Insuficiência cardíaca: integração de cuidados primários e serviços hospitalares dá cartas em Setúbal
Descobrir que se sofre de insuficiência cardíaca pode mudar uma vida, mas não significa deixar de vivê-la. A iniciativa "Coração de Portugal" dá a conhecer histórias de esperança contadas por doentes e de quem procura, com projetos e iniciativas, melhorar a vida de quem luta contra a doença. É o caso de um projeto inovador que nasceu em 2017 anos no Centro Hospitalar de Setúbal.
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Tornar o diagnóstico o mais precoce possível, melhorar a terapêutica instituída ao nível dos cuidados de saúde primários e melhorar a referenciação - foi com este objetivo que nasceu a UNIICA, Unidade Integrada de Insuficiência Cardíaca do Centro Hospitalar de Setúbal.
A cardiologista Sara Gonçalves, uma das fundadoras da UNIICA, explica que o projeto, que agrega os serviços de Cardiologia e Medicina Interna e integra os cuidados primários do Agrupamento de Centros de Saúde Arrábida, deu os primeiros passos há três anos.
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"Até 2017 nós tínhamos uma consulta de insuficiência cardíaca que funcionava no Serviço de Cardiologia e nesse ano houve a vontade do Serviço de Medicina Interna de também desenvolver uma consulta de insuficiência cardíaca. O que nos fez sentido foi desenvolver um projeto juntos e aproveitámos um programa de incentivo à melhoria de integração dos cuidados e da valorização do percurso do doente com insuficiência cardíaca, candidatamo-nos e acabamos por ganhar esse projeto da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e do Agrupamento de Centros de Saúde Arrábida", esclarece.
Desde então o projeto tem apostado na formação e na gestão em rede dos cuidados de saúde: "Temos seis unidades de saúde familiares e já demos formação a cinco; o hospital já equipou algumas dessas unidades com testes rápidos que ajudam e facilitam o diagnóstico e que geralmente a Medicina Geral e Familiar não tem ao dispor; criámos uma espécie de via verde de referenciação para os casos urgentes, que são vistos nos primeiros 15 dias; as unidades têm um telemóvel disponível para contactar com o Hospital todos os dias; foram identificados aqueles que definimos como híper- frequentadores do serviço de urgência com este diagnóstico e quando os referenciamos para nós próprios entramos em contacto com as unidades de saúde familiares, se estes doentes não tiverem médico de família é-lhes atribuído um médico de família", enumera Sara Gonçalves.
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No Hospital, o serviço conta com cardiologistas, internistas e enfermeiros e é já uma referência na prevenção e acompanhamento dos doentes com insuficiência cardíaca: "Temos uma parte de ambulatório, onde seguimos os doentes numa fase mais estável, são consultas de grupo feitas por enfermeiros e médicos (ou os colegas de Medicina Interna ou os cardiologistas envolvidos no processo), temos o hospital de dia que funciona ao nível do Serviço de Medicina Interna de segunda a sexta e onde conseguimos fazer terapêuticas dos doentes descompensados, terapêuticas mais programadas de forma endovenosa, ver e reavaliar doentes que por vezes nos são enviados da Urgência do Hospital ou dos cuidados de saúde primários", explica.
Sara Gonçalves garante que apesar da Covid-19 os serviço não diminuirão este ano, houve até um aumento no número de acompanhamentos. "Ao longo deste ano tivemos mais de 2 mil sessões de hospital de dia, com um grande esforço de toda a equipa que está presente em manter as consultas e a vigilância destes doentes, porque se efetivamente não conseguirem ter uma resposta de ambulatório e sem o apoio que o hospital de dia nos dá eles acabam por vir ao Serviço de Urgência. Apesar de todo este contexto acabámos por aumentar a atividade ao longo deste ano", nota a cardiologista.
Neste momento a UNIICA acompanha 623 doentes com insuficiência cardíaca. Um dos casos é Cláudia Campos, de 46 anos, que sofre de insuficiência respiratória grave e no ano passado descobriu que tinha também insuficiência cardíaca.
"Eu propus-me a transplante pulmonar, deram-me uma folha com uma bateria de exames médicos que eu teria de fazer para ver se estava apta e um dos exames era um cateterismo. Nessa altura sou informada que tenho uma insuficiência cardíaca grave devido ao esforço que toda a minha vida fiz para respirar. Eu faço oxigénio 24 horas e o coração foi ficando velhinho, ou seja, eu tenho 46 anos e devo ter um coração de 80 anos", exemplifica.
Depois dos resultados, além de ser acompanhada em Pneumologia, Cláudia passou também a ser seguida no Serviço de Cardiologia: "Entretanto, propuseram-me também para transplante de coração e como teriam de ser dois transplantes o meu organismo, segundo os médicos, não aguenta e não foi possível. É ir vivendo um dia de cada vez", desabafa.
Cláudia acabou por ser integrada na UNIICA, onde vai duas vezes por mês. "Faço uma bateria de análises ao pormenor e depois início o meu tratamento que é um medicamento injetado intravenosamente, que tem de ser feito durante um período de 6 horas. Passo lá o dia com os enfermeiros, a médica e a psicologa vão me visitar. Depois desse dia venho para casa, faço a minha vida normal, faço a minha medicação, controlo tudo, estou ligada a uma plataforma em que faço os registos em casa e através de telemóvel, em que todas as informações seguem para o hospital", explica.
Para prevenir episódios de descompensação e internamentos, a vigilância diária por telemedicina acompanha atualmente 16 doentes, incluindo Cláudia Campos. O controlo à distância é acompanhada ao pormenor pelos profissionais de saúde e todos os valores referenciados são analisados para monitorizar o estado de saúde dos doentes: "Vamos supor que eu estou com febre num dia, telefonam-me logo. Se eu hoje envio informação a dizer que peso 50kg e amanha 51,5kg a enfermeira telefona-me logo a perguntar o que se passa, se estou a fazer retenção de líquidos. Estou sempre a ser acompanhada", afirma.
Além do acompanhamento médico na UNIICA, Cláudia admite que o apoio psicológico que recebe é fundamental. Numa fase inicial aprendeu a aceitar a doença, hoje em dia consegue valorizar cada dia e cada momento. "Sim, sem dúvida, porque tenho uma família, tenho dois filhos, e para conseguir fazer a minha vida e tentar ser feliz o mais que posso, tive que aceitar que estou doente, que é grave e que não tem cura. Foi isso que me custou mais, mas depois essa parte tem de ser trabalhada no sentido de pensar que não há cura mas que posso viver com a melhor qualidade de vida possível".
Coração de Portugal é uma iniciativa do DN, JN e TSF com o apoio da Novartis e Medtronic.