Os cientistas estimam que a quantidade de água subterrânea poderia cobrir todo o planeta a uma profundidade entre um e dois quilómetros
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Dados sísmicos recolhidos pelo robô espacial norte-americano InSight, já desativado, indicam que Marte tem rochas profundas e porosas cheias de água líquida, elemento essencial para a vida tal como se conhece, foi divulgado na segunda-feira
Os dados permitiram aos cientistas estimarem que a quantidade de água subterrânea poderia cobrir todo o planeta a uma profundidade entre um e dois quilómetros, refere em comunicado a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, que participou na análise dos dados.
Ouvido pela TSF, o divulgador de ciência Miguel Gonçalves sublinha que vai ser difícil chegar até ao local onde se encontram estes depósitos de água.
"A confirmar-se este reservatório, é muito difícil chegar lá, mesmo muito difícil. Estamos a falar de 11 a 20 quilómetros de profundidade. As nossas sondas subterrâneas no nosso próprio planeta não vão tão profundamente e, portanto, mesmo no nosso planeta, nós temos dificuldade em atingir estas profundidades. Em Marte muito mais. Portanto, eu não colocaria muita esperança na tentativa de utilizar, de sondar diretamente este reservatório de água. Ainda por cima, não estamos a falar de um oceano subterrâneo único como, por exemplo, encontramos em luas de Júpiter ou de Saturno. Nós estamos a falar de água que está em pacotes entre fendas de rochas, portanto, torna mais complicada a sua acessibilidade", explica à TSF Miguel Gonçalves, lamentando "trazer estas más notícias para os amantes de ficção científica".
"Nós sabemos que Marte tem gelo de água à superfície, sobretudo nas zonas polares, aparecem cada vez mais estudos que dão a entender que poderemos ter alguns lagos por baixo da superfície, a alguns metros de profundidade, mas mesmo esses estudos carecem de muitas mais confirmações. Nós vamos andar sempre neste jogo de provocação entre Marte e a Terra", considera.
Miguel Gonçalves reconhece que a utilização de modelos usados para o planeta Terra pode criar algumas diferenças nos resultados. Ainda assim, o divulgador de ciência sublinha que esta é a única forma, já que o nosso planeta é aquele que conhecemos melhor.
"Marte tem sido um brincalhão com a Humanidade no que diz respeito à água. Eu lembro-me que há alguns anos uma equipa europeia, utilizando dados de uma das sondas europeias que está em Marte, e de uma maneira muito excitante, anunciou a descoberta de lagos de espessura muito baixa, mas lagos por baixo das zonas polares de Marte, de água salgada, muito salgada, e foi uma grande excitação com essa descoberta e depois há cada vez mais dúvidas sobre se, de facto, a interpretação dos dados, neste caso, dados de radar, se são ou não são válidos precisamente para essa descoberta", recorda.
O especialista argumenta que "cada planeta tem a sua própria história evolutiva, nós conhecemos traços gerais, mas cada planeta tem a sua própria temperatura, a sua própria evolução".
"Nós pensamos que os mecanismos interiores em Marte são em tudo muito semelhantes também aos da Terra. Estamos a falar, apesar de tudo, de constituições geológicas que também conhecemos, mas obviamente que terá as suas próprias especificidades. Nós só temos rovers à superfície de Marte, só temos órbitas à superfície de Marte há apenas algumas décadas e há algumas décadas que nós estamos a tentar perceber, fazendo esta arqueologia, não só das rochas, mas também do clima, da evolução hidrológica de Marte. Para isso, nós temos que nos agarrar em alguma coisa, temos de ter alguma base para perceber tudo isso. O planeta que conhecemos melhor, apesar de tudo, é o nosso próprio planeta, o planeta Terra, e é natural que utilizemos os modelos que explicam a evolução, a constituição do nosso próprio planeta nos outros planetas terrestres, que partilham, no fundo, uma génese comum e, pensamos nós, uma evolução comum", esclarece.
Miguel Gonçalves deixa também um apelo: é preciso trazer amostras de Marte para termos estudos mais consistentes. "Nós precisamos rapidamente de uma missão de recolha de pedras em Marte e depois fazê-los regressar à Terra. Nós tínhamos essa missão planeada. Ou melhor, a NASA e a Agência Espacial Europeia tinham esta missão planeada até mesmo antes da pandemia. A pandemia também afetou o desenho dessa missão. Por questões financeiras essa missão está a ser projetada mais para o futuro, mas quer esta descoberta do possível reservatório de água em Marte, a grande profundidade, quer a notícia que apareceu há algumas semanas da tal famosa rocha com eventuais registos fósseis microbianos em Marte apontam nesse sentido: para que o mais depressa possível seja viável montarmos uma missão de recolha de amostras marcianas", acrescenta.
Segundo os investigadores, a quantidade de água líquida existente no interior seria suficiente para encher os oceanos da superfície marciana, que desapareceram há mais de três mil milhões de anos.
Tamanho reservatório de água está localizado em pequenas fissuras e poros nas rochas no meio da crosta (camada mais externa do interior marciano), entre 11,5 e 20 quilómetros abaixo da superfície, pelo que será pouco útil para uma colónia humana que se queira fixar em Marte, como o desejam empresas aeroespaciais norte-americanas como a SpaceX, do magnata Elon Musk.
Mesmo na Terra, fazer uma perfuração com um quilómetro de profundidade é um desafio, assinalam os cientistas.
Não obstante, os autores da investigação relevam que foi identificado pelo menos um local em Marte que, em teoria, será capaz de sustentar vida (microbiana).
O robô InSight, cuja missão em Marte terminou em 2022, foi enviado pela agência espacial norte-americana NASA quatro anos antes para estudar o interior do planeta e a sua atmosfera.
Durante o tempo que a missão durou, o aparelho detetou sismos em Marte de magnitude 5, impactos de meteoros e 'estampidos' de áreas vulcânicas, que produziram ondas sísmicas que permitiram aos geofísicos estudarem o interior do planeta.
De acordo com os autores do estudo, a publicar na revista académica Proceedings of the National Academy of Sciences, a compreensão do ciclo da água de Marte é fundamental para compreender a evolução do clima, da superfície e do interior do planeta.
Apesar de a NASA e empresas privadas norte-americanas pretenderem enviar a médio-longo prazo missões tripuladas para Marte, o planeta é inóspito.
Notícia atualizada às 11h25
