São João de Jerusalém, o hospital onde "a guerra fica à porta", distinguido pela Fundação Champalimaud
Ajuda doentes palestinianos e israelitas há mais de 140 anos sem que tenham de pagar por isso. O único grupo hospitalar dedicado ao combate à cegueira na Palestina é o vencedor do Prémio António Champalimaud de Visão 2023. A TSF falou com o responsável antes da entrega.
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O grupo de hospitais oftalmológicos de São João de Jerusalém (St. John of Jerusalem Eye Hospital Group) foi distinguido esta quarta-feira com o Prémio António Champalimaud de Visão 2023 pelo "empenho na prestação de cuidados oftalmológicos essenciais numa região marcada pelo conflito".
Com um total de seis espaços - "seis hospitais e seis centros" - na Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, o grupo hospitalar ajuda há 140 anos palestinianos e israelitas a lidarem com o problema da cegueira, numa região habituada há décadas a viver com a guerra.
"Ao longo dos anos, concluímos que a maioria dos nossos pacientes não conseguia alcançar-nos e tivemos de instalar hospitais próximos das comunidades. Por isso, operamos agora (...) estrategicamente em áreas onde há muita necessidade", afirma o presidente executivo do grupo hospitalar.
Ahmad Ma'ali revela à TSF que a instituição ajuda uma população maioritariamente pobre, desempregada e pouco informada, o que dificulta o acesso a cuidados médicos, e logo numa região onde proliferam muitas doenças: "Temos muitas pessoas com cataratas, a prevalência de diabetes é enorme. 20% da população tem diabetes, que afeta a zona da retina e ajuda à cegueira. Muitos dos pacientes têm problemas nos olhos porque os pais são familiarmente próximos, isto é, primos em primeiro grau. É algo com que também temos de lidar."
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O responsável pelo único grupo hospitalar humanitário na Palestina que lida com problemas oftalmológicos acrescenta que o número de casos de cegueira no estado tem aumentado porque a diabetes tem também aumentado a sua incidência. Ahmad Ma'ali sublinha que a "diabetes, quando vem, é sempre de uma forma muito agressiva" e que não tem sido "muito bem controlada" por causa das dificuldades financeiras da população. Ainda assim, a deteção de casos também tem aumentado porque elementos do hospital andam no terreno. "Se alguns pacientes não forem tratados rapidamente podem perder a vista", acrescenta.
Na última década, já foram centenas de milhares as pessoas que tiveram a vista tratada através de cirurgias. Só em 2022 foram acompanhados "143 mil doentes e realizadas 69 mil cirurgias", indica o grupo hospitalar. O presidente-executivo revela que a taxa de sucesso, em alguns casos, ronda os 90%. Ainda assim, deixa um lamento: "Cada caso é um caso e às vezes não conseguimos tratar."
Entre os doentes costumam estar crianças e é para elas que o grupo hospitalar se tem virado: "Vamos às escolas, analisamos e garantimos que, se houver problemas, conseguimos identificá-los numa fase adiantada e o tratamento será mais eficaz."
Entre enfermeiros, médicos e assistentes, são quase 280 pessoas a trabalhar no grupo hospitalar, que cuida também de israelitas. Ahmad Ma'ali vinca que estão abertos "a todos" e que recebe pacientes israelitas. No entanto há poucos porque, sustenta, "os judeus não precisam de nós": "Eles têm serviços suficientes, muito fortes. Mas alguns vêm ter connosco e recebem o mesmo tratamento que os nossos pacientes palestinianos."
A guerra fica à porta, assegura o presidente executivo do grupo de hospitais oftalmológicos de São João de Jerusalém, mas influencia o esforço de combate à cegueira. Ainda assim, o responsável assegura que a situação tem melhorado.
"Acho que há uma maior consciência entre a população, até sobre os casamentos entre primos. Temos feito muito trabalho nesse sentido. Mas claro que espero que a situação política se acalme e que os pacientes possam procurar tratamento sem qualquer problema. Como profissionais de saúde temos sempre de ter esperança. Ao dizer isto não quer dizer que vamos ter um país calmo num futuro próximo", adianta.
Todos os anos o grupo hospitalar precisa de 16 milhões de euros para funcionar, revela Ahmad Ma'ali, afirmando que a maior parte vem de donativos. O orçamento conta agora com mais um milhão de euros, o valor atribuído pela Fundação Champalimaud.