Leia aqui a entrevista integral à secretária de Estado da Habitação.
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Ana Pinho nasceu em Oliveira de Azeméis, em 1974, licenciou-se em arquitetura e tem uma longa experiência no tema da habitação e reabilitação urbana.
Não é a primeira vez que trabalha com António Costa: antes de assumir a secretaria de Estado da habitação foi consultora da Câmara de Lisboa entre 2012 e 2015 e em 2009 foi Comissária da Carta Estratégica da capital para as áreas da demografia e habitação.
Esta entrevista acontece num momento em que o tema tem ganho uma relevância crescente, muito por força do mercado de arrendamento e do aumento de preços visível sobretudo nas grandes cidades, e em particular em Lisboa, e do governo ter lançado um pacote legislativo para a habitação.
Este dossiê foi recebido com críticas por parte de protagonistas como a Associação de Municípios e a Associação de Proprietários. Algumas têm que ver com fatores que ainda não são conhecidos, como o limite das rendas e dos rendimentos das famílias. Qual será afinal a renda máxima que os senhorios podem praticar para beneficiarem da redução de IRS e IMI?
Será definido um valor de referência para cada alojamento. Esse valor tem por base a mediana do valor por metro quadrado das rendas dos contratos que foram realizados no ano anterior, que é revelada com regularidade pelo INE. Mas tem outros fatores de ponderação, que têm que ver com as características do imóvel. Começando por um muito simples: se estamos a falar do preço por metro quadrado, precisamos de ter a área. Ao mesmo tempo há outros fatores que qualificam o imóvel, caso contrário, dois alojamentos com a mesma área mas em condições diferentes teriam o mesmo valor. Estamos a falar de coisas como o certificado energético, o estado de conservação, estacionamento, mobília ou equipamento. Há coisas que esta fórmula não tem em conta porque estão fora do âmbito do programa. Por exemplo piscinas ou outras situações de certo luxo. O âmbito do programa é garantir uma oferta acessível para pessoas de classe intermédia que neste momento gastam mais de 40% do seu salário para poder ter acesso a habitação adequada naquela localização. Este programa não deixa entrar alojamentos sem condições mínimas de habitabilidade mas também não premeia alojamentos que tenham um standard que o Estado não deverá subsidiar.
As características dos fogos serão fornecidas pelos proprietários ou será o Estado a ir verificar?
Há um conjunto alargado de características que estão na caderneta predial.
Mas não todas as que referiu...
Mas as outras informações são absolutamente objetivas e facilmente identificáveis. O potencial arrendatário, quando visita o imóvel, pode facilmente perceber se o que está declarado corresponde ao que está a ver.
Do lado dos inquilinos haverá requisitos para aceder ao programa?
Sim. Estamos a falar de famílias que têm de ter rendimentos.
O que significa isso na prática?
Significa que têm de ter rendimentos mensais. Não há um limite inferior. Obviamente que, com uma taxa de esforço entre 10% e 35% em rendas que são mais baixas que as do mercado corrente, mas que mesmo assim refletem esse mercado,... estamos a falar das classes de rendimentos intermédios. Não há limite inferior porque este valor varia muito de um concelho para outro. De Lisboa para Bragança varia imenso. É feito só um limite de elegibilidade superior que permite que ninguém seja posto de fora deste programa. Será definido em portaria mas o cálculo subjacente é este: tendo em conta a mediana de preços do INE e os tamanhos médios de cada tipologia, conseguimos perceber a partir de que limite é que cada agregado familiar tem de gastar mais de 40% do seu rendimento para aceder a uma habitação adequada.
É calculado em função dos rendimentos de cada agregado?
Em função da dimensão de cada família, sendo que depois, pelo próprio preço das rendas a nível de cada município, haverá diferentes agregados que terão diferentes respostas a nível do alojamento.
Poderá haver casos de famílias que são elegíveis num concelho e noutro não, porque os preços são diferentes?
Só vamos pôr um teto nacional de elegibilidade, mas obviamente que se entram no programa rendas mais baixas no município A do que no município B, os rendimentos das famílias que poderão candidatar-se a essas rendas também são mais baixos nesse município. E porquê? Porque a mediana nos indica que famílias com rendimentos superiores têm oferta no mercado.
Os cálculos mais específicos já estão a ser feitos?
Está tudo a ser feito mas poderá levar ainda algum aperfeiçoamento neste mês que decorre.
Houve especialistas a alertar para a possível inconstitucionalidade de algumas regras, por exemplo os arrendamentos vitalícios para maiores de 65. Admite alterações?
O que saiu na comunicação social era para o caso de não haver exceções... e elas estão lá. A nossa proposta é que não haja oposição à renovação dos contratos de pessoas com mais de 65 anos, que residem na habitação há mais de 25 anos ou que tenham um grau de deficiência superior a 60%. Nesse caso a denúncia é possível, no caso em que o proprietário precise da habitação para si próprio ou para um familiar direto. Estão contempladas as exceções.
Não teme que o anúncio desta regra possa levar senhorios a denunciarem os contratos imediatamente para não terem de enfrentar a hipótese de um inquilino vitalício?
Essa foi a razão pela qual não fizemos isto perdurar no tempo. Isto refere-se ao momento de entrada em vigor da lei. Não é para casos futuros. Isto não é uma imposição eterna. A proposta é para quem, neste momento, está nesta situação. Vamos proteger quem já estava protegido pela lei, mas que por lapsos da própria lei transitou para o novo regime, porque muitas vezes uma pessoa idosa não sabe que se não responder à carta transita automaticamente. São pessoas especialmente vulneráveis que apanharam um momento de mercado muito excecional, que levou a maior agressividade nestas transições. Estamos a prever um conjunto de incentivos muito alargados para que seja vantajoso para os senhorios manterem os contratos de arrendamento. Acreditamos que se uma imposição perdurasse, iria ter o efeito contrário, que era toda a gente despejar os nossos idosos.
É uma medida pensada para ser temporária?
Não, é pensada para quem, neste momento de entrada em vigor da lei, reside há 25 anos naquele imóvel e tem uma das condições de vulnerabilidade. Não é para quem tenha 65 anos daqui a um ou cinco anos, é no momento de entrada em vigor da lei.
Há a ideia de que as medidas públicas, para serem eficazes, têm de passar pelo volume, ou seja só colocando muitas casas no mercado é que poderá haver uma descida dos preços. O Estado consegue atuar aqui?
Estamos a trabalhar nisso em várias frentes. Com o programa Primeiro Direito, o primeiro-ministro anunciou que a intenção era colmatar carências habitacionais de quase 30 mil famílias em seis anos. Somando a estas, temos o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, que visa mobilizar o património administrado pelo Estado, pela administração local ou IPSS, que precise de obras de reabilitação. Somamos a isso o programa de arrendamento acessível. Esperamos seduzir o mercado privado pela via de adesão a estes programas, e que sejam eles próprios descer as rendas.
Falou de 30 mil famílias mas o Primeiro Direito prevê 8 mil casas até 2020 e o Fundo para a Reabilitação do Edificado tem 41 imóveis. Isto é suficiente?
A curva de execução é temporal, ou seja, não é expectável que estejam prontas em 2020 mas pode acontecer. Ao nível do Fundo Nacional do Edificado, os dois primeiros subfundos já estão na CMVM para aprovação e já tem um número muito bom de imóveis para o primeiro trimestre de 2018. Seguindo este ritmo até se pode ultrapassar a expetativa do Plano Nacional de Reformas. Queremos apontar indicadores de precaução, preferimos pecar por defeito do que por excesso de otimismo. O Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado tem um enorme potencial, porque não só será financiado pelo fundo de estabilização financeira da Segurança Social, com tem um potencial de investimento muito grande que pode chegar aos 1400 milhões de euros. Mas precisamos que haja adesão. Fizemos um novo alargamento que passa a apoiar as residências de estudantes, ou seja as próprias universidades podem recorrer.
A habitação, no momento em que vivemos, não precisaria de medidas mais duras, como o estabelecimento de limites máximos nos preços? O caso de Lisboa é o que mais se discute, aquele em que aparecem casos de quartos a 1000 euros.
Ainda vivemos num estado de direito e não estamos num cenário de obrigar os proprietários a arrendar. Estamos a tentar incentivar a nova oferta. Há dois objetivos. Precisamos de maior estabilidade e segurança para quem está no regime do arrendamento, mas precisamos desesperadamente de nova oferta para quem está em casa dos pais, para quem está a ser obrigado a endividar-se ou a ir para muito longe do seu lugar de trabalho.... Temos de conseguir compatibilizar estes dois objetivos. Se for pelo limite administrativo das rendas, qual é o proprietário que vai pôr uma casa em arrendamento? Provavelmente nenhum. Daí que a nossa proposta seja colocar no programa de arrendamento acessível, ter seguros de renda e estabilidade garantida.
Mas compensa para os proprietários? Se eu quiser arrendar um apartamento por 1000 euros, compensa-me aderir ao programa e alugá-lo por 800?
Dou um exemplo prático: um T2 de 80 metros quadrados em S. Domingo de Benfica, com certificado energético C, num piso elevado mas com elevador, sem estacionamento, sem mobília, sem equipamento mas com um estado de conservação satisfatório. Teria um valor de referência de 838 euros. O senhorio teria pô-lo a 670 euros. Um casal com um filho, um rendimento de dois mil euros, na situação atual de mercado, teria uma taxa de esforço de 42%. No programa passaria a ser de 33,5%. O senhorio teria como vantagem praticamente um mês de renda. E se houver isenção ou redução de IMI por via da proposta municipal, isso acresce a este mês de renda extra. Ganharia rendimento, maior proteção e menor risco.
Deixará de ser necessário ter fiador?
No âmbito do programa de arrendamento acessível será obrigatório um pacote de seguros que, do ponto de vista do proprietário, reduz o risco, porque tem um seguro de renda para o proprietário, um seguro de quebra de rendimentos para os inquilinos e um seguro de danos. Para os inquilinos não só os protege de quebra de rendimentos súbita como ainda deixam de precisar de fiador ou caução porque os seguros cumprem essa função.
Um dos fatores que levou à situação que agora vivemos foi a explosão turística. Houve proprietários que retiraram do arrendamento tradicional para colocar no AL porque era mais vantajoso do ponto de vista financeiro. Deveria haver mais restrições ao AL para incentivar o arrendamento tradicional?
É algo que está em debate no parlamento. Achamos que a regulação do uso que pode ser dado ao património imobiliário deve ser feita pelos municípios. A realidade é muito diferente nas várias zonas do país e se em certas zonas de Lisboa há sobrecarga, noutras áreas do país o AL é vantajoso para fixar pessoas, pela perda demográfica e falta de emprego que existe. Por ser uma realidade tão díspar achamos que necessita de ser regulada e que os municípios são as entidades com mais competência de o fazer.
No programa "Primeiro Direito", quais são os requisitos em termos de rendimentos para aceder, e como é que essas ajudas vão ser calculadas?
O rendimento máximo é quatro vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais, que nesta altura é de 428 euros e 90 cêntimos. Na pratica são cerca de 1715 euros. Depois há um fator de correção pela dimensão do agregado familiar, o que faz com que, num agregado com mais pessoas, este rendimento possa subir. O cálculo dos apoios, é indexado à necessidade da própria família, ou seja, os apoios do Estado a fundo perdido serão tanto maiores quanto mais carenciada for a família. E, mesmo para o mesmo nível de rendimentos, se tem mais dependentes a cargo, vai ter maior apoio. O cálculo tem por base uma taxa de esforço mensal de 25%, durante um período de 15 anos, que é um período bastante curto para um crédito à habitação. Se o empréstimo para o restante for mais longo, a taxa de esforço ainda será menor que esta. Porque a maior parte dos portugueses não tem créditos à habitação a 15 anos. Para famílias mais carenciadas são boas condições de apoio.
Os municípios deram o seu parecer negativo à medida. Dizem que está mais responsabilidades e financiamento insuficiente. Como é que o Governo reage?
Acreditamos que seja falta de comunicação. É um programa de apoio financeiro, nos mesmos moldes dos anteriores ao nível de competências.
Outro dos programas apresentados pelo Governo foi o Chave na Mão, que permite mobilizar as famílias para o interior e colocar casas no mercado do arrendamento acessível. Qual é o universo potencial de beneficiários?
Não temos uma estimativa. Temos um conjunto alargado de municípios no interior que tem projetos de desenvolvimento e emprego e que tem dificuldades em dar resposta. Neste momento é muito difícil a uma família que tenha adquirido uma habitação deslocar-se. Estamos a criar um instrumento que permite que uma família, ou porque chegou à idade da reforma e quer voltar à terra em que nasceu ou que tem uma oferta de emprego atrativa no interior, não veja a sua mobilidade impedida por ter comprado casa.
Quais são os benefícios concretos para as famílias na adesão a este programa?
Chegam ao IHRU e entregam o seu imóvel. Podem aí contratar com o IHRU a gestão simples de colocação do imóvel no programa, ou uma gestão mais complexa em qu tudo o que seja obras de conservação ou reuniões de condomínio, o IHRU encarrega-se delas. A família vai para o interior e não tem de se preocupar com nada disso.
Esse apartamento irá por exemplo para o arrendamento acessível?
Exatamente. E ainda há uma terceira alternativa que é a família arrendar ao IHRU e o IHRU subarrenda no programa de renda acessível. Claro que cada uma destas alternativas implica uma redução do valor de renda, correspondente à expetativa de gasto que o IHRU terá com essas tarefas.
E no destino tem algum tipo de apoio?
Tem estes memos programas em vigor. Se quiser ir para o programa de arrendamento acessível, torna-se candidata na cidade de destino.