Percorridos perto de cinco mil quilómetros, a maratona de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas fica marcada, sem surpresa, pela exaltação do trabalho feito no governo e pela marcação cerrada a António Costa, numa analogia permanente entre a "estabilidade" e o "caos" que chega a levar o ainda primeiro-ministro a elogiar a Grécia e Alexis Tsipras.
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Ao lado de um líder do CDS mais apagado do que o habitual em tempos pré-eleitorais, Passos apelou a uma maioria "grande e boa", com mais "condições do que teve há quatro anos". , concretizando que a coligação "não pode ter menos condições para governar o país do que teve há quatro anos". Para trás ficam treze dias marcados por iniciativas que mais pareciam de um executivo em funções. Os contactos com populares foram os indispensáveis, houve alguns protestos de lesados do BES, mas com a máquina de campanha bem oleada e o apoio dos militantes indefectíveis tudo ficou para segundo plano. Com uma mensagem repetida até à exaustão e nunca fugindo ao alinhamento, Passos e Portas flutuaram na eficácia do discurso, do qual nem os notáveis social-democratas e centristas que marcaram presença conseguiram descolar. Na Coligação Portugal à Frente (PÀF) só se admitem cenários de vitória, com o líder do PSD a jurar que ele e o presidente do CDS serão "amigos para sempre". Se fosse preciso resumir o período oficial de campanha da PÀF, oito pontos seriam suficientes.
1 - Nós ou o caos
O período oficial de campanha da coligação começou no rescaldo de uma polémica: o anúncio de António Costa de que não viabilizaria um orçamento do Estado do PSD/CDS-PP. Passos Coelho apressou-se a deixar bem claro que não traçaria cenários em caso de derrota da direita, mas lembra que "nunca será oposição ao país" qualquer que seja a decisão dos portugueses. Mantendo esse argumento até ao último dia, Passos e Portas nunca deixaram esmorecer as críticas ao líder do PS, ainda que nem sempre de forma direta. Com o alvo bem definido, a campanha da coligação correu sem surpresas ou grandes sobressaltos, com tática batida, mas de inegável eficácia. Entre "o passado da troika trazida pelos socialistas" e "o futuro" que, promete, "de crescimento", Passos reivindicou reconhecimento, apelou a uma "maioria grande e boa", superior aos 50,35% dos votos conquistados pelos dois partidos em 2011. Para o léxico desta campanha ficam bem gravados os termos "estabilidade", "confiança" e os apelos feitos com "humildade" pelo candidato a primeiro-ministro.
2 - O "colega" Tsipras e o elogio aos gregos
Encostando o líder da oposição à esquerda radical e profetizando um cenário apocalítico em que o PS se junta ao PCP e ao BE para formar governo, Passos Coelho chega a utilizar o exemplo da Grécia e do "colega" Alexis Tsipras para defender que "nem os mais radicais na Europa" escolheram o abismo e puseram em causa o euro e o projeto europeu, como desejam os socialistas. Passos e Portas acusam mesmo António Costa de querer abandonar "a matriz democrática" socialista.
3 - A sedução dos indecisos
Cientes de que a grande incógnita destas legislativas está entre os indecisos e o território mais profícuo para a conquista de votos é no eleitorado do centro político, foi nesses alvos que os candidatos da coligação PSD/CDS-PP se concentraram. Usaram todas as munições possíveis e, sensivelmente a meio da maratona pelos vários distritos, dirigiram-se em particular ao eleitorado dos dois partidos que ainda não se reconciliou com a maioria de direita. E a esses reiteraram: "não falhámos", "fizemos o que tinha de ser feito, para pôr Portugal a crescer", prometendo beneficiar "os que estiveram na primeira linha dos sacrifícios" dos últimos quatro anos.
4 - Trocar a rua por empresas e por jantares com carne assada
Numa campanha com muito poucas ações de rua, Passos Coelho e Paulo Portas visitaram sobretudo empresas de sucesso - e aqui vestiram a pele de membros do Governo em funções, não de meros candidatos - e instituições de solidariedade, reduzindo ao mínimo o contacto com a população. Exceção feita às arruadas do Porto e de Lisboa, realizadas nos dois últimos dias de campanha, destacam-se as caminhadas pelo centro de Arcos de Valdevez, onde se viveu a primeira manifestação de alguma euforia (sobretudo de idosos das freguesias mais rurais do concelho), ou Espinho, onde Passos Coelho contou com o apoio de muitos militantes do distrito de Aveiro. Ao contrário, a arruada de Viseu, rebatizada de "passistão" ou "pàfistão" e o contacto de rua no Montijo revelaram a fragilidade da coligação nos banhos de realidade. À mesa, conseguiram juntar alguns milhares (perto de seis) em Santa Maria da Feira, (perto de quatro) em Penafiel e (três mil) em Viseu, em torno do quase sempre presente lombo de porco assado.
5 - Os lesados do BES
Sem surpresas, os lesados do BES organizaram pequenos protestos durante as últimas semanas. Primeiro, com mais força em Barcelos, ainda no período de pré campanha, depois em grupos mais restritos no Cadaval, Torres Vedras, Marco de Canaveses e Felgueiras, com alguns encontros mais "acalorados". A insistência levou Pedro Passos Coelho a garantir no jantar de Torres Vedras que "não se arrepende, nem por um segundo, de não ter dito à Caixa Geral de Depósitos que fosse salvar o Grupo Espírito Santo".
6 - Portas, o ator secundário
O líder do CDS-PP foi o ponta de lança nas intervenções à hora do almoço e do jantar, dando voz às críticas mais violentas à oposição e, em particular, a António Costa. Primeiro, com as propostas para a Segurança Social, depois com a ameaça de "instabilidade" e do "radicalismo" de uma hipotética "viragem à esquerda". Mas nem isso deu a Portas o papel principal nesta campanha. O "Paulinho das feiras", das conversas animadas com apoiantes e protagonista de alguns dos momentos mais divertidos das campanhas das últimas décadas, foi agora um ator secundário, tentando manter-se, ainda que por vezes quase contra-natura, com uma postura muito mais discreta do que o habitual. Ainda assim coube-lhe a ele o papel de "puxar à cena" um Passos Coelho mais sóbrio e com uma espécie de "alergia" a quem, no calor do entusiasmo, o agarra e puxa ou tece críticas mais fáceis.
7 - Os barões não foram armas
E, nos últimos dias de campanha, lá apareceram os notáveis. Marques Mendes (PSD) e António Lobo Xavier (CDS), protagonizaram as críticas mais acutilantes a António Costa, enquanto Rui Rio se juntou à coligação no jantar em Viseu. Fernando Nogueira (em Pombal), Durão Barroso (em Viseu) e Nogueira de Brito (em Lisboa) enviaram mensagens. Para o último dia de campanha estão prometidas as presenças de Pinto Balsemão, Santana Lopes e Marcelo Rebelo de Sousa. O apoio mais convincente foi protagonizado pelo antigo líder 'laranja' e comentador televisivo, Marques Mendes, que avisou que "sem maioria" Portugal arrisca ter um governo "cozinhado nas costas do povo" e novas eleições daqui a menos de um ano. Já Lobo Xavier acusou António Costa de querer criar "um saco de gatos" na Assembleia da República para garantir a continuidade na política.
8 - "Amigos para sempre". Será??...
À imagem de Viseu -o chamado "cavaquistão" das últimas décadas- e dos trocadilhos no antepenúltimo dia de campanha com várias iniciativas naquele distrito, Passos e Portas aguardam agora para saber se os portugueses escolhem votar, como têm defendido, numa maioria da coligação. Se isso acontecer, é provável que o "páfistão" (de Portugal à Frente) se confirme e os dois partidos da direita tenham razões para festejar. Caso contrário, ninguém sabe o que ocorrerá ao "passistão" e até onde o CDS caminhará a seu lado. Uma coisa é certa: sem antecipar cenários, Pedro Passos Coelho admitiu no decorrer da campanha ser inevitável que uma derrota tenha consequências em qualquer formação partidária que esteja na corrida.