"Tem pouco efeito" e precisa de ser "densificada". Nova lei dos solos alvo de críticas pelo setor da habitação
As alterações feitas pelo Governo à lei dos solos não convencem totalmente nenhuma área do setor da habitação. O diploma foi discutido no Fórum TSF e as críticas vão desde a falta de trabalho prévio até à "vergonha" que é construir em zonas de Reserva Ecológica Nacional
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Nem todos são veementes, mas a crítica à nova lei dos solos é constante em vários agentes do setor da habitação. A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) pede "cuidado", a Ordem dos Arquitectos considera que a lei deve ser "densificada", a Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) acredita que terá "pouco efeito", o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) argumenta que era preciso um "trabalho prévio" e a associação Zero diz que "é uma vergonha".
No Fórum TSF, o vice-presidente da ANMP e presidente da Câmara Municipal de Vila Real, Rui Santos, espera mudanças, mas afirma que "é um passo em frente".
"Sublinhamos o cuidado que é necessário com a discussão de construção no solo rústico, porque essas construções comportam uma ponderação de vários fatores de risco, tanto ao nível da sustentabilidade ambiental, da guetização de pessoas, encargos com infraestruturas no território, etc. Mas consideramos que este é um passo em frente que não vai resolver tudo, mas que será mais um instrumento para resolver um problema que o país tem: o problema da falta de habitação a custos acessíveis ou controlados", sustenta.
O Governo tem insistido na existência desta lei dos solos para baixar o preço das casas e, por isso, ser preciso permitir a construção em solos rústicos desde que sejam compatíveis com zonas urbanas.
Avelino Oliveira, presidente do conselho diretivo da Ordem dos Arquitectos, considera que é preciso um aprofundamento de várias medidas: "Há aqui algumas matérias que têm alguma relevância, mas há outras que têm claramente, por um lado, serem revogadas ou pelo menos serem retiradas, outras serem aprofundadas, densificadas, e introduzir aquilo que praticamente todo o setor tem vindo a discutir no último mês e com um conjunto de contributos que eu acho que é possível, separando também de alguma demagogia e de algum extremismo, pelo menos corporizar uma densificação do diploma que possa ser melhor acolhido junto dos vários agentes do setor."
Pela APPII, o presidente, Hugo Santos Ferreira, não acredita que esta alteração à lei dos solos, por si só, produza os efeitos que o Executivo almeja.
"Esta medida isolada vai ter muito pouco efeito. Esta medida só funcionará, porque vai libertar solo e isso é positivo. Só funcionará com redução da carga fiscal na construção de habitação e licenciamentos mais rápidos, sem burocracia. Esta medida isolada, de facto, não funciona e, acrescento eu, como disse há pouco, procurando também rever o preço a que os terrenos podem depois entrar no processo de aquisição, porque senão vamos inflacionar muito o preço dos terrenos e depois não podemos comprar os terrenos a um preço que seja o suficiente para que as casas que vamos construir sobre esse terreno possam ser acessíveis", crê.
Filipe Duarte Santos, presidente do CNASD, vai mais atrás e critica a falta de trabalho prévio para a produção da lei: "Não foi feita uma avaliação mais completa de quais são os terrenos urbanos que não estão a ser utilizados, não têm edificado, terrenos expectantes que, aliás, a palavra correta e que muitos edifícios estão sem ser utilizados, estão abandonados, tanto públicos como privados. Portanto, tudo isso podia ser utilizado para resolver este problema que o CNADS considera ser extremamente importante, ou seja, da crise da habitação, da falta de habitação, dos preços elevados da habitação."
Por fim, Francisco Ferreira, presidente da Zero, é o mais enérgico nas críticas à alteração feita pelo Governo, considerando mesmo vergonhoso permitir a construção em zonas de Reserva Ecológica Nacional.
"Não tem sentido colocar qualquer área de REN [Reserva Ecológica Nacional] daquelas que estão em jogo. Vertentes instáveis, áreas de elevada erosão do solo, áreas de máxima infiltração. É isto que está em jogo. É uma vergonha se nós admitirmos a construção nestes locais e, portanto, vamos pura e simplesmente dizer que não é possível construir, aplicar esta legislação em área de REN", avalia.
A lei dos solos tem sido muito debatida desde a promulgação pelo Presidente da República no final do ano passado, sendo que Marcelo Rebelo de Sousa já tinha alertado para um "entorse significativo" no momento em que deu aval à lei. Esta sexta-feira, a discussão regressa à Assembleia da República, depois de o pedido de apreciação do diploma requerido por Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN. O PS já anunciou propostas de alteração à lei para viabilizar o documento, desde que os preços das casas a construir nos terrenos rústicos abrangidos fiquem abaixo da mediana e seja garantida uma continuidade na paisagem urbanizada no sentido de limitar a especulação imobiliária.
