O presidente da REN deixa um alerta à troika: deve estar «muito atenta à coesão social» e entende que a opção de aumentar o IVA sobre a eletricidade de 6 para 23 % foi «excessivo»
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Rui Cartaxo viveu uma situação singular: passou da gestão pública para a gestão privada sem sair da mesma empresa. É o presidente da REN - Redes Energéticas Nacionais - que foi privatizada no ano passado, com 40 % do capital a ser vendido pelo Estado aos chineses da State Grid (25%) e à Oman Oil (15%). Os restante 11 % ainda detidos pelo Estado vão ser também vendidos.
Rui Cartaxo tem 60 anos, é licenciado em Economia, já passou pelo Banco de Portugal e pela Galp antes de iniciar uma carreira na REN onde desde 2009 preside à Comissão Executiva e ao Conselho de Administração. E não parece estar cansado: durante mais de meia hora falou com entusiasmo sobre a empresa que lidera, sobre as privatizações e sobre o país.
E foi sobre este tema - o país - que deixou alguns alertas. O primeiro foi sobre o IVA. No último trimestre de 2011 o Governo aumentou o IVA sobre a eletricidade da taxa mínima de 6 % para a taxa normal de 23 %, antecipando uma medida da troika. Rui Cartaxo não concorda com a medida: «Um aumento da taxa do IVA sobre a eletricidade eu compreendo. Passar diretamente da taxa mínima para a taxa máxima talvez tenha sido, na minha opinião pessoal, algo excessivo. Mas esta é uma reflexão que se aplica a muitas outras coisas para além da eletricidade»
«Troika deve estar muito atenta ao tema da coesão social»
Rui Cartaxo não o diz de forma explícita, mas deixa subentendido que medidas como essa - o aumento do IVA - podem contribuir para a erosão da coesão social. Talvez por isso nem tenha sido necessário colocar-lhe a questão; o comentário aconteceu por iniciativa própria e seguiu-se ao da subida do imposto: «a coesão social é absolutamente crítica para que o ajustamento seja viável» e nesse aspeto «o país já esteve numa situação mais confortável do que está» Num momento em que o país está prestes a conhecer as áreas nas quais o Governo vai cortar 4 mil milhões de euros na despesa, o presidente da REN deixa um aviso: «talvez haja da parte da troika a necessidade de ter sempre presente que a coesão social é crítica. A troika tem de estar muito atenta ao tema da coesão social».
«É irrealista pensar que vamos crescer neste ano»
O cenário macroeconómico do Governo - que provavelmente será revisto dentro de dias - aponta para uma inversão da queda do PIB no último trimestre do ano. Mas esse é um cenário no qual o presidente da REN não acredita: «depois das últimas revisões do comportamento macroeconómico da União Europeia, seria irrealista pensar que vamos começar a crescer ainda neste ano. Mas espero que neste ano os dirigentes europeus comecem a dar sinais claros que a austeridade não é suficiente e que o caminho do aumento sistemático dos impostos de cada vez que há um desvio entre as previsões e a realidade não é solução para a situação em que estamos».
Cenário de despedimentos está «fora de causa»
Em 2012 a REN teve um lucro de 124 milhões de euros obtidos em contra-ciclo, e um cadastro de falhas em branco: a transportadora de energia conseguiu atingir a marca de zero minutos de falhas na rede de gás e eletricidade. Mas 2013 não deverá trazer boas notícias: nesta semana Rui Cartaxo disse que este será o «ano mais difícil» da REN. Ainda assim o presidente da empresa rejeita por completo um cenário de despedimentos: «está fora de causa. É um compromisso que temos com os trabalhadores. Temos conseguido redução de custos com consenso e paz social, através de reformas por limite de idade e reformas antecipadas, em grande parte das vezes a pedido dos trabalhadores. Vamos combater as dificuldades reduzindo os encargos financeiros [com a dívida, que já ultrapassa os 2,5 mil milhões de euros]». A REN emprega mais de 700 pessoas.