Redução da TSU, novos escalões no IRS, eliminação da sobretaxa ou a alteração que resta do IVA da restauração são medidas que foram adiadas ou caíram. Faz sentido que regressem em 2017?
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Do esboço ao Orçamento vão muitas medidas de distância. Houve iniciativas previstas para o Orçamento que o parlamento aprova esta quarta-feira que acabaram - nuns casos como resultado das negociações com Bruxelas, e noutros por iniciativa do Governo - por não ser incluídas no texto final. Fará sentido que sejam incluídas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que o executivo vai apresentar a Bruxelas em Abril, o mês em que António Costa vai estar entre a espada de Bruxelas e da agência de rating DBRS, e a parede da esquerda parlamentar? Será melhor guardar o desenho das medidas para o Orçamento do próximo ano? Ou devem cair definitivamente? Foi o que a TSF quis saber junto de dois economistas. Luís Aguiar-Conraria e Pedro Braz Teixeira fazem o diagnóstico das principais medidas que ficaram pelo caminho - e argumentam se elas devem ou não ser retomadas.
Conclusões definitivas há poucas, já que a manutenção da maior parte das intenções do Governo - sejam elas inscritas no PEC ou no OE2017 - fica dependente de uma incógnita: a execução orçamental deste ano. Os números das contas públicas são tiranos - e têm de bater certo. Certeza só há uma: o mês de Abril vai ser muito complicado para o Governo. E é por ele, antes das medidas concretas, que começamos.
Abril ficará por cumprir?
O mês de Abril tem dois momentos cruciais para o Governo: o executivo de António Costa entrega o PEC em Bruxelas e a agência canadiana de rating DBRS (a única das quatro grandes casas de notação financeira que mantém a dívida nacional acima do nível considerado lixo) avalia Portugal. O país está completamente dependente dessa nota para poder aceder ao programa de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE), sem o qual o descalabro pode acontecer rapidamente, e o desenho do PEC não deverá ignorar isso, entende Luís Aguiar-Conraria. O economista e professor na Universidade do Minho alerta: "devíamos evitar correr riscos em relação a esse rating. Medidas de aumento de despesa que não sejam compensadas com aumento de receitas têm um risco elevadíssimo". E se a DBRS baixar o rating, "as nossas taxas de juro passam para 8, 9, 10% em meia dúzia de dias".
Olhando de uma forma geral para o conjunto das medidas que poderão regressar no PEC ou no Orçamento para 2017, o economista Pedro Braz Teixeira sublinha que "o mês de Abril vai ser muito complicado". O investigador da Nova SBE - Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa - diz que o Governo vai estar entre dois fogos: de um lado, a Comissão Europeia e as agências de rating, e do outro o Bloco de Esquerda e o PCP". E os passos dessa dança, explica, serão difíceis de executar porque o executivo "vai ter de definir os défices até 2020 e é muito provável que isso coloque grandes problemas à esquerda". "O Governo vai ter de agradar a gregos e troianos", sublinha. E a conversa nem passou pela Grécia.
Redução da TSU para salários até 600 euros
A medida estava no programa eleitoral do PS, obteve o acordo do PCP e do Bloco de Esquerda, foi transposta para o esboço do Orçamento do Estado, mas não resistiu às negociações com Bruxelas. A redução de um máximo de 1,5 pontos percentuais da Taxa Social Única paga pelos trabalhadores com baixos salários poderia abranger um universo de cerca de 1,1 milhões de pessoas. O Governo estimava a perda de receita contributiva em cerca de 130 milhões de euros.
Luís Aguiar-Conraria entende que esta medida não deve voltar a estar em cima da mesa: "Devia cair completamente", afirma de forma perentória, argumentando que "os apoios às pessoas com salários mais baixos não devem ser via Segurança Social". O vice-presidente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho sublinha que "a Segurança Social representa um problema estrutural que tem de ser enfrentado e estar a introduzir ruído nas receitas da Segurança Social é algo que deve ser evitado". Aguiar-Conraria não coloca de parte a hipótese, no entanto, que os objetivos da medida sejam atingidos: "espero que essa medida caia por completo, mas não os seus objetivos". O economista realça que há outros caminhos para chegar ao mesmo fim, explicando que "se o objetivo é apoiar o emprego das pessoas com salários mais baixos, isso pode ser feito facilmente através do IRS, incluindo até um escalão negativo para os rendimentos mais baixos. Seria uma forma de atingir o mesmo objetivo sem mexer nas contas da Segurança Social, que precisam de estabilidade.
O economista Pedro Braz Teixeira começa por fazer questão de desfazer aquilo que considera ser um equívoco: "Há a sugestão de que esta medida teria caído por pressão de Bruxelas, e isso não é correto. Esta medida caiu porque o Governo escolheu deixá-la cair", sublinha. O investigador da Nova SBE - Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa - entende que esta foi uma opção política do executivo, que "manteve uma medida muito difícil de perceber, e mais cara do que a redução da TSU, que é a descida do IVA na restauração". "O Governo escolheu baixar o IVA em vez de baixar a TSU", afirma.
IVA dos restaurantes: "um disparate" que "não vai criar emprego"
Até 2012, os cafés e restaurantes estavam sujeitos à taxa intermédia do IVA (13%). O Governo anterior passou a restauração para a taxa normal de 23%, o que foi fortemente contestado pela associação representante do sector, a AHRESP.
O executivo de António Costa prometeu repor a taxa intermédia no sector, mas a medida acabou por não atingir todos os produtos: bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ficam de fora. O Governo, em conjunto com a AHRESP, vai observar os efeitos (sobretudo na criação de emprego) da medida que entrará em vigor no dia 1 de Julho, e poderá alargar a redução da taxa a todos os produtos se o sector criar emprego. Não foram até agora definidas, no entanto, metas concretas para a criação de postos de trabalho.
No período de seis meses de 2016 durante o qual a redução já vai estar em vigor, a perda estimada para o Estado é de 175 milhões de euros. Para o professor na Universidade do Minho, "um sector de atividade pagar imposto inferior aos restantes sectores é o equivalente a ser subsidiado. E não há nenhum motivo razoável, nem do pontos de vista económico nem do ponto de vista ideológico, para subsidiar o sector da restauração". "Comer em restaurantes não é um bem essencial", continua, "e por isso não há motivo para subsidiar esse sector". Aguiar-Conraria conclui que "esta era uma boa oportunidade para não se cumprir uma promessa".
E quanto à criação de emprego? O economista não acredita que o sector vá criar emprego, depois da AHRESP ter dito que os preços não vão diminuir: "se o sector não baixa os preços, não aumenta a procura. E não aumentando a procura, o número de empregados necessários para atender os clientes é o mesmo. Não faz sentido um restaurante aumentar os custos desnecessariamente. Se os empregados que têm são suficientes, não vale a pena contratar mais", argumenta, numa conclusão partilhada por Braz Teixeira. O investigador realça que "se os restaurantes não vão baixar os preços, isso significa que as pessoas não vão mais vezes aos restaurantes, e nesse caso não faz sentido que os restaurantes contratem mais pessoas". Pedro Braz Teixeira questiona a seleção deste sector: "porquê a restauração? Não se percebe porque é que o Governo escolheu aquele sector".
IRS. Eliminação total da sobretaxa e novos escalões
Em vigor desde 2011, a sobretaxa de 3,5% sobre o rendimento do trabalho desce para metade neste ano (levando a uma perda de 400 milhões na receita fiscal), e, nos planos do Governo, é totalmente anulada no próximo, emagrecendo a entrada de dinheiro no fisco em mais 350 milhões.
A última grande alteração dos escalões do IRS fez parte do "enorme aumento de impostos" apresentadO ao país por Vítor Gaspar em 2012. O imposto tornou-se menos progressivo, levando a um aumento do valor efetivamente cobrado aos trabalhadores, sobretudo aos da classe média. (Esta foi apenas uma das vias que levou a um aumento da fiscalidade sobre os rendimentos do trabalho, que também foram sujeitos à sobretaxa e, no caso da função pública, ao confisco dos subsídios de férias e de Natal entre 2011 e 2013. Aos trabalhadores do sector privado foi cortado metade do subsídio de Natal de 2011).
O Governo remeteu para 2017 uma alteração aos escalões do IRS. (Que entretanto sofreram apenas as atualizações mínimas, ditadas por lei, referentes à inflação).
A intenção de manter a medida - ou no PEC ou no orçamento do próximo ano - pode ser, no entender de Braz Teixeira, "uma boa ideia". A chatice é que os números têm de bater certo: "a questão é saber se há margem orçamental para isso. Este orçamento foi aprovado em Bruxelas, mas com muitas reticências e há dúvidas sobre se vão ser necessárias medidas adicionais. Se forem, a margem para o próximo ano vai ser muito menor", avisa.
Já Luís Aguiar-Conraria faz uma "declaração de ignorância" antes de abordar o tema: "é com imensa incerteza que falo sobre isso porque "desde que o Governo começou a preparar o Orçamento, deixei de conseguir perceber as contas. Parece que se pode aumentar a despesa e diminuir a receita, que o défice mantém-se inalterado". Feito o aviso, continua: "à partida, se o crescimento for razoável, haverá margem para baixar a sobretaxa. E sendo essa uma medida extraordinária, na altura de descer os impostos, deve começar-se por aí", afirma.
A opinião muda quando o tema é o eventual reescalonamento do IRS, que "teria um impacto negativo no crescimento, mas é uma forma de melhorar a equidade do ponto de vista da esquerda, aumentando os impostos sobre quem ganha mais. É uma medida ideológica e não económica. Acho normal que os partidos de esquerda aumentem a progressividade dos impostos à custa de alguma eficiência económica", afirma Aguiar-Conraria.
Braz Teixeira aponta alguma falta de eficácia a um redesenho dos escalões do imposto sobre o trabalho: "uma redução através de novos escalões teria um impacto muito pouco significativo porque abrangeria um número muito reduzido de pessoas", garante. O economista preferia outra solução: "aliviar o IRS para pessoas que, não ganhando muito, pagam muito imposto, mas julgo que não há margem orçamental para isso". Seja como for, recorda, tudo isso é dependente da margem orçamental que houver.
Aumentos na Função Pública?
O congelamento dos salários, proibição de aumentos salariais e os cortes nas horas extraordinárias podem começar a desaparecer a partir do próximo ano. O PS quer que estas medidas sejam progressivamente eliminadas a partir de 2017.
Manter esta intenção, considera Braz Teixeira, é, mais uma vez, uma opção que fica dependente da execução orçamental deste ano. O economista avisa no entanto que "antes de se falar em aumentos de salários na função pública é preciso resolver a questão da redução de 40 para 35 horas de trabalho semanais.
Luís Aguiar-Conraria lembra, por outro lado, que "mesmo havendo folga, estão a mexer no que não devem", e que no capítulo da Administração Pública, o que faria mais sentido seria descongelar as carreiras. "Os funcionários públicos não têm qualquer incentivo - com exceção da questão moral e da ética no trabalho - a trabalhar bem, e era importante repor esses incentivos. Havendo folga, era aí que se devia trabalhar", sustenta.