O cenário da necessidade de um acordo pós-eleitoral para assegurar condições de governabilidade ao Partido Socialista (PS), colocado pelas sondagens, acabou por dominar todo o período de campanha eleitoral, sem que da liderança de Jerónimo de Sousa se abrisse uma porta, sequer uma janela.
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Nem os constantes apelos à união da esquerda escutados na rua pelo candidato da CDU fizeram recuar Jerónimo de Sousa na firme determinação em combater as políticas de direita, independentemente dos seus protagonistas.
Apesar de garantir abertura ao diálogo, o candidato comunista em nenhum momento mostrou disponibilidade para ceder, indispensável em qualquer processo negocial.
Pelo contrário, fez crescer com o evoluir da campanha um discurso cada vez mais agressivo e acutilante contra o Partido Socialista, "um partido que se diz de esquerda mas que pratica políticas de direita", sustentando esta ideia nas propostas que constam do atual programa eleitoral de António Costa, mas também na história da governação socialista. "Foi o PS que desencadeou o ataque aos direitos dos trabalhadores. E eu nem sequer estou a regressar a 1976, quando um governo de Mário Soares abriu o precedente dos contratos a prazo".
Para Jerónimo de Sousa são várias as propostas que afastam a CDU do PS para a construção de um país com o futuro, nomeadamente em matérias como a reforma da Segurança Social e a renegociação da dívida.
Nem mesmo quando o PS reagiu aos recorrentes ataques da CDU, na segunda semana de campanha, com António Costa a criticar o desperdício de energia dos partidos à esquerda, o secretário geral do PCP abandonou a postura combativa, antes pelo contrário. Foi nessa altura que Jerónimo de Sousa acusou o PS de ter deixado a CDU sozinha na contestação ao Governo PSD/CDS nos últimos quatros, enquanto o partido de Costa se ocupava de "sarar as feridas".
Aparentemente, o PS terá que encontrar outro parceiro se não conseguir a maioria absoluta e Jerónimo de Sousa não acha descabido que seja o CDS. "Portas está sempre disponível para tudo, seja com este ou com aquele, desde que esteja no poder", disse.
Nas arruadas e ações de contacto com a população, a campanha teve dois momentos. Na primeira semana e meia, Jerónimo de Sousa foi sempre muito bem recebido e em ações como a descida da Morais Soares, em Lisboa, ou a arruada no Porto, foi engolido pelo calor humano de muitos apoiantes e militantes, entusiasmados com a "oportunidade histórica" de governar. No entanto, sobretudo a partir de quinta feira, penúltimo dia, enquanto se espreitava os resultados das últimas sondagens, apontando vitória à coligação PSD/CDS, o ambiente de campanha perdeu o fulgor que tínhamos visto, nomeadamente a energia com que antes se gritara "A CDU avança, com toda a confiança".
Nas ruas, o secretário geral do PCP é figura popular e colhe grande simpatia sobretudo entre reformados e pensionistas, ex-combatentes e desiludidos da política. E crianças, muitas crianças e jovens que reconhecem em Jerónimo de Sousa uma figura protetora.
Aos 68 anos, Jerónimo de Sousa foi insistentemente questionado, ao longo da campanha, sobre a sua condição física. "Estou aí para as curvas", foi sempre respondendo sem, no entanto, conseguir disfarçar um certo incómodo. No penúltimo dia, devolveu a pergunta, questionando como se sentiam os jornalistas que o acompanharam após uma maratona de mais de 4.500 quilómetros percorridos. E no entanto: "Aqui estou, pronto para os combates que aí vêm".