Descobrir que se sofre de Insuficiência Cardíaca pode mudar uma vida, mas não significa deixar de vivê-la. A iniciativa "Coração de Portugal" dá a conhecer histórias de esperança contadas por doentes e de quem procura, com projetos e iniciativas, melhorar a vida de quem luta contra a doença.
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1 de março de 2012 foi um ponto de viragem na vida de Américo Gonçalves. "Antes eu raramente ia ao médico, a não ser que tivesse uma gripe muito forte, até que um dia tive um enfarte", conta.
O enfarte do miocárdio transformou-o num doente com insuficiência cardíaca e o diagnóstico obrigou-o a mudar de vida: "Eu sou pianista desde os 21 anos, era profissional, comecei a tocar no Canadá, depois vim tocar para a Europa e desde que tive o enfarte deixei de tocar todos os dias. Depois tive uma recuperação lenta e comprei dois cafés para sobreviver", explica.
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Aos 65 anos, Américo tem dois estabelecimentos no Estoril e uma longa experiência de intervenções cardíacas. Depois do enfarte do miocárdio a recuperação foi lenta e com várias complicações associadas, como explica o cardiologista Gonçalo Proença, que acompanha Américo no Hospital de Cascais: "Já foi salvo pelo desfibrilhador implantado diversas vezes, já teve tempestades arrítmicas, já teve que fazer procedimentos complexos de ablações de taquicardia ventricular pelo menos duas vezes, já houve necessidade de fazer o upgrade do aparelho que tem implantado."
Desde que convive com a doença, Américo já perdeu a conta às paragens cardíacas que sofreu: "Quando o coração para aquilo dá um choque e repõe o coração a trabalhar novamente. Já me aconteceu 7 ou 8 vezes e a sensação é de vazio no estômago, de repente uma pessoa adormece, perde os sentidos e, no meu caso, acordei sempre com a minha mulher ao meu lado a tentar reanimar-me, mas o aparelho faz com que o coração volte novamente a trabalhar", explica.
"A quantidade de intercorrências gravíssimas que o Américo já passou são situações de enorme gravidade. Nos doentes com insuficiência cardíaca, com fração de ejeção reduzida, um em cada dez morre ao fim de um ano. O Américo, do ponto de vista de risco, está num patamar acima disso. Eu diria que em cada dez doentes como o Américo três ou quatro morrem num ano. É um sobrevivente, indiscutivelmente", afirma Gonçalo Proença.
Ainda assim, e apesar da proposta dos médicos, Américo nunca aceitou fazer um transplante de coração. "A razão é psicológica, talvez porque sou músico o coração é a parte mais importante do meu cérebro. Além disso, um transplante implica uma vida muito especial e eu não sei se seria capaz de ter todos os cuidados", confessa.
Uma decisão que o cardiologista admite ser profundamente complexa e pessoal. "O transplante é a última linha e propor um doente para transplante é sempre uma decisão difícil. Quando pomos em cima da mesa a hipótese de um transplante cardíaco ficamos sempre com uma angústia muito séria porque fazem-se muito poucos transplantes por ano em Portugal. No fundo é ver uma luz ao fundo do túnel e depois ficamos sempre com a angústia de isso não se concretizar porque não aparecem corações em número suficiente. Com o Américo nem chegamos aí, ele não quis entrar no programa de transplante", sublinha o especialista.
Como outras patologias, a insuficiência cardíaca traz desafios aos doentes: medicação a horas, consultas regulares e cuidados redobrados em tempos de pandemia são apenas alguns exemplos. Américo sublinha que é preciso ter noção da doença que se tem, seguir as indicações do médico, tomar a medicação a tempo e horas e não ser pessimista. "Sou completamente autónomo, não há nada razoável que eu não faça."
Gonçalo Proença nota que é uma questão de sobrevivência: "Ele é um doente muito cumpridor e sabe que é a única hipótese que tem de viver mais anos, com qualidade de vida."
Coração de Portugal é uma iniciativa do DN, JN e TSF com o apoio da Novartis e Medtronic