Descobrir que se sofre de insuficiência cardíaca pode mudar uma vida, mas não significa deixar de vivê-la. A iniciativa "Coração de Portugal" dá a conhecer histórias de esperança contadas por doentes e de quem procura, com projetos e iniciativas, melhorar a vida de quem luta contra a doença.
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Foi o cansaço extremo, a dificuldade em respirar e os batimentos cardíacos muito altos que levaram Eugénio Rebola, 66 anos, a procurar ajuda médica. Em 2017 dirigiu-se ao Centro de Saúde de Estremoz, onde foi encaminhado para o Hospital do Espírito Santo de Évora, e descobriu que sofria de insuficiência cardíaca. "Fiquei lá internado 3 dias, depois fiquei logo a ser acompanhado por um cardiologista que ainda hoje me acompanha", explica.
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Apesar do acompanhamento regular, com medicação diária para controlar a doença, Eugénio foi novamente internado em 2019 e no fim do ano passado teve de voltar ao hospital. "No espaço de dez dias fui-me abaixo completamente. Bati no fundo mesmo. Tinha muita dificuldade em respirar e teve de ser a minha esposa a vestir-me, calçar-me, cortar-me a barba e levar-me à urgência. Fui numa cadeirinha de rodas para o Hospital de Évora, estive lá hospitalizado e agora tenho estado em recuperação, já faço as minhas caminhadazinhas", conta.
Depois de ter tido alta hospitalar, Eugénio tem sido acompanhado todas as semanas por um projeto inovador de teleconsulta de insuficiência cardíaca que nasceu há três meses no Hospital do Espírito Santo. Bruno Piçarra, cardiologista e responsável pelo projeto, explica que a ideia inicial teve de ser repensada por causa da pandemia.
"O projeto inicial englobava a consulta de insuficiência cardíaca e um hospital de dia de insuficiência cardíaca, infelizmente com a pandemia em 2020 esse projeto ficou um pouco parado por contingências várias, como aconteceu em todo o país, mas o que verificámos durante a pandemia é que o acompanhamento dos doentes cardíacos, e sobretudo dos doentes com insuficiência cardíaca, não poderia parar porque são doentes muito frágeis. O que fizemos foi reinventar o nosso projeto inicial e transformá-lo num projeto de monitorização e acompanhamento dos doentes em teleconsulta", esclarece.
O especialista nota que a doença que afeta cerca de meio milhão de portugueses é um caso sério, muitas vezes desvalorizado: "A insuficiência cardíaca é conhecida entre nós, cardiologistas, como o cancro da cardiologia porque a mortalidade consegue, em alguns casos, ser superior à de muitos cancros e a qualidade de vida destes doentes pode ser deteriorada muito rapidamente. Eles requerem um cuidado especial, uma vigilância e regularidade de observação diferente de outros doentes cardíacos e não podem esperar. O que nós fizemos aqui foi transformar uma crise pandémica numa grande janela de oportunidade".
O projeto multidisciplinar conta com 3 médicos e 6 enfermeiros, mas a equipa espera crescer em breve com contributos, por exemplo, dos serviços de Psicologia e Nutrição e Dietética. Para já estão a ser acompanhados 20 doentes, com idades entre os 32 e os 86 anos.
"As duas formas de referenciação são, por um lado, o doente agudo internado com insuficiência cardíaca e uma disfunção ventricular esquerda grave, por outro, o doente que já conhecemos e já está identificado e passa a estar incluído", explica Bruno Piçarra.
Este último foi o caso de Eugénio Rebola, que aprendeu a gerir a doença de outra forma com o novo projeto. "Mandaram-me um email com um caderno e mandaram-me fazer certas coisas - medir a tensão, os batimentos cardíacos, o perímetro abdominal e o peso. Eu depois escrevo numa folha e a minha filha coloca os dados no e-mail e enviamos. Depois de ser apreciado eles ligam para cá outra vez a dizer como é que eu estou", conta.
O cardiologista revela que, desta forma, a equipa tem mais tempo e profundidade de conhecimentos para dar ao doente sobre a insuficiência cardíaca. "Temos maior capacidade de os vigiar e monitorizar com muito maior frequência do que seria possível na consulta tradicional. O que é proposto ao doente é um ensino muito à base da parte de enfermagem, do conhecimento exaustivo da doença que tem, dos sintomas e sinais de alerta e de como aprender a gerir a própria doença. Depois há um acompanhamos muito mais regular, quase semanal, a perguntar como estão os doentes, como se sentem e, em função da análise que fazemos, a terapêutica pode ser reprogramada e ajustada para otimizarmos os recursos", afirma Bruno Piçarra.
Eugénio Rebola confirma que o balanço é muito positivo: "Nós sabemos mais do que numa consulta normal. Da maneira que isto está a ser feito sabemos o que se está a passar, estamos mais dentro do assunto. Nós estamos em casa, eles lá sabem tudo, eu sigo à risca o que eles me mandam fazer e bate tudo certo. Sinto-me muito melhor, mais acompanhado e protegido".
Na prática, enquanto durar a pandemia, projeto é um complemento às consultas presenciais de cardiologia, agora mais espaçadas. Quando a situação melhorar, a consulta de insuficiência cardíaca deixa de ser feita por telefone e passa a ser feita frente a frente, à moda antiga.
Coração de Portugal é uma iniciativa do DN, JN e TSF com o apoio da Novartis e Medtronic.