Desempenho do imposto sobre o consumo está abaixo da média, alerta a organização que sugere também aumentos na tributação sobre o gasóleo, carvão e gás natural. OCDE critica lentidão da justiça.
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A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) defende um alargamento da base tributável da taxa normal do IVA a mais produtos que estão hoje nas taxas reduzida ou intermédia.
No relatório sobre Portugal, a OCDE sublinha que a cobrança de IVA está abaixo da média dos países da organização e que enfraquecer a receita deste imposto é indesejável, porque não afeta tanto o crescimento económico como as tributações sobre o trabalho ou o lucro.
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A OCDE afirma ainda que a redução do IVA da restauração em 2016 reduziu demasiado a base do imposto, beneficiando apenas as famílias de maior poder económico - aquelas que têm mais tendência a ir a restaurantes.
Essa alteração foi justificada pelo Governo como tendo a intenção de criar emprego no setor, mas a organização afirma que experiências noutros países, como a França, sugerem que o impacto de medidas como esta na criação de postos de trabalho é modesto.
Se todos os produtos fossem tributados à taxa normal (23% no continente, 22% na Madeira e 18% nos Açores) a receita do imposto mais do que duplicaria, explica a OCDE. A taxa intermédia - aplicada, por exemplo, na restauração - é de 13% no continente, 12% na Madeira e 9% nos Açores).
A taxa reduzida é de 6% no continente, 5% na Madeira e 4% nos Açores.
No capítulo fiscal, a OCDE defende também o aumento da fiscalidade ambiental, "tendo em conta que os tarifários nacionais de algumas fontes de energia não refletem os custos ambientais associados à sua utilização."
A instituição liderada por Angel Gurría defende por isso a subida dos "impostos sobre o gasóleo", para além do aumento da "tributação energética do carvão e do gás natural".
A organização admite que "as emissões de gases com efeito de estufa por unidade de PIB são inferiores à média da OCDE", mas avisa que "os progressos ao nível da dissociação entre as emissões e o PIB estagnaram nos últimos anos".
A instituição fundada em 1961 - e que conta atualmente com 36 países - escreve que em Portugal "a utilização dos automóveis de passageiros é muito mais elevada do que a dos transportes públicos", pelo que "para além de um aumento dos impostos sobre alguns tipos de energia, como o carvão e o gás natural, devem ser encorajadas novas soluções de transporte partilhado, acompanhadas de uma supervisão e regulamentação adequadas".
A OCDE elogia a evolução orçamental do país, mas avisa que ela tem de continuar: é preciso, lê-se no relatório, "manter a consolidação orçamental gradual a fim de garantir a redução da dívida pública". Para isso, "as autoridades devem continuar a monitorizar os planos de redução do crédito mal parado".
O sistema financeiro, lê-se, continua a ter "vulnerabilidades que afetam a resiliência da economia". A instituição reconhece que "o stock de empréstimos sem desempenho (NPL) tem vindo a diminuir de forma consistente (mais de 35 % desde junho de 2016, altura em que atingiu o seu máximo, até junho de 2018)", mas afirma que "o rácio de NPL face ao total do crédito concedido continua a ser um dos mais elevados da OCDE". Os planos de redução submetidos pelos bancos que apresentam rácios elevados de NPL devem continuar a ser monitorizados com rigor, traduzindo os resultados alcançados na concretização dos objetivos em alterações nos requisitos de capital. Considerando a reduzida probabilidade de recuperação de alguns NPL, deve continuar a incentivar-se o respetivo abatimento ao ativo, tendo em conta as medidas adotadas a nível europeu. Outra forma de reduzir os NPL passa por facilitar a liquidação de empresas insolventes e por reduzir as restrições à sua saída do mercado.
Riscos para o crescimento
A OCDE, que prevê um crescimento de 2,1% neste ano (menos do que os 2,2% estimados pelo Governo), avisa que este estas projeções "enfrentam riscos", que "incluem uma eventual subida das taxas de juro, que poderá resultar da normalização da política monetária por parte do Banco Central Europeu, e terá um impacto negativo nas despesas das empresas e das famílias".
Por isso, "para continuar a melhorar as finanças públicas será necessário reduzir o défice orçamental e manter um saldo primário positivo. Confrontado com o rápido envelhecimento da população, o Governo introduziu reformas nos sistemas de saúde e segurança social. Apesar disso, será vantajoso para a sustentabilidade orçamental continuar a transferir os tratamentos médicos para as unidades de cuidados de saúde primários e a limitar o acesso a reformas antecipadas", defende.
Continuar a promover o desempenho das exportações
A OCDE sublinha o aumento significativo do peso das exportações no Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos anos, afirma que esse peso - superior a 40% - está acima da média da zona euro, mas alerta que ainda assim está abaixo de outras economias comparáveis à portuguesa, como a Hungria, a República Checa ou a Bélgica.
É por isso necessário, defende continuar a fomentar as exportações - e um dos fatores é o preço praticado pelos operadores dos portos aos operadores náuticos. A OCDE defende que se deve "incluir, nos critérios de atribuição das concessões portuárias, as taxas que os proponentes irão cobrar aos utilizadores dos portos", e não apenas o preço pago ao Estado pela concessão. É necessário, escrevem os especialistas, "garantir que os contratos de concessão portuária especifiquem um nível mínimo de investimento por parte do operador, e não se deve renovar as concessões sem lançar um novo concurso público."
Para além disso, "a duração destes contratos é frequentemente excessiva, o que reduz o potencial de entrada de novos concorrentes no mercado com capacidade para prestar serviços de maior qualidade".
A OCDE estima que os custos dos serviços de pilotagem nos portos podem ser reduzidos para metade.
Outra forma de impulsionar as exportações é tomar medidas que facilitem o acesso ao financiamento: "por exemplo, empresas de dimensão média devem ser encorajadas a procurar financiamento no mercado acionista."
Mais competências profissionais
A OCDE considera que o país deve "direcionar as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para os trabalhadores pouco qualificados, nomeadamente através da recolha e divulgação pública de informações sobre os benefícios pessoais decorrentes da melhoria das qualificações".
Programas como "Aprendizagem" e "Cursos de Educação e Formação de Adultos"), devem por isso ser alargados, de forma a chegarem a mais pessoas.
A instituição escreve que "o bem-estar subjetivo é baixo, o que reflete o baixo padrão do nível de vida em comparação com outros países da OCDE", pelo que "devem ser envidados esforços no sentido de reintegrar no mercado de trabalho os trabalhadores desempregados ou marginalizados."
Para melhorar a utilização da mão-de-obra e reduzir a pobreza, a OCDE defende ainda que deve ser evitado "o recurso generalizado aos apoios à contratação, limitando-os aos casos em que existe um risco elevado de desemprego de longa duração e risco de pobreza".
Justiça: uma pedra na engrenagem da economia
A OCDE escreve que a justiça tem de ser mais rápida e eficaz: "a ineficiência do sistema judicial diminui a produtividade no setor empresarial", lê-se no documento. "As reformas recentes reduziram o tempo necessário para a resolução dos processos no sistema judicial, que, todavia, continua a ser longo", alertam os especialistas, que defendem que "a melhoria da eficiência do sistema judicial garantirá celeridade na execução dos contratos e reduzirá o custo das transações no mercado, fomentando assim a concorrência".
O tema tem particular visibilidade "nas operações financeiras, de modo a assegurar a execução das garantias e, por conseguinte, a acautelar os direitos dos credores. A morosidade e complexidade dos processos judiciais refletem-se numa taxa de recuperação das garantias muito baixa, que pode afetar negativamente as condições de crédito dos bancos".
A organização entende que "as ineficiências do sistema judicial prendem-se com dificuldades na gestão eficaz do volume de processos" e sugere que "o sistema informático de registo dos processos judiciais poderia ser utilizado de forma mais abrangente, tendo em vista avaliar o volume de trabalho, prioritizar processos e definir a distribuição dos recursos pelo sistema judicial".
"Também existe margem", continua, "para reforçar a autonomia dos tribunais, cujas responsabilidades têm vindo a aumentar, mas não a sua capacidade de gestão de recursos".
Ainda no capítulo da justiça, a OCDE defende que oi país deve "fazer da insolvência uma solução viável para pessoas singulares altamente endividadas, reduzindo o período de exoneração e isentando mais ativos do devedor dos processos de insolvência", pelo que sugere a criação de "um mecanismo extrajudicial para facilitar a liquidação de empresas inviáveis".
Advogados: um exemplo do que está mal em várias profissões
A entidade liderada por Angel Gurría critica ainda que "as restrições regulamentares existentes nalguns setores de serviços, incluindo as profissões liberais e os transportes, prejudicam de modo particular a produtividade" e dá exemplos concretos: "várias profissões liberais não só são estritamente regulamentadas como também são representadas pela mesma associação profissional. É o caso dos advogados, cuja Ordem é responsável por estabelecer as condições de acesso à profissão, os honorários dos advogados e a configuração das sociedades".
Para evitar esta acumulação, e para "garantir que a regulamentação destes setores serve o interesse público, deveriam ser criadas entidades de supervisão independentes incumbidas de aprovar quaisquer novas disposições regulamentares e de promover a concorrência na profissão".