
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia, analisa o Orçamento do Estado para 2018 e reage às criticas de falta de força ou peso político e antecipa a visão para a segunda edição da Web Summit.
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António Saraiva, presidente da CIP, dizia recentemente que lhe falta, a si, força política? Sente que não consegue bater o pé ao ministro das Finanças?
Ouvi essa entrevista e o que ele disse foi que faltou aos ministros da Economia, e citou vários incluindo-me também nesse lote, capacidade para se impor junto das Finanças. A relação que tenho tido com o ministro das Finanças não é de eu me impor a ele ou de ele se impor a mim. Temos uma relação solidária dentro do governo e o que temos feito, em conjunto com o ministro das Finanças, tem sido muito interessante no que se conseguiu no programa Capitalizar. E aí a intervenção do ministro das Finanças nas várias reformas fiscais que fizemos foi muito interessante, quer nas de incentivo à capitalização das empresas quer nas de reestruturação, que têm aspetos fiscais associados. Houve um assumir de objetivos comuns. Conseguimos alguns benefícios fiscais a nível da inovação em alguns aspetos e gostaria que olhasse para trás e visse se com os anteriores ministros da Economia foram conseguidos. Não acho que seja uma questão de peso político nem de um ministro se impor a outro. É uma questão de sermos todos nós solidários com a consolidação orçamental e estando, no contexto político que existe, a trabalhar em conjunto e com isso conseguirmos avanços importantes.
Não acha importante ter peso político?
Acho muito importante ter o peso político de conseguir colaborar com a ministra da Justiça e ter estado aqui a apresentar um programa em conjunto com a ministra da Justiça, que faz uma reforma importantíssima para a reestruturação empresarial, e não o fiz impondo-me à ministra da Justiça nem ela a mim. Fi-lo em conjunto, o que em anteriores governos houve muito menos. Tenho trabalhado muito bem com uma série de ministros, encontrando objetivos comuns que servem a sociedade. É esse o peso político que eu gosto de ter. Há coisas que não é possível fazer ao ritmo que muitos empresários desejavam, e eu próprio desejava. É desejável, e os empresários compreendem bem isso, que a consolidação orçamental continue, que os ratings melhorem, que as condições de financiamento da economia portuguesa melhorem. E é esse trabalho que todo o governo tem feito e tem feito de forma solidária e não de forma conflituosa.
Está tudo pronto para a Web Summit (WS)?
A logística está toda no seu lugar, estamos a falar de uma organização que começou há sete anos com três pessoas, mas que neste momento é ela própria uma startup com 150 pessoas. Estamos a falar de uma coordenação que começámos há meses, que foi coordenada a partir do Ministério da Economia e com todos os outros ministérios, com a Câmara Municipal de Lisboa e todas as entidades que vão contribuir para o sucesso da WS e que, de facto, está pronta. No ano passado teve 53 mil visitantes, neste ano já estão assegurados 60 mil, e pode exceder isso, mais os 10 mil que vão entrar a preços especiais - os jovens portugueses a quem a WS dá acesso por 7,5 euros, e ainda abriram mais dois mil destes lugares. Há pessoas que vêm de mais de cem países, de todo o tipo de empresas, que podem passar a ser, em quatro ou cinco anos, grandes investidores. E depois um conjunto amplo de oradores de prestígio internacional que vão estar em Lisboa neste grande evento e que vão projetá-lo para o mundo. No ano passado tiveram dois mil jornalistas, neste ano já estão assegurados 2500. Uma das coisas que Paddy Cosgrave nos disse que é interessantíssimo é que não só estão a vir mais jornalistas como o seu perfil subiu imenso. Os grandes jornais ingleses, como o Finantial Times, enviavam uma equipa de dois ou três, mas agora estão a enviar editores que percebem que algumas das startups que aqui estão podem vir a ser as Googles de amanhã e querem acompanhar as tendências para perceber eles próprios onde vão nascer esses próximos gigantes da economia.
Com esta escala, que resultados espera para o país da nova WS?
No ano passado a estimativa que fizemos em termos de impacto direto foi de 200 milhões, que se estima em restaurantes, hotéis e outros impactos. Neste ano o que estimo é que é ligeiramente maior, cerca de 250 milhões a 300 milhões, uma vez que vem mais gente. O próprio evento tem uma dimensão maior e há mais eventos paralelos. O que se verificou no ano passado foi que houve taxas de ocupação parecidas com as de época alta e preços mais elevados, o que acabou por ser importante para aumentar as receitas das empresas turísticas. E não apenas nos dias do evento mas nos dias anteriores e a seguir. No ano passado já houve uma Surf Summit em que estávamos à espera de cem pessoas e teve mais de mil inscritos. Mas o maior impacto não é esse, é também o impacto nas empresas portuguesas, pois estamos a falar de 270 que estão na WS a apresentar produtos tecnológicos: 150 destas entraram a preços especiais, num acordo que foi feito na WS, mas há muitas outras de maior dimensão que marcam presença. E é toda a imagem de Portugal que muda radicalmente junto de grandes investidores.
O que prevê do ponto de vista de atração do investimento?
O que tivemos no ano passado foram coisas como uma incubadora Second Home a vir para Portugal. Neste momento temos outras incubadoras - inglesas, alemãs e francesas - que estão a ponderar abrir em Portugal. Temos o caso da Mercedes, que vai abrir um centro de investigação e desenvolvimento de software que vai empregar 350 pessoas e vai estar a fazer desenvolvimento por exemplo dos carros sem condutor. Temos empresas como a Uniplaces, que tendo um fundador português, e tendo começado em Inglaterra, também se instalou em Portugal e tem 200 empregos em Lisboa. Temos uma diferença muito grande em relação ao que se passava há dois anos. Portugal hoje está no radar dos investidores tecnológicos. Estamos a fazer e a criar medidas de apoio a estes investidores, como é o caso do fundo 200M, que há vários meses anunciámos.
Já está ativo ou arranca na WS?
Vai ter ativação na WS. E é diferente dos fundos de investimento anteriores, que tinham dimensão muito menor. Os fundos que já abrimos, também com investidores qualificados de capital de risco, têm normalmente uma dimensão de 10 milhões a 15 milhões. Agora estamos a falar em investimentos de maior dimensão e em empresas que já estão em aceleração. Uma questão que levantada sobre o mercado português era que havia investimento até as empresas valerem meio milhão ou um milhão de euros, mas depois, quando estavam a dar o salto para se afirmar globalmente, não havia instrumentos locais. Com este o que podemos ter é investimentos que podem chegar a um máximo de 15 milhões, que vão ser em coinvestimento e, em vez de criarmos com esses investidores um fundo para investirem, vamos investir lado a lado com eles. Vamos trabalhar e ser muito exigentes na qualificação destes investidores, têm de perceber de tecnologia e, de facto, fundos para investir. Depois vamos seguir o que sejam as decisões desses investidores.
Quem filtra estes investidores? O Ministério da Economia?
Vamos usar vários filtros...o IAPMEI vai contribuir para isso, mas vamos usar sistemas de filtragem por exemplo do FEI [Fundo Europeu de Investimento], que pertence ao Banco Europeu de Investimento, vamos usar sistemas de filtragem internacionais e os grandes investidores em tecnologia internacionais, que já quase todos passaram por este sistema. O que vamos ter é uma porta aberta para o caso de investidores que não estejam nessas qualificações. Mas temos até investidores portugueses, embora um dos objetivos é que venham também investidores internacionais, e queremos que tragam dinheiro para investir nas empresas portuguesas, que elas não morram pelo caminho, que deem o salto e afirmem todo o seu potencial. E queremos é que estes investidores tragam o conhecimento que têm sobre acesso a mercados e como investir em tecnologia....
Um dos problemas com a anterior WS foi o caos nos transportes. Há um plano de melhoria?
Houve problemas no primeiro dia nos transportes, mas para os organizadores da WS em Portugal funcionou tudo muito melhor do que em Dublin. É óbvio que estamos a trabalhar nisso já há vários meses. Vai haver bilhetes especiais vendidos no aeroporto e nos hotéis para que as pessoas que tenham bilhetes de um ou três dias não estejam em filas. Houve um trabalho grande de reforço quer da frequência quer do número de carruagens no metro para a inauguração e as horas de maior acesso. Penso que as coisas vão correr melhor. O ano passado foi o primeiro e o feedback que tivemos dos organizadores foi que as coisas funcionaram muito melhor do que estavam à espera. Não houve falhas a nível da rede da net e foi mais rápida do que nos eventos que organizavam na Irlanda. Desde o catering até à logística de som e imagem, os jornalistas estrangeiros deram uma imagem ótima. E há uma coisa de que o país se pode orgulhar: Portugal responde muito bem nestes grandes eventos. E tem condições excecionais, um clima em novembro que não tem nada que ver com o que as pessoas do Norte da Europa estão habituadas, tem boas infraestruturas, o que não quer dizer que em momentos de pico não vá haver congestionamento, há em todo o mundo. Temos é de trabalhar para os minorar e foi isso que fizemos.
Já se pode decretar o fim da crise em Portugal?
O fim da crise não se decreta. O que fizemos desde que entrámos no governo foi trabalhar e a dois níveis: primeiro acabando com políticas de austeridade que estavam a baixar o potencial de crescimento da economia portuguesa e a reposição de rendimentos foi importante nesse sentido, mas também as medidas de apoio ao investimento, mobilização dos fundos estruturais, as linhas para capitalizar, linhas de mobilização do investimento. Esse foi o primeiro conjunto de medidas que fizemos e que começaram logo a ter resultado. Porque alteraram profundamente as expectativas quer dos consumidores e dos cidadãos quer dos investidores.
O contexto externo ajudou...
Isso é uma frase interessante que se tem repetido muitas vezes. Estávamos com a economia portuguesa a crescer 1% e a economia da zona euro 1,9%. Conseguimos que a economia passasse para 3% num contexto em que a economia da zona euro continuou a crescer 1,9%. Só neste último trimestre é que passou a crescer 2,2%, ou seja, passámos de crescer muito abaixo da média europeia para crescer acima da média, numa altura em que na zona euro o crescimento era estável, à volta dos 1,8% e 2% há vários meses. A ideia de que foi o contexto externo que puxou o investimento português é uma ideia interessante, mas então têm de se ter em conta fatores externos que afetaram muito a economia portuguesa mas que que não afetaram a zona euro da mesma maneira. É preciso uma história muito sofisticada para explicar isso. Tem havido vários economistas a defender essa ideia mas depois não a explicam porque, quando se vê que a zona euro não acelera e Portugal acelera, tem de haver qualquer coisa na economia nacional....
E tem explicação para isso?
Tenho. Quando se vê que o investimento estava praticamente estagnado e passou a ter o maior crescimento dos últimos dez anos, isso explica parte do crescimento. E esse investimento que passou a crescer tanto teve que ver com as medidas de financiamento que tomámos e com maior confiança. Os investidores só têm confiança quando sentem que os próprios consumidores têm confiança. Houve uma melhoria da confiança e das condições de acesso ao financiamento, importante para que as empresas pudessem investir.
A entrevista a Manuel Caldeira Cabral vai para o ar este sábado, às 13h, na TSF. É também publicada na edição em papel do Dinheiro Vivo deste sábado, que sai com o Diário de Notícias e com o Jornal de Notícias.