Autoridade da Concorrência alerta para dois aspetos dos projetos do Governo, PSD e BE que colocam as plataformas em desvantagem: acesso à atividade e idade dos veículos.
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A Autoridade da Concorrência (AdC) analisou o projeto de Lei do Governo e as propostas de lei do PSD e do BE para a regulamentação das empresas de transporte através de plataformas eletrónicas e sublinha dois aspetos, comuns aos três documentos, que podem distorcer a concorrência no setor: os requisitos de acesso à atividade e as exigências sobre a idade dos veículos. No parecer, o regulador refere ainda um fator que está presente em dois dos três diplomas e que pode ser desequilibrado: as exigências de formação dos condutores.
Requisitos de acesso à atividade
As três propostas determinam a "idoneidade do operador" como requisito para o acesso à atividade, aplicável às plataformas eletrónicas mas não aos táxis. A AdC considera que "importa clarificar o fundamento desta exigência [] face à sua eliminação relativamente aos serviços de transporte de táxi".
Idade dos veículos
Governo, PSD, e BE impõem também um requisito para a idade dos veículos das plataformas (um máximo de sete anos) que não é aplicado aos táxis. Uma "disparidade", alerta a AdC, que "pode criar uma situação discriminatória na concorrência entre os serviços de transporte", dado que ao serem impedidas de operar com veículos com mais de sete anos, as plataformas podem "ter um custo superior ao que é suportado pelos operadores do serviço de táxi".
A AdC sublinha também que se o objetivo desta restrição é a proteção dos consumidores, "a existência de um sistema de a avaliação da qualidade pelo utilizador [a classificação dada ao serviço no final de cada viagem] já acautela de forma razoável a avaliação do estado da viatura".
O regulador sugere que este objetivo pode ser atingido de forma menos restritiva: "a obrigatoriedade de indicação do ano de matrícula na informação a prestar" pelos operadores.
125 horas de formação para taxistas, 50 para Uber
A AdC salienta ainda a diferença na carga horária da formação exigida a taxistas e a motoristas das plataformas.
Enquanto os últimos, nas propostas do Governo e do PSD, devem ter um total de 50 horas de formação, os taxistas são sujeitos a cursos com pelo menos 125 horas (mas que podem ser dispensadas se os candidatos tiverem frequentado outras ações equivalentes, desde que reconhecidas pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes.
A AdC reitera as recomendações feitas há um ano, sublinhando que os requisitos de formação devem "assegurar igualdade de oportunidades" para os vários prestadores.
Neste aspeto, o projeto-lei do BE distancia-se dos do governo e do PSD, ao prever a mesma carga horária para os dois casos.
Obrigações de serviço público vs vantagens de serviço público
O serviço público implica a obrigação de serviço universal, a obrigação de prestação de serviço e a limitação geográfica que não se aplicam às plataformas eletrónicas mas concede direitos aos quais empresas como a Uber ou a Cabify não têm acesso, como a recolha de passageiros na rua, paragem em praças ou utilização das faixas BUS.
A Autoridade recomenda, por isso, uma avaliação quantitativa e qualitativa das vantagens e obrigações do serviço público, impostas aos táxis e inexistentes nas plataformas, para "garantir o princípio da neutralidade concorrencial e assegurar que não são concedidas vantagens desproporcionais" aos táxis.
Uma batalha com quatro anos
A Uber entrou em Portugal em 2014 e foi imediatamente alvo de contestação por parte dos taxistas.
O parecer da AdC chega ao parlamento mais de um ano depois da apresentação da proposta de lei do governo, tornada pública no final de 2016. O projeto de Lei do BE foi entregue em março de 2017, e o do PSD dois meses mais tarde.
As propostas foram elaboradas depois da própria AdC ter feito, em 2016, um estudo sobre o setor, no qual o regulador alertava que a regulamentação de plataformas como a Uber ou a Cabify não podia resultar em distorções na concorrência.
Nesse estudo, a AdC recomendou medidas de estímulo à concorrência, como o fim do limite camarário de licenças de táxis e a liberalização de preços no sector, que "limita a liberdade dos prestadores para estabelecerem os preços dos serviços", o que tem como consequência "uma limitação da sua capacidade concorrencial".
O regulador volta agora a avisar para fatores, presentes nas propostas de regulamentação da autoria do Governo, do PSD e do BE, que podem, se não acautelados, "colocar em causa o equilíbrio concorrencial".