A plataforma criada por Assange divulgou informação útil à campanha de Trump, depois de troca de mensagens entre o filho do então candidato e o Twitter oficial do WikiLeaks. Haverá mais ligações comprometedoras ou será Assange apenas um idealista e defensor da democracia?
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"Para mim, Julian Assange não é um herói, é um criminoso." Germano Almeida, jornalista e autor de "Isto Não é Bem um Presidente dos EUA", não tem dúvidas, e sustenta a afirmação com a correspondência entre a conta de Twitter do WikiLeaks e Donald Trump Jr., filho do então candidato à Presidência do país norte-americano. "O que essas mensagens mostravam era que, da parte de Julian Assange e do WikiLeaks, havia o interesse de usar o material [e-mails privados de Hillary Clinton, obtidos por piratas informáticos russos] e dar à candidatura de Donald Trump para prejudicar Hillary, a troco de uma vantagem pessoal de Assange de poder vir a ser embaixador na Austrália", explica Germano Almeida à TSF.
O WikiLeaks, fundado por Julian Assange, foi, assim, "uma plataforma fundamental para a exposição do roubo de e-mails", segundo o jornalista-autor. A troca de mensagens não levou à nomeação de Assange como embaixador da Austrália, mas teve efeitos nocivos para a democracia. "Dias depois da conversa, o candidato Donald Trump escrevia no seu Twitter, a 20 de outubro de 2016, que é uma 'vergonha' haver revelações 'gravíssimas' do WikiLeaks e ninguém noticiar, sublinhando também que o sistema era fraudulento e que os media eram os grandes responsáveis por isso", revela Germano Almeida, sobre o processo que culminou com a eleição de Trump.
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Estas alegações vêm contrapor a ideia romantizada de que o australiano, fundador do WikiLeaks, lutava pela liberdade de expressão e por "não criar vítimas, ao policiar criminosos". As palavras são de Assange e servem para descrever uma série de divulgações de documentos secretos de Governos e empresas. Um a um, a maior parte foi caindo, como uma espécie de peças de um dominó com manchas negras.
Tudo começou em 2006, quando o wikiLeaks foi criado para divulgar anonimamente injustiças de "regimes repressores". Em 2010, a plataforma começou a libertar mais de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais dos Estados Unidos da América (EUA). Também nesse ano, o WikiLeaks difundiu fotos e trechos de e-mails pessoais da governadora do Alasca e então candidata conservadora a vice-presidente dos Estados Unidos, Sarah Palin.
Assange tomou também como alvo as guerras no Afeganistão e no Iraque, ao divulgar um vídeo que questiona a versão oficial sobre como o exército norte-americano matou 11 iraquianos em 2007. Ao todo, 91 mil documentos foram trazidos à tona da opinião pública, que passou a escrutinar a guerra no país afegão.
Da libertação de informação secreta ao desmantelamento de Governos corruptos
Talvez seja aqui que o "criminoso" encontre o "herói". E, para a plateia do TED Global 2010, a decisão foi quase unânime. Questionada pelo apresentador, a grande maioria da audiência levantou os braços para sinalizar a opção "herói", e preteriu a análise de que Assange seria um "criador de conflitos".
No evento, realizado em pleno reboliço mediático em torno de Julian Assange, o australiano explicou por que o mundo necessita dos Wikileaks. "O resto dos media está a fazer um trabalho tão mau. O Wikileaks conseguiu fornecer mais informação do que todos os órgãos de comunicação social", frisou o informático. Também nessa altura Julian Assange reconheceu que apenas assegurava se os documentos eram, ou não, legítimos, mas que nunca sabia a origem da informação: "Se descobrirmos, eliminamos essa informação automaticamente".
O antigo jornalista e ativista salientou o papel que o site de libertação de dados teve nas eleições do Quénia, em 2004. Antes disso, o país era liderado por Daniel Arap Moi, durante 18 anos marcados pela ditadura. As informações de um "acordo político com Moi, o homem mais rico do país" foram libertadas em 2008, antes das eleições, o que mudou o rumo das eleições, ao alterar 10% dos votos.
Hacker desde a adolescência, teve a infância marcada pela passagem por 37 escolas diferentes. "Considero-me feliz por ter nascido entre pessoas curiosas que encheram de perguntas a atmosfera em meu redor. Um dia eu travaria conhecimento com os meus inimigos e eles iriam odiar-me por querer a verdade", lê-se, assim, na sua autobiografia não autorizada. "É um tempo interessante para viver, porque tudo pode mudar em minutos", disse ainda em entrevista no TED Global 2010.
A queda do "herói"
O fundador do WikiLeaks recebeu, pela sua luta "combativa", um mandato de três países: Estados Unidos da América, Reino Unido e Suécia. A investigação sueca contra o fundador do Wikileaks, Julian Assange, prendeu-se com uma acusação de assédio sexual. No mesmo mês, o Partido Pirata da Suécia cedeu ao WikiLeaks os seus servidores para alojar os conteúdos da plataforma.
A 7 de dezembro de 2010, Assange é detido pela polícia de Londres pelas acusações que recebeu na Suécia. Nove dias depois, é libertado, após pagamento de fiança.
Após a anunciar a falta de financiamento do WikiLeaks, que deixa de divulgar documentos secretos, a rede de televisão Russia Today anunciou que Assange iria entrevistar políticos e personalidades de todo o mundo numa série de programas. A primeira das entrevistas acontece dois meses depois, com o presidente do Equador, Rafael Correa.
O responsável pela divulgação de assuntos secretos foi também protagonista de um episódio dos Simpsons, no qual Homer e Marge descobrem que a população de Springfield pretende expulsá-los e que vai realizar uma reunião secreta para discutir o assunto. Como resultado, os Simpsons vão viver para outro local e encontram Julian Assange. O episódio foi para o ar a 19 de fevereiro de 2012.
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É também nesse ano que o ministro do Exterior do Equador, Ricardo Patiño, informa que Assange está na embaixada do Equador em Londres e pediu asilo político, para evitar a sua extradição para a Suécia, onde recebeu as acusações de assédio sexual. A proteção ao autointitulado ativista chamou-se "Operation Guest". O gasto mensal desta operação chegava aos 66 mil dólares. Outra operação da secreta equatoriana, a "Operation Hotel" custou 972,889 dólares entre junho de 2012 e agosto de 2013.
Assange abriu precedentes na forma como se encarava o sigilo e o segredo de Estado. Para muitos, é um idealista que acreditava que "quando a informação sai cá para fora, há esperança de se fazer algum bem". Para outros, é um criminoso, responsável por uma teia de conspirações políticas e insegurança em relação aos Governos. Foi hoje detido em Londres, na Embaixada do Equador.