A insuficiência cardíaca é uma doença crónica, progressiva e com uma taxa de mortalidade elevada. O diagnóstico precoce é fundamental e a telemonitorização é o meio mais eficaz para promover o contacto entre médico e paciente. Apesar de mortal, a insuficiência cardíaca pode ser potencialmente curável. Uma das chaves para o sucesso passa por garantir um acompanhamento multidisciplinar e integrado.
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Estima-se que há, em Portugal, mais de 400 mil pessoas que sofrem de insuficiência cardíaca. Um número que poderá atingir o meio milhão até 2060.Para garantir ao doente uma abordagem eficaz, na qual ele assume um importante papel, o diagnóstico precoce é fundamental.
Gonçalo Proença, cardiologista no Hospital de Cascais, sublinha a importância de um acompanhamento contínuo dos doentes, "o empoderamento do doente é muito importante em todas as áreas, mas na insuficiência cardíaca é absolutamente crítica", e da sua colaboração no processo, "o doente tem de conhecer a sua situação. Tem que saber a importância de ter uma boa adesão à terapêutica. Os doentes têm que conhecer sinais precoces de instabilização da doença, para poderem actuar em conformidade".
O combate e o controlo desta patologia é, por isso, um trabalho de equipa. No entanto, e para ser eficaz é preciso dotar os pacientes de informação. Luís Filipe Pereira, presidente da Associação de Apoio ao Doente com Insuficiência Cardíaca refere que " há pouca literacia em saúde. Se nós dermos informação às pessoas, e devia ser logo a partir dos bancos da escola, as pessoas passavam a ter, pelo menos, uma informação que deles também depende a sua saúde.
A par da informação, o contacto permanente entre médico e doente é de extrema importância quando a doença em causa é a insuficiência cardíaca.
Victor Sanfins é cardiologista e presidente da Associação Portuguesa de Arritmologia, Pacing e Electrofisiologia. Para este clínico são evidentes as vantagens do sistema de telemonitorização, que permite receber, no hospital, os dados transmitidos por um aparelho, como é o caso de um desfibrilhador CDI [cardioversor desfibrilhador implantável).
"Nós sabemos muito mais do que saberíamos caso estivéssemos limitados às duas ou três consultas anuais, que habitualmente são feitas aos doentes que têm estes dispositivos implantados. O dispositivo faz um registo permanente, sete dias por semana, trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Os estudos revelam que pode haver reduções de vinte e cinco por cento de mortalidade anual".
No Hospital da Luz, as teleconsultas foram implementadas em 2016, pela mão de Daniel Ferreira. O director do Centro Clínico Digital, garante que as vantagens superam os receios que possam existir pela distância. "Na prática, o doente faz o registo, entre consultas, dos parâmetros indicados pelo médico. É um sistema mais cómodo, com a mesma qualidade, rigor e privacidade de uma consulta presencial. Deste modo conseguimos manter um acompanhamento mais próximo, falamos com o doente mais vezes, interagimos com os doentes, percebemos as reacções que tiveram aos medicamentos e aos nossos conselhos, percebemos se teve algum efeito secundário, se é preciso ajustar algum medicamento".
Na região Norte, no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, a directora do serviço de Medicina Interna, Joana Pimentel, tem ciente a importância de reforçar a aposta no acompanhamento à distância. "Há um caminho a explorar. A pandemia veio demonstrar isso e nós estamos disponíveis para dar esse passo".
O acompanhamento multidisciplinar dos doentes que padecem de insuficiência cardíaca tem-se revelado como outro factor distintivo nos tratamentos com sucesso.
António Silva Cardoso, coordenador do Grupo de Estudo de Insuficiência Cardíaca, da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, não tem dúvidas. A insuficiência cardíaca, pela sua complexidade, é, efectivamente, uma situação clínica que exige um trabalho de equipa. Se isso acontecer, acontece magia".
Para este especialista, a insuficiência cardíaca é uma doença, cujo acompanhamento, deve envolver três especialidades clínicas, "a Cardiologia, a Medicina Interna e a Medicina geral e Familiar".
Nuno Jacinto, que preside à Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, um dos três vértices de um diagnóstico que se quer multidisciplinar e integrado, defende que o processo deve começar, precisamente, nos centros de saúde.
"O médico de família tem que estar apto, e está apto, a saber quais são as classes de fármacos que são importantes, que modificam o prognóstico, ou seja, que modificam esta evolução da doença, que ajudam a reduzir esta probabilidade de uma agudização, de uma descompensação, que ajudam a reduzir a probabilidade da morte súbita e que melhoram a qualidade de vida do doente. Isso também é muito importante. Mais do que tratarmos um número ou um exame é fazer com que o doente tenha uma melhor qualidade de vida".
Quando a doença é diagnosticada, a prioridade é dar início ao tratamento. Na fase seguinte, impõe-se descobrir a sua causa. Nesta fase, a especialidade de Mário Santos, Cardiologista no Hospital de Santo António, do Centro Hospitalar Universitário do Porto, assuem particular importância.
"Temos de saber se o doente com insuficiência cardíaca, que temos à frente, tem o diagnóstico correctamente feito, tem a causa correctamente identificada e se tem acesso às opções terapêuticas individualizadas para o seu tipo de insuficiência cardíaca".
A insuficiência cardíaca é uma doença mortal. Os números demonstram que cerca de metade dos doentes não sobrevive cinco anos depois do diagnóstico.
Joana Pimenta, no serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, refere que o grande objectivo, nesta unidade, é evitar o internamento, porque isso constitui sempre um sinal positivo.
"É no internamento, - quando as pessoas são internadas por uma causa relacionada com a insuficiência cardíaca, normalmente por descompensação, cansaço, agravamento do estado de saúde, ou retenção de líquidos - que um internista aborda o doente. Nós sabemos que quando o doente chega ao patamar de internamento tem a sua doença já num estado de risco muito alto. Até por isso, é muito importante evitar que isso aconteça. Podemos evitá-lo, se conseguirmos compensar o doente e tratá-lo mais cedo".
A par das três especialidades que são a base de um tratamento eficaz - Cardiologia, Medicina Interna e Medicina geral e Familiar - a insuficiência cardíaca é uma doença em que o conhecimento e o acompanhamento de fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiros, farmacêuticos e assistentes sociais é, também, de primordial importância.
A insuficiência cardíaca é uma doença mortal, mas é também potencialmente curável.
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