Já se passaram mais de 100 horas de audição e foram feitas revelações, lançados argumentos para justificar mais de uma década de políticas de energia em Portugal.
Corpo do artigo
No gabinete de Manuel Pinho havia um secretário de Estado da Energia que não tutelava o setor. Castro Guerra fez esta confissão perante os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade.
"Achei natural que o ministro quisesse avocar a si os dossiers da energia", afirma o antigo secretário de Estado Adjunto, da Energia e da Inovação.
Entre outubro de 2006 e abril de 2007, durante sete meses, Castro Guerra foi desligado da energia mas não pensou sair do Governo.
"Havia muita coisa a fazer nas outras áreas e eu queria fazê-las. De alguma forma tinham ficado penalizadas por eu ter dedicado tanto tempo à energia, pelos custos de entrada que enfrentei quando entrei". O então secretário de Estado fala daquilo a que chama "lobby das ventoinhas".
Castro Guerra foi afastado depois de ter dito, em 2006, que tinham que ser os consumidores a pagar o défice tarifário e a suportarem um aumento de 15,7%, do preço da luz, decretado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) o que faz soar as campainhas no Governo de José Sócrates.
Como recorda o antigo Diretor Geral da Energia, Miguel Barreto, "O XVI Governo decide que era um tema urgente a implementação dos CMEC e a implementação do MIBEL [Mercado Ibérico da Eletricidade]. Porquê? Porque os CMEC tinham um efeito de redução das tarifas", afirma.
Foi neste contexto que se realizou uma reunião de trabalho liderada por Manuel Pinho que dá à EDP e à REN o desenho de uma resolução do Conselho de Ministros que ligue os Custos de Manutenção de Equilíbrio Contratual a um défice tarifário para dez anos e à extensão para as barragens da EDP do domínio público hídrico.
TSF\audio\2018\12\noticias\20\jm2
Sobre esta matéria o antigo ministro do Ambiente de José Sócrates levou ao parlamento um argumento que nunca tinha sido ouvido.
Francisco Nunes Correia, contrariou a tese de que a EDP recebeu de mão beijada uma extensão do contratos de utilização da água das barragens. "Quando se restabelece um prazo não se está a fazer uma extensão está-se a fazer uma delimitação", defende.
O Decreto-Lei publicado em maio de 2017 estabelece para 27 barragens da EDP a concessão até 2022 (para uma), até 2032 (para 7), até 2042 (para 5) e até 2052 (para 13) e até 2053 (para uma).
Para Nunes Correia esta foi uma delimitação temporal que restabelece a que existia antes das nacionalizações das barragens em 1975. Por isso sendo privatizada a EDP não podia continuar a usar a água como se fosse uma entidade do Estado. "Impunha-se definir títulos de utilização dos recursos hídricos para estas empresas", sustenta.
Os contratos de concessão foram estabelecidos em 2008 e definiram um regime económico e financeiro em que a EDP paga de uma só vez a taxa de recursos hídricos. "É claro que o ministério do ambiente achou a ideia encantadora porque recebeu à cabeça e desde logo a EDP pagou a taxa de recursos hídricos".
Foram 759 milhões de euros que serviram, segundo Nunes Correia, para financiar o POLIS do litoral.
Mas, dentro do ministério do Ambiente, apesar de Nunes Correia não se lembrar, houve quem questionasse a forma como a decisão foi tomada.
"Quem é que apreciou a validade daqueles estudos e sobretudo quando estávamos a falar em atribuir uma concessão de domínio hídrico da responsabilidade do ministro do Ambiente?" A pergunta foi feita por Orlando Borges, o então presidente do antigo INAG, Instituto da Água.
Orlando Borges confessa aos deputados que os estudos para calcular a taxa recursos hídricos da EDP basearam-se numa avaliação encomenda pelo ministério de Manuel Pinho e foi feita pelos bancos Credit Suisse e Caixa Geral de Depósitos (Caixa BI) e corresponde a metade do valor determinado pela então Rede Elétrica Nacional (REN).
Mas nesta CPI, João Conceição da equipa de Manuel Pinho compromete o INAG. "Confirmo que estive em reuniões com o INAG e a equipa do INAG, nomeadamente com o seu presidente, o Dr. Orlando Borges", relata.
A equipa de Manuel Pinho argumenta ter resolvido um impasse que vinha de trás. O antigo assessor, Rui Cartaxo, defende que a questão dos recursos hídricos já vem do ano 2005.
"O direito da EDP à extensão das concessões das barragens ficou explicitamente fixado nos contratos de cessação dos CAE entre a EDP e a REN", afirma Rui Cartaxo.
Toda esta transição remonta ao ano 2003, era na altura ministro da Economia do Governo de Durão Barroso, Carlos Tavares, que também já foi ouvido pelos deputados.
Um dos consultores técnicos de Carlos Tavares era na altura Paulo Pinho para quem os CMEC "na sua pureza original eram financeiramente neutros. O problema são os detalhes e nos detalhes é que está diabo. Pelos detalhezinhos foram entrando coisas que violaram esse princípio da neutralidade".
Paulo Pinho fala, por exemplo, dos custos de capital. Este gestor que depois de sair do apoio ao Governo foi para administrador da REN, diz que "a EDP era a locomotiva" do processo de desenho dos CMEC.