que não é verdade e é absolutamente falso e todos os estudos, e não são estudos de perceção, não é quando temos estudos em que perguntamos aos artistas se ganham muito ou pouco e eles dizem que ganham pouco. Ou quando perguntamos aos artistas se ganhavam mais antes quando só vendiam discos ou agora e eles dizem que ganham menos, e é verdade. Lembram-se dos 120 a 115 milhões e que batemos no fundo em 2014 com 15 milhões e agora estamos à volta dos 30 e tal. Isso é verdade, porque esta música agora vale toda menos. Mas há uma coisa que também é verdade: é que o artista ganha uma parte maior do bolo, o artista e não só o artista, também o autor, ganha uma parte maior do bolo final, ou seja, do valor que é pago pelo consumidor ou pelo anunciante, ganha uma parte maior do que o que ganhava antes. Nós todos estamos a ganhar menos, mas curiosamente o artista ganha uma parte maior. E é justo que assim seja, porque o produtor também tem menos custo de distribuição.
Quanto é que foi esse aumento? Há alguma percentagem?
Aquilo que sabemos é que de uma forma geral, e não estou autorizado a falar de números concretos das minhas associadas, mas de uma forma geral, diria que o royalty aumentou entre 40% a 60%. É significativo. Mas vai dizer-me que agora o royalty é sobre coisas muito mais pequenas e também me vai dizer que há muito mais gente que edita e que não consegue viver da música. Claro que há. Porquê? Porque já não há gatekeepers. É precisamente porque o mercado está mais aberto. Aliás, há um estudo da Comissão de Mercados e Concorrência inglesa que deixa isso claro. É porque o mercado está mais aberto que isso acontece. Ou seja, como neste momento não é preciso uma editora para se chegar às plataformas, há muito mais gente a editar. Agora, isso não significa que haja uma propensão maior para haver mais artistas a poderem chegar ao sucesso. Esta é a questão.
Há artistas a queixarem-se, por exemplo, de partidos políticos que utilizam as suas músicas em campanha sem pedido de autorização prévia?
Considero isso um ato inaceitável.
Mas têm essa informação?
Temos informação disso. Aliás, a Audiogest, para já, não licencia carros de campanha. Outra coisa é uma juventude partidária vai fazer uma rave ou vai ter um DJ, isso é uma coisa diferente, porque isso não se confunde com o discurso político. E aí não discriminamos e licenciamos, como qualquer outro evento. Isso é uma coisa. Outra coisa é a música em carros de campanha estar intercalada com mensagens políticas. E sim, temos artistas a queixarem-se de partidos políticos que o fizeram. Nós não licenciamos. Quando muito, se o partido político o pedir, dizemos que músicas é que são e pomo-los em contacto com os titulares de direitos que depois tratarão disso tudo, porque consideramos e a lei também considera que isso é um direito pessoal. Da mesma forma que não andamos a discutir que música é posta num café ou num bar que licenciamos, mas já discutimos que música é posta num anúncio, como é óbvio. Isso já não é um direito que sequer tenhamos gestão coletiva dele, é gerido individualmente pelos próprios produtores, do ponto de vista da gravação, pelos próprios autores, ainda que através da SPA, do ponto de vista da autoria, mas estão em causa direitos morais. É preciso perguntar-lhes.
