"Há um paradoxo entre o entusiasmo dos portugueses pela União Europeia e a sua abstenção nas urnas"
Chefe do gabinete do Parlamento Europeu afirma que a UE deve "assumir responsabilidades na Defesa" após décadas sob "o guarda-chuva americano"
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O chefe da Representação do Parlamento Europeu em Portugal, Alfredo Sousa de Jesus, considera que "há um paradoxo" entre o forte apoio dos portugueses à União Europeia e a baixa participação eleitoral, especialmente entre os jovens.
"Quando analisamos os números, vemos as taxas de interesse na União Europeia, vemos o Eurobarómetro, e Portugal está sempre destacado, sempre nos cinco primeiros mais europeus, mais participativo, a reconhecer que há uma necessidade de fazer mais a nível europeu", afirma Alfredo Sousa de Jesus, salientando que, por outro lado, "na altura das eleições há aqui uma discrepância porque isso não se traduz sempre da melhor maneira em termos de participação".
Em entrevista ao programa da TSF Fontes Europeias, Alfredo Sousa de Jesus não afasta a possibilidade de distanciamento dos jovens em relação à União Europeia, embora considere que é "diferente do de gerações anteriores", uma vez que as gerações atuais estão totalmente imersas nas realizações do projeto comunitário.
"Hoje é perfeitamente normal passar de um país para outro, usar a mesma moeda, usar o telemóvel sem custos de roaming adicionais, não ter longas filas de espera nos aeroportos", enumera Alfredo Sousa de Jesus, frisando que "isso tudo são vantagens que, de certa forma, estão invisíveis, porque estão no dia a dia, no quotidiano".
Segundo o responsável, essa normalização das "conquistas" europeias "faz com que as novas gerações deem por adquirido o que foi conseguido", só reconhecendo o seu valor "em momentos de crise ou de emergência".
"É numa situação de crise que nos apercebemos que a União Europeia é um projeto absolutamente fulcral que não pode acabar. Veja-se em relação à Ucrânia", acrescenta Alfredo Sousa de Jesus, que assumiu em abril a chefia da delegação do Parlamento Europeu em Lisboa.
Defesa
O antigo assessor parlamentar e ex-membro do gabinete do comissário Carlos Moedas lembra que "a União Europeia é um projeto de paz", mas entende que esse conceito deve ser contextualizado. Comparando a evolução da Europa "à situação de um jovem" que se torna independente, Alfredo Sousa de Jesus afirma que "a situação mudou" a União Europeia. "Agora, efetivamente, tem de assumir as responsabilidades" que lhe cabem, "que implicam também responsabilidades na área da defesa".
Percurso europeu
Natural de Bruxelas, formado em Direito e em Relações Internacionais, descreve a vinda a Portugal como "uma espécie de regresso às origens".
"Como lusodescendente e tendo nascido e crescido e sido educado em Bruxelas, regressar a Portugal acarreta, em termos pessoais, uma grande dimensão simbólica", afirma.
No Parlamento Europeu, começou como assistente de eurodeputados portugueses, nomeadamente de Carlos Coelho, de quem recorda o "europeísta convicto" que o inspirou a comunicar os temas europeus junto do público. "Devo ao deputado Carlos Coelho ter plantado umas sementes sobre esta prioridade que eu tenho de comunicar sobre os temas europeus", sublinha.
Entre os dossiês que acompanhou nessa altura, recorda o caso do programa americano Echelon, relacionado com escutas e interceção de dados, assim como a liberalização do mercado da energia e o fim das taxas de roaming dentro da União. "Demorámos basicamente dez anos a acabar finalmente com uma coisa que era absurda. Se a União Europeia é um espaço sem fronteiras, não havia motivo legítimo para termos um sistema de roaming com taxas adicionais", afirmou.
Comissão Europeia
Alfredo Sousa de Jesus integrou o gabinete do então comissário Carlos Moedas, onde ficou com três pastas: relações interinstitucionais, comunicação e gestão da agenda.
"Fui acumulando uma série de peças de puzzle e chegou agora o momento em que essas peças encaixaram quase de forma natural", afirma, referindo-se ao contributo da experiência acumulada nas diferentes instituições europeias para o cargo que atualmente ocupa em Lisboa.
Diáspora e mobilidade
Filho de emigrantes, Alfredo Sousa de Jesus defende que a diáspora portuguesa é "provavelmente uma das maiores beneficiárias do projeto europeu". "Hoje em dia, um jovem acaba a universidade, quer ir fazer um Erasmus ou ter uma experiência profissional e movimenta-se muito facilmente. Isso é um privilégio", afirma, embora reconheça que há "alguns obstáculos administrativos" que persistem.
"Continuam a ser países diferentes, com sistemas diferentes, mas que estão cada vez mais articulados entre si", diz, referindo-se a, por exemplo, a áreas como a segurança social e o acesso à saúde.