Três anos depois de ter chegado ao poder, a líder da direita radical italiana está nas boas graças de Trump, mas também de Bruxelas. Conseguiu conter a dívida pública italiana e não foi mais longe nas restrições à imigração porque a economia não deixou. A TSF conversou com dois investigadores italianos do ISCTE
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Com o tipo de Governo que Meloni está a levar a cabo, será que podemos dizer que Giorgia Meloni poderia ser, perfeitamente, uma primeira-ministra de um Governo tipo Força Itália, de Silvio Berlusconi, uma direita menos radical do que os Fratelli de Itália? Marchi discorda: "Não diria isso porque Giorgia Meloni, como todos os candidatos a primeiro-ministro em Itália, sabem que a Itália, no fundo, é uma província do império e, portanto, para poder chegar a primeiro-ministro e implementar políticas que lhe interessam, deve aceitar uma certa lógica geopolítica; portanto, aquilo que Meloni está a fazer neste momento, aquilo que é comummente chamado como uma governação ao centro, também, em termos de política internacional, é obrigação objetiva de todos os primeiros-ministros italianos, ou seja, manter a aliança atlântica com os Estados Unidos da América, em particular, manter umas boas relações, até, com as instituições da União Europeia. Agora, é evidente que houve uma mudança na maneira de governação em comparação com aquilo que tinha sido a sua retórica de oposição."
Goffredo Adinolfi lembra, no entanto, que a imprensa e os media em geral, em Itália, "são muito favoráveis a Giorgia Meloni, não há uma crítica muito forte, portanto não estão tão bem a enfatizar os temas como o da imigração, que era o grande tema de Giorgia Meloni, mas que obviamente as empresas italianas estão muito dependentes da imigração, e muitos dos pequenos empresários votam por Giorgia Meloni, portanto há lá uma contradição em termos, porque as pequenas empresas trabalham com os imigrantes e votam por Giorgia Meloni, portanto também não pode trabalhar demasiado a imigração". Há grandes projetos, como, por exemplo, exportar os imigrantes ilegais para a Albânia, mas "também não está a funcionar, portanto, eu diria democracia cristã, tentar não fazer nada que possa destruir o equilíbrio interno e exterior, porque também a nível europeu, ela está muito mais a puxar no acelerador do conservadorismo do que da direita radical". Aliás, Adinolfi salienta "o grande conflito com Marine Le Pen, com a Lega de Salvini as coisas também estão relativamente tensas".
A institucionalização da direita radical italiana
Ao longo de dez anos na oposição, Meloni falou e bradou muito contra a União Europeia e tinha mantido, dentro do próprio partido, setores históricos e críticos em relação aos EUA. No momento em que chega a primeira-ministra, Meloni, "que sempre foi uma política pragmática", acrescenta Marchi, "sabe quais são os limites que não pode ultrapassar e não pode ultrapassar, principalmente, por duas razões. Ela tem um objetivo como chefe do governo italiano, mas também como líder da direita italiana. E para institucionalizar esta direita era necessário este tipo de posicionamento. Lembramos, por exemplo, como Matteo Salvini, da Lega, que estava em alta até o governo com o Movimento Cinco Estrelas, conseguiu queimar-se exatamente pelas posições em política internacional".
Ambos os investigadores reconhecem que, entre as conquistas e os falhanços do seu Governo, como afirma Ricardo Marchi, o posicionamento importante que Meloni alcançou na Europa "é, com certeza, um dos aspetos positivos e é impossível negá-lo. Ou seja, quando ela ganhou as eleições e tornou-se primeiro-ministra, ainda havia a narrativa de que a Itália ia ser marginalizada no plano internacional. Ter uma primeira-ministra com esse passado na direita radical ia pôr a Itália fora de todas as mesas de negociações internacionais". Era o que se pensava e temia.
De radical a seguradora do projeto europeu
Mas em três anos, Meloni conseguiu, pelo contrário, "conquistar espaços em todas as mesas de discussão internacional, não só a nível europeu, mas a nível internacional". Marchi admite que isso também indica "um pouco a fragilidade, neste momento, das lideranças europeias", o que joga a favor de Meloni, mas que, "apesar de tudo, soube balançar bem, não apresentar-se como a disruptiva das instituições europeias; pelo contrário, está a fazer o seu homólogo Viktor Orbán, mas como uma seguradora do projeto europeu com outras direções, mas não como um elemento disruptivo das instituições", afirma Marchi.
Meloni conseguiu levar "pontos para casa para o seu projeto, que é aquele de ter desarticulado a aliança histórica entre o Partido Popular Europeu e socialistas europeus (S&D) e tentar fortalecer uma nova aliança entre o Partido Popular Europeu e conservadores e reformistas europeus (ECR). Deste ponto de vista, até conseguiu meter um pouco nas margens, aquelas que são as forças mais soberanistas, mais eurocéticas, que estão dentro do grupo dos Patriotas", explica o investigador com trabalho aprofundado no estudo das direitas radicais europeias.
No tema da imigração, se até à chegada de Giorgia Meloni ao Governo da Itália e a sua política europeia "se falava da redistribuição de imigrantes entre os países membros da União Europeia, com a sua chegada e a sua atividade diplomática na Europa, começou-se a falar de uma defesa comum das fronteiras externas da Europa. E isto é um objetivo alcançado por ele", acrescenta Marchi.
O investigador do ISCTE admite que a imigração "é um problema delicado e sério das democracias ocidentais, principalmente, inclusive, da democracia italiana".
Passados três anos, a esquerda italiana ainda não conseguiu institucionalizar um "campo largo que se possa apresentar como alternativa ao centro-direita", afirma Marcho. Um dos outros resultados positivos de Giorgia Meloni é que, "apesar das diferenças que existem dentro do centro-direita, tanto com a Força Itália, como com a Lega, tanto em política económica como em política internacional, apesar de tudo, a coligação mantém-se estável, não há uma crise interna. Portanto, isto em comparação com aquela que é a dificuldade do centro-esquerda de encontrar um projeto comum, fortalece mais Giorgia Meloni".
O rating da dívida está aparentemente controlado, em termos financeiros não se fala propriamente de uma crise financeira em Itália, mas como está a ser a governação em termos sociais? Em termos sociais, nos primeiros anos de Meloni, "ela sabia que a situação era particularmente complicada, principalmente para as classes médio-baixas. E, portanto, nos primeiros anos, investiu os poucos fundos que tinha à disposição, não diria por políticas assistenciais, mas por políticas que aliviassem um pouco as dificuldades das classes médio-baixas, principalmente no pagamento das contas, da eletricidade, da energia, devido também aos preços elevados como consequência da guerra russo-ucraniana. Investiu muito menos, por exemplo, em uma das críticas que lhe é feita, na indústria italiana, para as empresas italianas".
"Meteu pouco dinheiro no desenvolvimento das políticas industriais. É uma crítica que lhe é apontada principalmente pelos meios empresariais, mas até um certo ponto, porque os próprios meios empresariais, neste momento, têm interesse numa estabilidade política e uma estabilidade económica e das contas. Portanto, tanto as classes médio-baixas como as classes empresariais não se queixam particularmente." Queixar-se-ão mais as classes médias e médias-altas que não viram concretizadas as promessas que, na oposição, Meloni fazia sobre a descida de impostos.
Há estudos que dizem que a Itália tem de conceder 500 mil vistos até 2028 para suportar a economia: "Sim, esta é uma das críticas que é feita principalmente pelos meios da direita à governação de Meloni, pela sua base eleitoral."
Meloni tinha-se tornado famosa por declarações bombásticas, como o bloqueio naval, um projeto de cooperação entre Itália e países do Norte de África para bloquear a partida dos barcos do Norte de África. "Chego ao poder, vou fazer o bloqueio naval. Isso não aconteceu. Teve de tentar regularizar o mais possível os fluxos migratórios", esclarece Ricardo Marchi.
"Nós, neste momento, temos uma queda abrupta das chegadas de imigrantes clandestinos. Baixou quase por metade desde 2023, agora às portas de 2026. Mas os fluxos regulares permaneceram altos." Marchi acrescenta que o próprio Governo "admitiu e autorizou a entrada dos tais milhares de imigrantes regulares que servem para a economia italiana. Portanto, o governo de Giorgia Meloni apontou muito no combate à imigração ilegal, no combate ao tráfico de seres humanos, no combate até cultural a esta lógica das ONGs de abater as fronteiras, de livre circulação dos seres humanos como direito de cada ser humano de poder ir onde ele apetece. Neste ponto de vista cultural, o governo de Meloni continua a apostar no discurso de dizer que o direito do ser humano, antes de viajar onde quer, é aquele direito de poder permanecer na sua terra de nascimento."
Diria que, politicamente, hoje Giorgia Meloni está mais próximo de Ursula von der Leyen ou até de Luís Montenegro do que estaria de Santiago Abascal ou de André Ventura? "Eu diria que, dentro da pluralidade de direitos radicais, soberanistas, nacionalistas, que apareceram nas últimas décadas, Giorgia Meloni está a conseguir desenhar um modelo italiano. Nós temos o modelo disruptivo das instituições representado por Viktor Orbán, nós temos o modelo anarcocapitalista, de Javier Milei, nós temos o modelo soberanista e isolacionista de Donald Trump e temos o modelo nacional-conservador de Giorgia Meloni. Ou seja, Meloni conseguiu, dentro dessa pluralidade de direitos radicais, desenhar um modelo italiano interessante, porque está a ser considerado como ponto de referência por várias formações e por vários líderes de direita europeus".
Goffredo Adinolfi entende que é difícil dar uma resposta, porque "seria preciso perceber quanto a política Meloni é dependente dos equilíbrios, de ter que manter um equilíbrio complicado entre Ursula von der Leyen e Donald Trump, por exemplo. Quando Giorgia Meloni vai falar para a Espanha, nas agregações de Vox, é muito mais radical do que quando fala em Itália, portanto poderia, numa Europa muito mais à direita, voltar a ter os discursos mais identitários e com maior liberdade de voltar às origens. Não posso dizer, e não saberia dizer, se é só uma questão de contingência".