Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais admite "amplo leque de despesas" que podem deduzir à coleta dos trabalhadores independentes, que nalgumas atividades pode até incluir contas de supermercado.
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Em entrevista à TSF, António Mendonça Mendes volta a garantir que nenhum trabalhador independente será prejudicado pelo Orçamento do Estado, que determina o fim da presunção automática de que 25% dos rendimentos correspondem a custos da atividade.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sublinha as três medidas que beneficiam os profissionais liberais: a manutenção do valor máximo de 25% nas deduções, o alívio por via do reescalonamento do IRS e o alargamento à categoria B da impenhorabilidade de 2/3 do rendimento.
Já garantiu que os trabalhadores a recibo verde não vão ser prejudicados. Mas há simulações que mostram o contrário. Admite que há casos em que de facto os contribuintes da categoria B vão pagar mais IRS?
Quero reafirmar em primeiro lugar que vai haver um alívio fiscal para todos os trabalhadores em Portugal, incluindo todos os trabalhadores independentes a recibo verde. É falso que haja qualquer penalização ou agravamento fiscal para os trabalhadores a recibos verdes. As dúvidas que têm vindo a público dizem apenas respeito a trabalhadores a recibos verdes com valores superiores a 1.600 euros por mês e são dúvidas que não têm razão de ser.
Mas até agora, o Estado presumia que 25% do rendimento dos recibos verdes com contabilidade simplificada correspondiam a despesas que eram deduzidas na hora de calcular o imposto. O governo teve em conta que grande parte dos recibos verdes não têm despesas que alcancem esses 25% e que por isso pode haver pessoas que vão pagar mais?
Repito: não há nenhuma penalização dos recibos verdes e não vai haver agravamento de impostos para os trabalhadores a recibos verdes. E isso acontece por três motivos. Em primeiro lugar, mantém-se o valor máximo relativo às deduções, ou seja: os 25% que podiam ser deduzidos continuam a poder ser deduzidos. Em segundo lugar, porque todos os trabalhadores a recibos verdes beneficiam de um alívio fiscal por via dos novos escalões do IRS. E em terceiro lugar, os trabalhadores que estavam completamente desprotegidos em relação às penhoras deixam de poder ter o seu rendimento integralmente penhorado.
Grande parte dos trabalhadores a recibo verde não tem despesas que alcancem esse valor de 25%. Essas pessoas não vão pagar mais?
Em 2001 criou-se o regime simplificado, e não havia a informatização da máquina fiscal. O regime dizia que até 200 mil euros presume-se que 25% daquilo que os trabalhadores a recibo verde recebem são custos da sua atividade. O regime simplificado é uma técnica fiscal, não é um benefício fiscal. Como não havia maneira de saber quais eram os custos, criou-se uma regra, uma ficção na lei, que sobreviveu até hoje. Hoje, com o e-fatura, em que a Autoridade Tributária tem conhecimento de todos os custos que existem de todas as faturas faz sentido continuar a usar uma presunção se tenho essa informação? Não estou a pedir aos contribuintes que façam mais do que o normal, que é, quando compram algum bem ou serviço, que coloquem o número de contribuinte. Estamos a pedir aos recibos verdes de altos rendimentos que apresentem faturas, o que vai ajudar a aumentar o IVA. Não vai fazer as pessoas pagar mais impostos. Vai permitir que haja mais faturas, e havendo mais faturas vai haver mais pagamento de IVA.
Imaginemos um contribuinte que hoje tenha despesas que não alcancem 25% do rendimento. Por exemplo, as despesas podem ser de 15%. Hoje esse contribuinte beneficia do facto de o Estado presumir que as despesas são de 25% do rendimento quando na verdade são de 15%. Em 2018 isso não vai acontecer, esse contribuinte vai deixar de beneficiar dessa presunção, e apenas serão registadas as despesas reais de 15%. Ele vai ou não pagar mais IRS?
Registo que coloca a questão com o termo "benefício". E o regime simplificado não é um regime de benefícios fiscais. Dei o exemplo de que de 2001 para hoje, com a implementação do e-fatura, todas as faturas estão à disposição da AT. Vejamos o exemplo de um advogado que cobra 20 mil euros a um cliente. O estado presume que 5 mil euros são custos que ele teve com o trabalho que fez a esse cliente. O que muda agora é que as despesas que ele fez devem estar no portal das Finanças.
Mas se as despesas forem de 3 mil em vez de 5 mil euros ele vai pagar mais IRS.
Imaginemos outro exemplo. Um advogado como profissional liberal e outro advogado que é trabalhador por conta de outrem numa grande empresa. Ambos ganham 100 mil euros por ano. O profissional liberal vai ser tributado em 75 mil euros. O outro é tributado pelo valor quase todo. Não acho que isto seja justo. O que estamos a fazer é conferir duas coisas: transparência e justiça. Tenho a convicção que os 25% presumidos na lei correspondem à verdade. Porque se não corresponderem à verdade então aqueles que se opõem à medida têm a obrigação de propor pedir a diminuição do coeficiente. E nós não estamos a fazer essa proposta.
O problema coloca-se quando as despesas são inferiores a 25%. É aí que estará a diferença na tributação entre 2017 e 2018.
Vamos às despesas. Estamos a falar de um leque amplo de despesas. Se uma ama comprar um carrinho de bebé, isso é despesa. Se um advogado comprar um fato caro numa loja na Avenida da Liberdade, pode apresentar essa despesa? Se na sociedade onde está tem de ir arranjadinho, então aquela é uma despesa relacionada com a atividade profissional. Não acredito que os profissionais - e estamos a falar sempre de altos rendimentos - não tenham despesas de 25%. E não acredito porque é isso que está na lei. E se os profissionais destas categorias eram eles que tinham a obrigação de dizer que 25% era demais.
Mas afinal que despesas podem ser apresentadas?
Podem até sobrepor-se despesas gerais e familiares. Dou-lhe um exemplo: os tradutores, que em princípio trabalham em casa. Qual o custo desta atividade? Se trabalha em casa até admito que uma despesa de supermercado possa ser apresentada. Os tradutores também almoçam e jantam. Se posso deduzir almoços nos restaurantes, também posso deduzir uma conta de supermercado se almoçar em casa.
Portanto uma conta de supermercado pode ser deduzida?
Nestas circunstâncias, poderia. Não em todas, mas nesta poderia.
Para terminar este tema: se eu for um trabalhador a recibo verde com um rendimento de 20 mil euros e tiver despesas que não chegam a 25% disso, vou ou não pagar mais IRS em 2018?
Essa pessoa teria uma taxa de poupança altíssima. Volto a dizer que não acredito que os trabalhadores a recibo verde não tenham 25% de despesas. Esta é uma medida de promoção do pedido de fatura.
Não acredita portanto que haja trabalhadores com despesas inferiores a 25%?
Não acredito. Se não, teríamos vivido uma fraude durante anos.