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Para muitos pode parecer ficção científica, mas já é tão real que a Polícia de Segurança Pública (PSP) pediu autorização ao Governo para instalar em pelo menos dois municípios sistemas de videovigilância com inteligência artificial, nomeadamente com a capacidade de procurar pessoas por características físicas, sexo, cores das roupas ou do cabelo.
A videovigilância já existe em várias cidades do país, mas as câmaras de vídeo com estas novas tecnologias requeridas pela PSP para Leiria e Portimão foram agora chumbadas em pareceres, consultados pela TSF, da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), e assinados pela sua presidente, Filipa Galvão, que foi a relatora dos textos.
Fonte da CNPD confirma à TSF que foi a primeira vez que a entidade se pronunciou sobre o uso deste tipo de tecnologias em videovigilância. Os pareceres foram requeridos pelo Ministério da Administração Interna.
A mesma fonte acrescenta que apesar deste tipo de pareceres não ser diretamente vinculativo, nestes casos, devido à falta de informações obrigatórias por lei, os processos terão de ser alvo de novo pedido de parecer à autoridade do Estado que garante a proteção dos dados pessoais.
Mais de 50 câmaras numa praia
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Em pareceres anormalmente longos sobre videovigilância, a CNPD arrasa os pedidos falando mesmo num "elevado risco para a privacidade dos cidadãos, não só pela quantidade e pelo tipo de informação que é possível recolher, mas também pela opacidade do processo de padrões de análise" das imagens.
O projeto para Portimão prevê 61 câmaras, 10 delas na cidade e 51 na Praia da Rocha, sendo que a videovigilância alargada numa zona balnear levanta ainda mais dúvidas. O parecer sublinha que se trata de uma "área onde as pessoas estão mais expostas, pelo que maiores cautelas se impõem na utilização destes sistemas".
No entanto, mesmo fora da praia a CNPD revela inúmeras "apreensões" com os projetos apresentados pela PSP para Portimão e para Leiria, onde já existe, sem problemas, um sistema tradicional de videovigilância.
Rastrear pessoas, comportamentos e hábitos
A meta em Leiria é passar a ter, também, 61 câmaras (em vez das atuais 19) com a mesma tecnologia prevista para Portimão: inteligência artificial, 'soft recognition', autoaprendizagem e 'ensino' dos computadores através de algoritmos que ninguém conhece.
O sistema proposto "implica um controlo sistemático em larga escala e o rastreamento das pessoas e dos seus hábitos e comportamentos, bem como a identificação das pessoas a partir de dados relativos a características físicas, sendo inegável", segundo a CNPD, "o risco elevado para os direitos fundamentais à proteção dos dados e ao respeito pela vida privada", bem como à privacidade e liberdade.
Opacidade
Acusando o sistema proposto pela PSP de ser "opaco" e de ter "falta de transparência", a CNPD diz que não se percebem os objetivos de usar tanta tecnologia, sendo imprescindível que sejam revelados, de forma clara, os fundamentos e os critérios.
"Em ponto nenhum da fundamentação [da videovigilância proposta para Leiria e Portimão] se explica a necessidade específica desta tecnologia e funcionalidade".
No caso de Leiria, a justificação apresentada passa por uma melhor gestão do trânsito, a prevenção de acidentes ou meios mais eficientes de socorro, mas a CNPD defende que não se percebe qual a utilidade, para estes fins, da inserção no sistema de videovigilância de características de pessoas, rastreando as suas deslocações ou comportamentos.
Discriminação e falta de lei
Os pareceres sublinham que existe o risco de "não se conseguir perceber se os resultados apresentados pelo sistema, e com base nos quais a PSP vai tomar decisões sobre os cidadãos visados, são discriminatórios", algo "inadmissível" segundo a Constituição da República Portuguesa.
A entidade administrativa do Estado com poderes de autoridade na área da proteção de dados, que funciona junto da Assembleia da República, sublinha, nos dois pareceres sobre Portimão e Leiria, que a legislação que existe foi revista em 2012, mas parece ainda não ter em conta a evolução tecnológica nesta área.
Finalmente, a CNPD defende que a utilização de inteligência artificial na área da videovigilância tem de ser "precedida de ponderação especialmente rigorosa", o que não aconteceu nos projetos apresentados pela PSP para Portimão e para Leiria.

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Notícia atualizada às 11h23