Roubei o título a Chico Buarque. Mas a ação tem uma justificação.
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"Hoje, eu quero
Fazer o meu carnaval
Se o tempo passou, espero
Que ninguém me leve a mal
Mas se o samba quer que eu prossiga
Eu não contrario não
Com o samba eu não compro briga
Do samba eu não abro mão
Amanhã, ninguém sabe
Traga-me um violão
Antes que o amor acabe"
Não é à toa que ele é um símbolo vivo do Brasil. A música é de 1966 e, no entanto, está aqui tanto por aquilo que o Brasil é conhecido historicamente - o Carnaval, o Samba, o Violão, o Amor - como o que domina o país por estes dias - a Briga e a Incerteza.
São coisas antagónicas, extremadas, como a realidade da campanha eleitoral e o sentimento dos brasileiros.
Quem arrisca como é que vai acabar este domingo? Depois de oito dias em São Paulo, a conversar com políticos, cientistas políticos, jornalistas, empresários, ativistas, comerciantes, taxistas, brasileiros e portugueses, não entro em prognósticos.
Há tantos que têm o poder todo na mão ao longo deste dia que não sabem ainda o que lhe fazer, como ousaria eu arriscar?
Quando aterrei em Guarulhos tudo indicava que a minha missão seria estar agora a contar-lhe a história de uma vitória anunciada. Jair Bolsonaro tinha pulverizado todas as sondagens e por pouco não se elegeu logo na primeira volta. Os próprios adversários pareciam ter interiorizado que os dias até este 28 seriam um doloroso passeio até ao coroar do antigo capitão, que, à força da faca primeiro, e depois por estratégia, decidiu "exilar-se" em casa, no Rio de Janeiro, e falar ao mundo brasileiro através da nova televisão: as redes sociais.
Mas depois aconteceu domingo (o passado), na Avenida Paulista.
Ao telefone, o candidato do Partido Social Liberal (PSL) falou para milhares de fervorosos apoiantes que encheram a mais movimentada avenida de São Paulo. E fez um discurso violento, e fez violentas ameaças. "Essa turma [do PT], se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão pra cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria." E foi mais longe: "Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil."
Mesmo já habituados ao tom inflamado e às ameaças, a fala provocou choque em muitos - o antigo Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, que não declarou apoio a nenhum candidato, classificou a declaração como "inacreditável" - e muito pela referência à "ponta da praia". Essa é a forma como era conhecida, entre os militares, a base da Marinha na Restinga de Marambaia, em Pedra de Guaratiba, no Rio de Janeiro. O local seria um centro de tortura e interrogatório durante a ditadura militar (1964-1985), mas mais do que isso onde vários opositores terão sido mortos.
Numa das muitas conversas que tem tido com os jornalistas antes ou no final de ações de campanha na última semana, Fernando Haddad considerou que foi nesse momento, na Avenida Paulista, que começou a "virada", a reviravolta.
Coincidência ou não a estratégia do PT passou por endurecer o discurso contra Bolsonaro - Haddad chamou-lhe várias vezes nos últimos dias, "frouxo", "aberração", "soldadinho de araque" (de faz de conta), por criticar o facto de ele ter recusado ir aos debates televisivos (um "segundo turno" sem debates na TV é algo inédito desde 1989), por ir para a rua, para comícios e "caminhadas pela Paz", por ter artistas, como Chico ou Caetano Veloso, ao lado. Fernando Haddad, e a candidata a vice- presidente, Manuela D"Ávila, encheram o Largo do Batata, em São Paulo, levaram cerca de 70 mil pessoas (números do PT) ao "Ato da Virada" nos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, e conseguiram juntar no Farol da Barra, em Salvador, mais de 100 mil apoiantes.
Haddad e toda a candidatura parece que ganharam um novo fôlego. Vários atores de novela, filmes e séries vieram para a rua #virarvoto, sentaram-se, literalmente, com quem passava na rua e tentaram convencê-los que o homem do PT é melhor escolha que o do PSL.
Entretanto já tinha rebentado a notícia da Folha de São Paulo que contava que vários empresários ligados a Bolsonaro teriam comprado pacotes de "disparo em massa" de informações contra o PT, que foram distribuídos pelo Whatsapp. Uma prática ilegal, que está a ser investigada pela Polícia Federal. Várias contas foram canceladas.
A sondagem DataFolha que refletia entrevistas feitas entre os dias 24 e 25 mostraram que Haddad recuperou seis pontos, e a diferença, que uma semana antes estava nos 59-41, caiu para 56-44%. Foi um terço da diferença que ficou pelo caminho (à hora a que escrevo ainda não se sabem os resultados da última sondagem DataFolha, que saem ao final da tarde deste Sábado, e aqui são menos quatro horas do que em Portugal Continental), mas ainda restam 12...
Na história da redemocratização do Brasil, nunca aconteceu uma "virada", nunca um candidato que não venceu a primeira volta ganhou a segunda. Mas Joyce Leão Martins, Doutora em Ciência Política, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e pós-doutoranda em Ciência Política, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que estudou todas as campanhas desde 1989, partilhava comigo no final da semana: "Se a gente for olhar para o passado, muitas coisas não podem ser explicadas nessa eleição. Olhando para o passado, essa virada seria muito improvável, essa virada nunca aconteceu. Mas nós estamos perante uma eleição atípica, então, pode ser que aconteça."
Tudo somado, dificilmente a vantagem de Jair Bolsonaro nas intenções de voto dará azo a uma histórica reviravolta. Mas "Amanhã, ninguém sabe"...