Reforma laboral: "tensão com a Constituição", resposta "exclusiva aos patrões" e "moralização da utilização de direitos"
As alterações previstas na proposta visam desde a área da parentalidade (com alterações nas licenças de amamentação e luto gestacional), à formação nas empresas e período experimental dos contratos de trabalho, prevendo ainda um alargamento dos setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve
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As alterações à legislação laboral, que o Governo começa a discutir na quarta-feira com os parceiros sociais na concertação social, continuam a dividir sindicatos e patrões: enquanto os primeiros denunciam que a proposta assenta em normas que "respondem única e exclusivamente à vontade dos grandes grupos económicos" — podendo até estar uma causa uma "tensão muito grande" com a Constituição —, as empresas salientam a necessidade de "encontrar moralização na forma como alguns direitos são utilizados".
Ouvido no Fórum TSF desta terça-feira, o secretário-geral da CGTP reforça que, neste momento, "todas as formas de luta estão em cima da mesa".
Todas as formas de luta são formas de luta que os trabalhadores vão e têm de assumir face ao confronto que temos pela frente.
Criticando o caminho previsto na proposta — designada "Trabalho XXI" e que o Governo apresentou em 24 de julho como uma revisão “profunda” da legislação laboral —, Tiago Oliveira acusa o Executivo de Luís Montenegro de alterar normas que "respondem única e exclusivamente à vontade dos patrões, dos grandes grupos económicos, das grandes empresas".
"A quem é que interessa mexer no direito à greve ou, por exemplo, a quem é que interessa limitar a entrada dos sindicatos nas empresas? Quem é que fica a ganhar com o afastamento dos sindicatos dos locais de trabalho, de levar esclarecimento aos trabalhadores? Ou, por exemplo, a quem é que serve generalizar a precariedade no mundo de trabalho, com o alargamento de todos os prazos dos contratos de trabalho a termo certo e a termo incerto?", questiona.
O sindicalista considera que estas medidas vão empurrar os trabalhadores para uma "situação de fragilidade, incerteza e insegurança relativamente ao futuro".
Já do lado dos patrões, o presidente da (Confederação Empresarial de Portugal (CIP) não vê ruturas, nem sequer qualquer atentado aos trabalhadores. Armindo Monteiro defende, contudo, que é necessário acabar com os "abusos".
Não é uma questão de relação entre os trabalhadores e as entidades patronais. É entre os próprios trabalhadores, porque, naturalmente, há trabalhadores que cumprem e há trabalhadores que não cumprem, tal como os empresários. E, portanto, cria-se um ambiente péssimo de trabalho quando se vê uns que, de forma oportunística, abusam de determinados direitos e põem em causa o direito para todos.
Armindo Monteiro entende, por isso, que é preciso "encontrar moralização na forma como alguns direitos são utilizados" e dá como exemplo a discussão em torno da licença para amamentação.
"Falou-se muito e foi isso que dominou toda esta discussão na questão da amamentação: o que está aqui em causa, naturalmente, não é o direito aos pais de acompanhar os filhos nos primeiros anos. Mas, então, que não se chame amamentação, que se chame acompanhamento dos filhos enquanto são bebés. Não se encontre é de formas de tornar isto numa questão que é de facto um abuso", apela.
Quem não partilha da mesma opinião é o presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), que aponta que as discussões sobre as alterações à reforma laboral estão a passar ao lado do essencial.
Jorge Pisco acusa mesma a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, de tentar fazer uma "fuga para a frente" quando abordou a questão da licença para amamentação.
Isto é uma falácia e a senhora ministra arranjou aqui uma forma, com as questões da amamentação, de poder fugir. Foi uma fuga para a frente, relativamente a situações que existem para se escudar da falta de outros apoios que o Governo tem do ponto de vista laboral.
O líder da CPPME acredita que aquilo que o tecido empresarial português necessita "urgentemente" é "menos burocracia e eliminação dos custos de contexto" e introdução de medidas que "conduzem ao crescimento e ao desenvolvimento" das micro, pequenas e médias empresas.
"É sempre a mesma tecla", defende igualmente o antigo secretário-geral da CGTP Carvalho da Silva, que considera que o Governo está a recorrer a argumentos estafados para justificar uma reforma que, na sua opinião, não faz sentido.
"É evidente que é preciso tratar das condições de produtividade e competitividade das empresas e, muitas vezes, desagua-se naquela coisa de que em Portugal não temos espaço para a iniciativa. Não. Nós temos excesso de espaço, até, para a iniciativa. Temos em Portugal cerca de 900 mil entidades empresariais. Isso não é um problema", ressalva.
O histórico sindicalista sublinha também que o cerne da questão está ligado à falta de formação dos empresários e dos apoios às empresas ou à não alteração do "perfil de especialização da economia para que ela possa crescer".
"Os próprios apoios públicos, muitas vezes, são captados por grupos dominantes para aproveitamento pontual desta ou daquela situação. Isso é que diminui a produtividade e a competitividade", esclarece.
Já o professor de economia política do ISCTE Paulo Marques lembra que a Constituição prevê o direito à estabilidade no emprego para afirmar que a reforma pretendida pode "espoletar uma tensão muito grande" o com o texto.
"Há aqui várias coisas que me parecem também irem muito longe, que é a possibilidade de um trabalhador que seja despedido sem justa causa, nomeadamente numa decisão do Tribunal, deixar de ter o direito à reintegração. Isso é uma mudança estrutural", garante.
Recorda ainda que Cavaco Silva, em 1988, enquanto primeiro-ministro, tentou fazer uma reforma que "desregulava os contratos permanentes", algo que foi considerado inconstitucional. O mesmo se passou em 2012, com as medidas previstas para o despedimento. Paulo Marques confessa, assim, "temer" uma nova "tentativa de encontrar um confronto com o Tribunal Constitucional no sentido de legitimar uma alteração à Constituição".
As alterações previstas na proposta — designada "Trabalho XXI" e que o Governo apresentou em 24 de julho como uma revisão “profunda” da legislação laboral — visam desde a área da parentalidade (com alterações nas licenças parentais, amamentação e luto gestacional) ao trabalho flexível, formação nas empresas ou período experimental dos contratos de trabalho, prevendo ainda um alargamento dos setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve.
