Insuficiência cardíaca: "Não foi fácil aceitar, a gente pensa sempre no pior"
Descobrir que se sofre de insuficiência cardíaca pode mudar uma vida, mas não significa deixar de vivê-la. A iniciativa "Coração de Portugal" dá a conhecer histórias de esperança contadas por doentes e de quem procura, com projetos e iniciativas, melhorar a vida de quem luta contra a doença.
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Foi nos campos de Borba de Montanha, em Celorico de Basto, que Almerinda Gonçalves, 66 anos, sentiu os primeiros sintomas de insuficiência cardíaca. "Eu tinha uns animaizinhos para passear, era longe e eu pelo caminho dava conta de cansar, ficava um bocadinho aflita e tinha de parar", explica.
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A falta de ar e o cansaço fora do normal foram um alerta para procurar ajuda. "Fui ao médico de família, ele fez-me um exame ao coração e disse que eu tinha o coração dilatado e fraco. Encaminhou-me para um cardiologista e medicou-me", conta.
"Foi nesse seguimento que foi possível fazer o diagnóstico de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. Na sequência deste diagnóstico introduzi vários medicamentos que lhe permitem ganhar qualidade de vida e aumentar a probabilidade de viver mais e melhores anos", explica Jonathan dos Santos, médico de família de Almerinda.
O clínico que trabalha na Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Celorico de Basto nota que, ao contrário do que aconteceu no caso de Almerinda, nem sempre é fácil identificar os sintomas de insuficiência cardíaca porque os doentes não referem qualquer tipo de queixa.
"Eles habituam-se facilmente a esta sintomatologia, associam-na muitas vezes à idade, nomeadamente o cansaço, que é um dos sinais típicos da insuficiência cardíaca. Como desvalorizam, acabam por não notificar os sintomas e, não sendo isso questionado na consulta, acaba por não soar o alerta ao médico de família", explica o especialista.
No caso de Almerinda, com o diagnóstico de insuficiência cardíaca veio o medo e as dúvidas, a começar pela mudança na toma dos medicamentos. "Estava a tomar dois e de um dia para o outro fiquei a tomar onze", conta desgostosa.
O médico de família conta que "para esta doente foi difícil, por um lado, aceitar que tinha de tomar mais medicamentos e, por outro, a preocupação que a doença pudesse afetar muito a qualidade de vida e pudesse ser um motivo para a vida terminar a qualquer altura".
Jonathan dos Santos sublinha que as dificuldades no processo de aceitação da doença são naturais: "Muitas vezes é preciso explicar mais do que uma vez, até porque à medida que os doentes nos vão ouvindo vão processando a informação e, a uma determinada altura, já nem nos estão a ouvir, estão só a pensar como vai ser a vida deles."
Almerinda confirma que foi complicado aceitar as mudanças impostas pela doença. "Não foi fácil, eu tinha uns amimais, tinha umas terras onde me entreter e de repente ter que vender os animais e deixar as terras, sabe como é. A gente pensa sempre no pior", confessa.
Já medicada, em agosto do ano passado, Almerinda Gonçalves teve a primeira consulta no cardiologista e percebeu que teria de implantar um aparelho no coração: "Fiquei um bocadinho chocada, mas mesmo com esta pandemia chamaram-me para ser operada em dezembro e já pus o aparelho, é um desfibrilador."
Operada há três meses, a doente garante que segue a medicação à risca, deixou o trabalho pesado e aos poucos está a recuperar a rotina. "Agora estou mais por casa, já vou endireitando umas camas, lavando uma loiça e fazendo um comer. Ainda cá estou, ainda cá estou viva", brinca.
Aos 66 anos, Almerinda é um dos muitos casos de insuficiência cardíaca acompanhados por Jonathan dos Santos no Centro de Saúde de Celorico de Basto. Entre 1500 utentes o médico de família tem cerca de 40 casos identificados com esta patologia.
"Para além da identificação dos doentes com insuficiência cardíaca, faço o devido acompanhamento, inicío a terapêutica e, se se justificar, faço a referenciação para a consulta de insuficiência cardíaca do hospital da área de residência dos doentes", explica o médico.
O clínico de Medicina Geral e Familiar, que é também Presidente do Conselho Clínico e de Saúde do Agrupamento de Centros de Saúde do Baixo Tâmega, destaca a importância dos cuidados primários no tratamento e na prevenção da doença.
"É uma área em crescendo porque cada vez mais se constata que os casos de insuficiência cardíaca têm vindo a aumentar devido ao envelhecimento da população e ao aumento dos fatores de risco associados. Estando os médicos de família na linha da frente, são os primeiros atores em todo este elenco, são os primeiros com capacidade para identificar a insuficiência cardíaca e fazer a devida orientação", nota Jonathan dos Santos.
De rima fácil e embalada pela poesia, Almerinda promete dar luta à insuficiência cardíaca:
"Através do Dr. Jonathan
tivemos o prazer de falar,
é para mim muita hora
se me quiser procurar.
Tudo de bom que há na vida
de coração lhe desejo,
agradeço e me despeço
com um virtual beijo."
Coração de Portugal é uma iniciativa da TSF, DN e JN com o apoio da Novartis e Medtronic.