A pré-campanha arrancou cedo, mas para os jornalistas que andaram na estrada com António Costa, ficou a ideia de que o Partido Socialista acordou para tudo demasiado tarde.
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Nos comícios, o "speaker" bem repetiu em todas as introduções: "chamo eu, chamamos nós, chama Portugal", mas o líder socialista demorou a chegar. Os discursos começaram mornos e demoraram a subir de tom, ainda toldados pelos efeitos do segundo frente-a-frente entre Costa e Passos - que haveria de marcar o início da campanha.
Depois de sublinhada a ideia socialista de "poupar" cerca de mil milhões de euros em prestações sociais (não contributivas), o secretário-geral do PS desdobrou-se em esclarecimentos, mas, no fim de contas, demorou demasiado tempo a clarificar como é que essa "poupança" seria conseguida, deixando evaporar um dos argumentos com que tinha partido para a campanha: o "corte" de 600 milhões de euros nas pensões, proposto pela coligação PSD/CDS-PP. Nem sequer aproveitou bem o facto dos mil milhões "dele" serem a soma de cortes previstos para os quatro anos da próxima legislatura, e compararem bem com os 600 milhões de corte propostos pela coligação PSD/CDS num só ano. Era fazer as contas, 4x600=2400 milhões.
Com o decorrer da campanha, as arruadas, que começaram por ser curtas e com pouco contacto, foram juntando mais simpatizantes e mais entusiasmo, mas, em geral, foi notório o alheamento das populações, que estão com menos paciência para acreditar, para ouvir falar de promessas, ou de compromissos ,e cansadas de sofrer no bolso as políticas deste e do outro governo.
Na rua, ouviu-se que "já não há comícios como antigamente" ou que "eles só sabem mentir, não adianta votar", mas António Costa esforçou-se por passar a ideia de que votar, na esquerda ou na direita, vale sempre a pena. Falou do passado, para sublinhar que o PS de 2015 nada tem a ver com o de 2011, falou do presente e conseguiu falar do futuro e de um programa com "contas feitas".
Mas, se dias houve em que a caravana soube aproveitar todas as horas e minutos do dia para chegar às pessoas, esclarecer, apelar e, no fim de contas, mobilizar, outros houve em que, sem qualquer explicação, as ações de campanha não acompanharam a urgência do momento. Para memória futura fica a ideia de um candidato que não arriscou tudo quanto podia, e devia, ter arriscado.
Tentando afastar a nuvem negra das sondagens, pediu maioria absoluta, mas sublinhou que, mesmo sem ela, o PS vai conseguir governar e criar pontes. Este foi, aparentemente, o grande trunfo apresentado pelo líder do PS, recordando o trabalho feito na autarquia da capital.
Essa nuvem negra não trouxe chuva, mas um ou outro azar: em mais do que um comício faltou a luz, houve uma indisposição do socialista João Cravinho, o palco onde Costa se preparava para discursar foi invadido em três momentos diferentes, e até o sino de uma igreja de Barcelos tocou quando o líder socialista falava. Conseguiu contornar os tropeções e até tirou partido das badaladas, dizendo com graça que às sete da tarde de Domingo fechariam as urnas.
É possível que António Costa tenha reagido melhor aos imprevistos do que aos previstos. Se o som dos sinos foi música para a campanha, a arruada planeada em Santa Comba Dão foi mais do que desnecessária. O candidato a primeiro-ministro passeou pelas ruas da cidade, onde nasceu Salazar, e falou com meia dúzia de pessoas, duas delas sentadas dentro de um carro. Em particular durante a primeira semana, o líder do PS pouco se deu a conhecer em ações de rua e, com algumas paragens a revelarem-se verdadeiros fiascos do ponto de vista da mobilização, a campanha não desolou.
E, para além do adversário óbvio, ou seja, a coligação de direita , António Costa ainda teve de ouvir o nome de António José Seguro mais vezes do que aquelas que gostaria. Foi na feira da Trofa, num sábado de manhã, que Costa estendeu a mão a um vendedor. Ao "muito prazer" já habitual nestas circunstâncias, a resposta dada ao líder socialista foi "prazer só se for seu, para mim só se fosse com Seguro (...) com ele o Partido Socialista conseguia maioria". Costa respeitou e seguiu caminho, mas não voltou a nenhuma outra feira.
Nas ruas, preocupou-se em ouvir, mas nem sempre em falar, com respostas nem sempre claras perante problemas concretos dos cidadãos. Apesar de tudo, havia sempre uma insistência: o PS não se desvia um milímetro dos compromisso assumidos no programa e não vale tudo em campanha eleitoral.
Nos discursos, destacou-se pela consistência e pela coerência. Nos pontos fracos, anotámos a falta de diálogo com os jornalistas (que bem pediam reações à actualidade, mas sem grande sorte), e um contacto com a população pouco efusivo. Em alguns momentos, António Costa parecia estar a defender-se de quatro anos de governação, quando devia preocupar-se com os próximos quatro anos sem coligação.